138.57

Adeus Alejandro Sabella

Fabio Perina 31 de dezembro de 2020

No último dia 8 de dezembro o futebol se despediu de um dos grandes treinadores argentinos dos últimos anos. Aos 66 anos, Alejandro Javier Sabella não resistiu a problemas cardíacos que o exigiram deixar o futebol nos últimos anos. Treinador cuja carreira foi tão curta na primeira metade da década de 2010 cujos trabalhos foram tão brilhantes quanto discretos. [editor: recuperar link da crônica “grandes maestros”] Tanto é que faz alguns meses escrevi uma crônica apresentando as principais correntes ideológicas do futebol argentino (menottismo, bilardismo e bielsismo). Apresentei também os treinadores mais vencedores desse século (Bianchi e Gallardo). E por fim apresentei alguns dos mais folclóricos (Caruso Lombardi e Zielinski).

Enfim, Sabella foi tão discreto que não ganhou nem um “ismo” como sua marca ideológica nem sequer seu apelido de “Pachorra” é conhecido por todos os lados. Tão discreto que quase ninguém lembrava que foi o auxiliar de Passarella na breve passagem pelo Corinthians, em 2005. Com quem trabalhou quase uma década junto, inclusive por passagens pela seleção argentina (Copa do Mundo 98) e uruguaia. Avesso a polêmicas ou declarações bombásticas, como autêntico “maestro” nem precisou concluir o curso de Direito para com erudição aplicar ao futebol frases de grandes líderes e pensadores.

Como jogador Sabella foi também um discreto meio-campista ofuscado justamente na época da maior safra de craques e títulos do futebol argentino: a virada dos anos 70/80. Mesmo assim esteve em algumas das equipes mais vencedoras do período. Na metade dos anos 70 esteve no River Plate campeão do Metropolitano e do Nacional e que mediu forças com o Cruzeiro na grande final da Libertadores de 76. Jogou ao lado de pilares fundamentais que venceriam a Copa do Mundo de 78: Fillol no gol, Passarella na defesa e Luque no ataque. Além do veterano zagueiro Perfumo, com grande passagem pelo Cruzeiro. Já no Estudiantes do início dos anos 80 também foi campeão do Metropolitano e do Nacional e mediu forças com um clube brasileiro em uma partida ainda mais dramática de Libertadores: o 3 a 3 da “Batalha de La Plata” contra o Grêmio, em 83. Jogou ao lado de Miguel Angel Russo, hoje treinador do Boca Juniors e o último a ganhar lá uma Libertadores, em 2007. Ironicamente, Sabella passou pelo Grêmio já veterano em 85/86.

O técnico da seleção Agentina, Alejandro Sabella e o jogador,Jose Basanta, durante entrevista coletiva no Maracanã (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

A passagem de auxiliar a treinador teve início com seu primeiro teste ao retornar ao Estudiantes no início de 2009. Dentro de campo a liderança natural do ídolo Juan Sebastián Verón (cujo pai foi ídolo no tri da Libertadores no final dos anos 60) foi encontrando também uma liderança na “casamata” com Sabella. A equipe vinha de um vice na Copa Sul-Americana para o Inter e na fase de grupos da Libertadores teve uma prévia eletrizante contra o Cruzeiro com uma goleada para cada lado. Na grande final tão recordada, Sabella teve sua revanche pessoal contra o clube mineiro através da espetacular virada de 2 a 1 em pleno Mineirão, com gols da “Gata” Fernandez e Boselli. Mesmo sem ser considerado um dos clubes grandes do futebol argentino, o Estudiantes chegava à grande marca de sua quarta Libertadores.

No segundo semestre de 2010 também conquistou um título local com o Apertura. Um dos vários torneios naquela virada de década com os clubes grandes como coadjuvantes e clubes médios como protagonista. Uma disputa libra por libra contra o Velez de Ricardo Gareca que, mesmo com um futebol mais ofensivo, não resistiu a um Estudiantes melhor “plantado” na defesa com sua eficiência na bola aérea e nos contra-ataques. Favorecido por atuar na acanhada cancha de Quilmes durante as obras do maior estádio de La Plata.

Essa conquista um ano depois lhe deu as credenciais para assumir a seleção argentina, após a má campanha na Copa América de 2011 com Sergio Batista. Alguns jogadores de destaque na época do Estudiantes acompanharam o treinador na seleção no ciclo mundialista até 2014: como o goleiro Orión, o lateral Rojo e o meia Enzo Perez. Foi a melhor campanha da Argentina em Copas do Mundo nos últimos 30 anos, com o título escapando apenas na prorrogação para os alemães.

Foto: Reprodução Twitter

Evidentemente que o Estudiantes o homenageou nos últimos dias com “trapos” em seu estádio recém reformado Luis Hirshi. Atualmente o clube está nos últimos anos afastado dos títulos e nos últimos dias acumulando derrotas. Mas com um entorno fora de campo agitado: a recente aposentadoria de Mascherano e a presidência do ídolo Verón. A cidade conhecida por suas ruas diagonais lhe renderá uma homenagem permanente: o Estádio Único (uma das sedes da última Copa América em 2011 e da próxima em 2021) será rebatizado como Diego Maradona e uma das tribunas será rebatizada como Alejandro Sabella.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Adeus Alejandro Sabella. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 57, 2020.
Leia também:
  • 178.26

    1974/2024: a solitária revolução portuguesa e lampejos sobre o futebol

    Fabio Perina
  • 178.11

    “A parte que te cabe nesse latifúndio”: breves notas sobre o debate recente do clube-empresa no Brasil

    Fabio Perina
  • 178.2

    Memória, Verdade e Justiça também no futebol sul-americano

    Fabio Perina