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Apontamentos para analisar evidenciações contábeis nos clubes de futebol

Este é o terceiro texto da discussão inicial realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (Pibic 2022-223) “A importância da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de futebol masculino (2007-2023): padrões tecnoestéticos e incentivo ao torcer a times locais” – veja o primeiro  e o segundo. 

Dando continuidade ao plano de trabalho 2, “A importância econômica da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de Futebol masculino (2007-2023) e o incentivo ao torcer”, realizou-se a leitura e discussão de dois textos: alguns capítulos do Trabalho de Conclusão do Curso “Evidenciação contábil nas entidades desportivas: análise dos clubes alagoanos de futebol profissional” (ARAÚJO; FERREIRA; BRANDÃO, 2022) e o artigo “Evidenciação contábil em entidades desportivas: uma análise dos clubes de futebol brasileiros 2010 a 2016” (PEREIRA; ARRAES; COSTA, 2018). 

A opção do plano de trabalho neste caso foi começar com o texto sobre Alagoas porque a leitura anterior era sobre o Estado, além de material semelhante de análise ser o observável para etapas seguintes. Em seguida, buscar um exemplo de pesquisa que analisa mais clubes nacionais, com parâmetro mais voltado ao quantitativo. 

Apresenta-se a seguir fichamento de comentário dos textos, concluindo com a relação entre eles e a importância do desenvolvimento do plano de trabalho. Buscou-se compreender a relação direta entre a contabilidade e os clubes de futebol, que parte desde a legislação e sua aplicação, até à análise do nível de evidenciação contábil publicada.  

Evidenciação contábil de clubes alagoanos 

A priori, como o primeiro texto é uma monografia de conclusão de curso, optou-se pela leitura de duas partes: 2.4 “Obrigações contábeis dos clubes de futebol” e 4. “Demonstrações contábeis de CSA e CRB”. A finalidade era compreender quais são as exigências legais e o que estava sendo posto em prática pelos dois clubes. 

Na primeira, os autores partem de uma análise da legislação desportiva, trazendo como destaque não apenas as exigências, mas também como ela atua em fiscalização, controle e transparência nas ações praticadas pelos diretores dos clubes.  

Como é posto no inciso III do Art. 18-A da Lei Pelé, é necessário que: “sejam transparentes na gestão, inclusive quanto aos dados econômicos e financeiros, contratos, patrocinadores, direitos de imagem, propriedade intelectual e quaisquer outros aspectos de gestão” (BRASIL, 1998 apud ARAÚJO; FERREIRA; BRANDÃO, 2022, p. 19) 

Com o intuito de fiscalizar e compreender qual a real situação financeira da entidade, o Estado utiliza como exigência a elaboração e publicação das demonstrações financeiras de acordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Araújo, Ferreira e Brandão (2022) enfatizam que essa transparência não irá auxiliar apenas ao Estado, mas também aos envolvidos direta ou indiretamente com aquela entidade, que podem ser desde um torcedor até um investidor.  

Os autores destacam ainda a Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015, que diz respeito aos “princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática” (BRASIL, 2015 apud ARAÚJO; FERREIRA; BRANDÃO, 2022, p. 19) e a criação do Programa de Modernização da gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT). É evidente que a lei e o PROFUT estão interligados, dado que para a permanência no programa é necessário que a entidade cumpra com o que é posto na Lei nº 13.155. 

Dando continuidade às exigências contábeis, os autores discorrem sobre uma lei específica que dispõe sobre quais demonstrações financeiras devem ser elaboradas para este tipo de pessoa jurídica, a Lei 6.404/76.  

Os elementos necessários são: Balanço Patrimonial; Demonstração dos Lucros ou Prejuízos Acumulados; Demonstração do Resultado do Exercício; Demonstração dos Fluxos de Caixa; e se companhia aberta, Demonstração do Valor Adicionado e complementadas por notas explicativas e outros quadros ou demonstrações que sejam necessários para esclarecer a real situação do patrimônio e resultado do exercício da companhia.  

No decorrer do tempo, ocorreram algumas alterações dessas exigências, caso da NBC T 10.13 – Dos Aspectos Contábeis Específicos em Entidades Desportivas Profissionais, que estabelecia os critérios e procedimentos contábeis específicos das entidades de futebol profissional e demais entidades, direta ou indiretamente, ligadas à exploração da atividade desportiva profissional. 

Os autores, com a finalidade de introduzirem o leitor ao ambiente contábil, expõem que as demonstrações contábeis são relatórios que demonstram a situação patrimonial e financeira de determinada entidade e, quando bem elaborados, transmitem para seus usuários um alto nível de confiabilidade. Por isso, é utilizada como mecanismo de fiscalização e controle pelo Estado, como observamos nas normas e leis que tratam do desporto brasileiro. 

No final do primeiro trecho, tratam ainda da Lei nº 14.193 publicada em 06 de agosto de 2021, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Como os clubes analisados não são SAF, não nos aprofundaremos aqui. 

Araújo, Ferreira e Brandão (2022), ao apresentarem o quarto capítulo, optam por subdividi-lo da seguinte forma: fazer um apanhado histórico dos dois clubes, suas conquistas, obrigações, delimitações dos Estatutos e, por fim, a descrição e a análise das demonstrações contábeis no ano fiscal de 2019.  

No que diz respeito à transparência dos clubes, foi inferido que o Centro Sportivo Alagoano (CSA), das obrigações legais exigidas, apenas 6 são encontradas na demonstração contábil, com a ausência de: receitas com transferência de atletas; receitas e despesas com atividades sociais da entidade; despesas com pagamento de direitos econômicos de atletas; e despesas com modalidades desportivas não profissionais.  

Com os dados obtidos, os autores puderam avaliar que, apesar do clube finalizar o período com saldo financeiro positivo, precisaria melhorar a qualidade do detalhamento das informações contábeis, pois mediante a falta das informações exigidas pela ITG 2003 (R1) nas Notas Explicativas aparenta falta de controle das informações. Outro problema identificado foi publicar demonstrações não auditadas, em desacordo com o que exige a Lei Pelé. 

Quanto ao Clube de Regatas Brasil (CRB), os autores não conseguiram encontrar a evidenciação contábil de 2019 no site do clube, como determina a Lei Pelé. A análise só foi possível pois encontraram o documento no site da Federação Alagoana de Futebol (FAF), publicado em maio de 2020. 

Através das exigências impostas pela legislação, foi visto que o CRB divulgou apenas o Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado, deixando de publicar as demais demonstrações. Com as informações financeiras obtidas, foi destacado que o clube terminou a temporada com um pequeno prejuízo. 

Ao que diz respeito às obrigações legais, Araújo, Ferreira e Brandão (2022) identificaram apenas 4, faltando: receitas de bilheteria; receitas e despesas com atividades sociais da entidade; despesas com pagamento de direitos de imagem de atletas; e despesas com modalidades desportivas não profissionais. 

Mediante ao que puderam obter de informações das publicações do clube, os autores avaliaram que o CRB precisaria buscar mais clareza na apresentação das demonstrações. Também deve buscar cumprir a legislação relativa às entidades desportivas quanto à publicação das demonstrações contábeis, bem como não publicou as Notas Explicativas que são de extrema importância para sanar as dúvidas dos usuários dessas demonstrações. 

Por fim, Araújo, Ferreira e Brandão (2022) enfatizam a necessidade do alavancamento do nível de evidenciação das informações contábeis dos clubes da amostra. 

Estádio Rei Pelé, o "Trapichão"
Estádio Rei Pelé, o “Trapichão”, em Maceió (Alagoas). Fonte: Wikipédia

As informações contábeis como instrumento de avaliação das entidades desportivas 

Dando início ao texto de Pereira, Arraes e Costa (2018), eles trazem de uma forma que dá continuidade à parte legislativa do primeiro texto, no entanto, irá partir para a parte contábil propriamente dita e com um grupo de amostra maior, pois serão analisados 20 clubes de futebol melhores listados no ranking da Confederação Brasileira de Futebol em 2017.  

Apesar do futebol não ter origem brasileira, desde o início é um esporte que sempre arrastou multidões, tornando-se uma paixão nacional. Os autores salientam que, com o passar do tempo, esse esporte que era associado apenas a campo por sua torcida, cresceu em outros aspectos e, dentre os mais relevantes, está o cenário econômico. Isso transformou o futebol não só em uma plataforma de lazer, mas também em um negócio para investimento. 

Os times de maior torcida no Brasil movem um grande volume de receitas. Segundo Somoggi (2017 apud PEREIRA; ARRAES; COSTA, 2018), as receitas brutas em 2016 dos times brasileiros chegaram perto de R$ 5 bilhões, 30% acima de 2015; já o lucro líquido foi de R$ 410 milhões, quase 4 vezes superior ao ano anterior. 

Em uma contextualização histórica, os autores apresentam algumas das leis mais importantes no mundo desportivo do Brasil, que parte do Decreto-lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941, o primeiro na história a estabelecer os princípios dos desportos no Brasil; passa pela Lei nº 6.404/76, Lei das Sociedades por Ações, primeiro marco para transparência dos clubes; e chega à Lei Pelé. 

Apesar dessa lei e de outras citadas no primeiro texto, que exigem das entidades desportivas as publicações das informações contábeis, os autores indagam: “Qual o nível de evidenciação das informações contábeis geradas pelos clubes de futebol brasileiro?” (PEREIRA; ARRAES; COSTA, 2018, p. 2). 

Para que esse questionamento pudesse ser respondido, o trabalho analisou o nível de evidenciação de 20 clubes brasileiro de futebol e verificou se havia relação direta das receitas dos clubes com seu desempenho no Campeonato Brasileiro. 

Os autores apresentam a contabilidade como um ótimo instrumento para conectar o clube com os seus interessados, com a apresentação das informações organizacionais dos times de futebol como algo fundamental para estabelecer relações entre os clientes. Destaque para a relevância de serem de qualidade, de maneira a diminuir a assimetria informacional. 

Arraes, Pereira e Costa (2018) utilizam dois instrumentos de pesquisa: teste de hipóteses e o checklist. O teste de hipóteses, é uma réplica de um estudo anterior, tendo apenas adaptado a métrica para o ano de vigência. A partir disso, foram formuladas as seguintes hipóteses: 

Hipótese 1: O nível de evidenciação contábil do clube de futebol está associado ao montante de receitas auferidas pelo clube. 

Hipótese 2: Existe relação entre o desempenho do clube em competições profissionais nacionais e o nível de evidenciação das suas informações contábeis. 

Hipótese 3: O número de sócios torcedores está associado ao montante das receitas de transmissão de imagem (PEREIRA; ARRAES; COSTA, 2022, p. 5). 

Já o checklist “é um instrumento de controle, formado por um conjunto de condutas, nomes, itens ou tarefas que devem verificadas.” (PEREIRA; ARRAES; COSTA, 2022, p. 5).  

A amostra realizada separou 20 clubes brasileiros, que apresentavam as informações necessárias para prosseguir com o estudo: Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Chapecoense, Cruzeiro, Figueirense, Flamengo, Fluminense, Goiás, Internacional, Palmeiras, Ponte Preta, Santos, São Paulo, Vasco e Vitória. 

Diante da análise através do checklist, Pereira, Arraes e Costa (2018) conseguiram inferir que os clubes ainda precisam melhorar nas suas demonstrações financeiras. No ano estudado, 10 clubes apresentaram parecer sem ressalva; com a outra metade com observações feitas pelos auditores, o que comprova a má qualidade das informações contábeis entregues. 

Em seguida, não menos importante, é apresentado um gráfico para expor as principais fontes de receita dos clubes em 2016. Foi analisado que 59% das receitas totais advinham da receita de transmissão de imagem, podendo inferir na dependência dos clubes com a mídia. Essa análise é de suma importância para o nosso projeto, dado que o intuito principal é analisar a importância das transmissões audiovisuais no campeonato alagoano. 

Para finalizar os instrumentos de pesquisa, os autores apresentam o teste de hipóteses. Sobre a primeira hipótese, foi concluído que o nível de evidenciação dos clubes está associado ao montante de receitas geradas no ano. Da segunda, pôde-se afirmar que não existe relação entre o desempenho do clube em competições nacionais e o seu nível de evidenciação contábil. Da terceira, chegou-se à conclusão que há associação entre o número de sócios-torcedores e o montante de receitas de transmissão de um clube. 

Por fim, é possível compreender que as entidades desportivas possuem maior preocupação em realizar as publicações apenas das exigências propostas na lei, o que ocasiona a vacância de informações, o que pode afastar possíveis investidores.  

Considerações finais 

Dado o exposto, inferimos que a legislação avançou ao longo das décadas para a criação de exigências quanto à evidenciação contábil dos clubes de futebol. Porém, alguns realizam o cumprimento, outros não, o que pôde ser visto nos dois textos aqui comentados. 

A falta de informação irá interferir em alguns âmbitos dos clubes, como aquisição de novos investidores ou sócios-torcedores. No entanto, como foi possível ver no segundo teste de hipóteses do segundo texto, não é algo que está ligado diretamente com o desempenho do time.  

Vale salientar ainda para o decorrer desta pesquisa que é primordial a análise da geração de receita com as transmissões audiovisuais, bem como a necessidade de adaptação a esse novo mercado que tornou-se o futebol. 

Referências bibliográficas 

 ARAÚJO, Rafael Albano; FERREIRA, Evaí da; BRANDÃO, Luan Caio Gomes. Evidenciação contábil nas entidades desportivas: análise dos clubes alagoanos de futebol profissional. 2022. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso Parcial (Bacharelado/ Licenciatura em Ciências Contábeis) – Unidade Santana do Ipanema, Curso de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Alagoas, Santana do Ipanema, 2022. p. 18-47. 

 PEREIRA, Rodrigo Azambuja; ARRAES, Jeremias Pereira da; COSTA, Abimael de Jesus Barros. Evidenciação contábil em entidades desportivas: uma análise dos clubes de futebol brasileiros 2010 a 2016. In: CONGRESSO USP DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM CONTABILIDADE, 15., 2018, São Paulo. Anais eletrônicos […]. São Paulo, USP, 2018. Disponível em:https://congressousp.fipecafi.org/anais/Anais2018/ArtigosDownload/1291.pdf. Acesso em: 28 dez. 2022.

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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SOUZA, Viviane Silva de; SANTOS, Anderson David Gomes dos. Apontamentos para analisar evidenciações contábeis nos clubes de futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 164, n. 7, 2023.
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