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Adiós, América! A Copa que não foi e o protagonismo de quem não jogou

Pamella Lima 15 de junho de 2016

Muito provavelmente a lembrança sobre a atuação do Uruguai na Copa América Centenário será a de decepção e desastre. O principal jogador do país estava lesionado e, para participar, teria que sacrificar-se numa recuperação relâmpago. Isso traz uma pequena comparação a Copa de 2014, quando Luis Suárez estava, até então, no melhor momento da carreira. O atacante teve que se submeter a uma cirurgia no joelho e deixou milhões de hinchas apreensivos às vésperas do torneio. O desfecho é conhecido. Em sua estreia, liquidou os ingleses, mas foi liquidado pela Fifa – que o puniu severamente por ser flagrado em sua terceira mordida a um adversário durante o jogo.

De lá para cá, virou fenômeno mundial. Atuar no Barcelona, onde conquistou sete títulos e integra o melhor trio de ataque do mundo, o MSN, e infernizar a vida dos goleiros com 59 gols marcados na última temporada certificam sua entrada ao hall dos melhores jogadores da atualidade. O centroavante é sinônimo de esperança e garra para os seus compatriotas. Esperança de conquistas e glórias, mesmo as que não valem ouro. Às vezes, os uruguaios colocam a honra e valentia no mesmo patamar que uma medalha dourada no peito. Acontece que a competição nos Estados Unidos foi novamente a Copa que não foi.

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Suárez foi um dos destaques do Uruguai na Copa de 2014. Na imagem ele faz gol contra a Inglaterra. Foto: Fernando Pereira / PMSP.

Além do goleador, os uruguaios depositam sua confiança na dupla de zagueiros que está dando o que falar: Giménez e Godin, ambos defensores do Atlético de Madrid. Aparentemente, desfalques como o de Martin Cáceres, lateral da Juventus, não diminuíram o otimismo de que a Celeste brigaria pelo título. Mas, no meio do caminho, havia mexicanos, venezuelanos e as limitações de um plantel que, na ausência do atacante, depende da inspiração (irregular) dos outros convocados. Entretanto, é preciso lembrar que esse grupo, com as dificuldades, forças e fraquezas, lidera a Eliminatória sul-americana para a Copa do Mundo na Rússia, em 2018.

Dito isso, quero apresentar um ponto intrigante: Suárez sequer disputou a Copa, mas não perdeu seu protagonismo, pelo contrário. No discurso hegemônico da derrota para a Venezuela e, consequente eliminação do Uruguai, foi a performance do jogador, à beira do gramado, que dominou o noticiário celeste.  Por que o comportamento do jogador e sua não escalação foram mais proclamados que a atuação dos atletas que assinaram a derrota, do que a análise tática, do que o gol da classificação, do que qualquer outra coisa que se imagine?

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As versões online e impressa do “Ovación”, suplemento de esportes do jornal uruguaio “El Pais”, destacam a irritação de Suárez durante o jogo contra a Venezuela.

Enquanto o relógio avançava pelo segundo tempo, a emissora de tv responsável pela transmissão da partida mostrou a irritação do pistolero (ver episódio em vídeo aqui) ao se dar conta de que não entraria em campo para tentar salvar o país. A expressão pode parecer pesada, mas traduz o sentimento de três milhões e meio de torcedores. A princípio, pareceu que ele estava revoltado com a comissão técnica, que preferiu poupa-lo e mantê-lo fora por segurança médica (na véspera do confronto, o comandante Oscar Tabárez tinha declarado que o atacante não jogaria).

A cena gerou uma série de especulações. Há quem diga que posa ter havido pressão do Barcelona para não arriscar a condição do atacante, há quem diga que já estava previsto que ele não poderia jogar e que a Federação Uruguaia de Futebol (AUF) tinha deixado claro novamente no material de imprensa. O problema é que fontes ligadas à organização afirmaram não haver sinalizações de restrição ao atleta, incendiando as cornetas. A novela foi grande. Até os jornais espanhóis deram destaque ao caso. Amendoim para lá e para cá, sobrou para o treinador Tabárez – 10 anos à frente do comando da comissão técnica. Perseguido e criticado até por um dos irmãos do jogador. Mas, quanto a isso, não há consenso. Houve jornalistas e torcedores que saíram em defesa do Maestro.

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A posição de Tabárez em não colocar Suárez em campo gerou reações diversas, de crítica e apoio, ao técnico da seleção uruguaia. Foto: Gil Leonardi / Imprensa MG.

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No entanto, Suárez não estava com a sua situação regularizada para atuar na partida. À esquerda, imagem divulgada pelo “Ovación” faz parte do material de imprensa distribuído pela assessoria da Federação Uruguaia de Futebol (AUF). A marcação ao lado do nome de Suárez na coluna “I”, significa “inelegido”, “indisponível”. À direita, imagem divulgada pela assessoria da Federação Uruguaia de Futebol (AUF) nas redes sociais com a escalação da seleção uma hora antes do jogo contra a Venezuela: Luis Suárez não aparece sequer na lista de suplentes.

Pouco mais de 24 horas depois, Luisito se mostrou amadurecido e, seja pela razão que for, assumiu o papel que lhe cabe. Rompendo o silêncio e às especulações, concedeu entrevista coletiva sobre o episódio. Respondeu duramente ao irmão, pediu desculpas públicas ao Maestro, confessou saber que não tinha condições de jogo e que sua frustração por não poder ajudar o fez perder a tranquilidade no banco de suplentes. Aliás, de onde nem precisava ficar, mas esteve em todas as partidas, até mesmo na protocolar duelo contra a Jamaica, contra quem o Uruguai conquistou a vitória, em ritmo de treino, por 3 a 0.

NATAL, BRAZIL - JUNE 24: Luis Suarez of Uruguay celebrates the win after the 2014 FIFA World Cup Brazil Group D match between Italy and Uruguay at Estadio das Dunas on June 24, 2014 in Natal, Brazil.  (Photo by Clive Rose/Getty Images for Sony)
Em uma atitude madura e de liderança, Suárez tratou de ‘jogar panos quentes’ na polêmica em que se envolveu na eliminação do Uruguai na Copa América Centenário, visando a evitar problemas que afetem a seleção na continuidade das eliminatórias para a Copa da Rússia. Foto: Clive Rose / Getty Images for Sony.

Pela trajetória de Luis Suárez, sua importância para a equipe e, ao que parece, ao país, a Copa América, a que não jogou, é mais um capítulo entre as polêmicas que compõem as narrativas do ídolo na mídia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pamella Lima

Apaixonada por esportes, música e cinema.

Como citar

LIMA, Pamella. Adiós, América! A Copa que não foi e o protagonismo de quem não jogou. Ludopédio, São Paulo, v. 84, n. 7, 2016.
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