111.24

As torcidas que abraçam a democracia!

Max Filipe Nigro Rocha 24 de setembro de 2018

Se as manifestações de jogadores de futebol [1] em apoio ao candidato à Presidência da República pelo PSL que defende o retorno de uma ditadura militar não são exclusividade de um único clube brasileiro, o repúdio por parte daqueles que lutam para manter os ainda restantes aspectos democráticos na sociedade brasileira também não devem ser.

 

WhatsApp-Image-2018-09-21-at-11.39.44-AM-750x430

 

Sinal dos tempos quando observamos a tolerância, quando não o silêncio sorridente (parafraseando Caetano Veloso na letra Haiti) diante dos posicionamentos desses personagens do mundo do esporte que saem em defesa da candidatura sustentada por propostas sistematicamente antidemocráticas. Ao mesmo tempo eventos como o grito homofóbico de parte da torcida do Atlético Mineiro [2] são imediatamente naturalizados por esses discursos que alegam que o ocorrido faz parte da cultura do futebol (sic).

Por outro lado, uma mera chuteira rosa [3], lançamento de uma famosa marca esportiva, gera comoção já que supostamente coloca em risco os padrões masculinos tradicionalmente associados ao futebol. O que dizer então daqueles textos que resolvem apontar os problemas e colocar o dedo na ferida ao criticar as ações dos jogadores que saíram em defesa do presidenciável em questão? Ultimamente, ações e manifestações progressistas têm um campo de atuação muito restrito no universo futebolístico.

Em tempos de indignação seletiva, as falsas simetrias se reproduzem sem controle. Felipe Melo se aproveita muito bem dessa estrutura ao usar a todo momento sua posição de jogador do Palmeiras para proferir barbaridades e defender o candidato líder das pesquisas presidenciais.

Em nome da suposta liberdade de expressão, Melo e seus seguidores reivindicam direitos democráticos para minar a possibilidade de participação dos demais grupos no debate. Se mantivermos a tradição, você poderá ver uma pequena prova dessa agressão constante e pouco afeita à discussão, mesclada a um desvio sistemático do tema do debate proposto pelo texto, aqui mesmo nos comentários das redes sociais do Ludopédio.

Insisto na ideia de falsa simetria uma vez que parece ser aceitável que um jogador faça apologia a um modelo político autoritário usando uma camisa de peso como a do alviverde paulista, mas por outro lado o posicionamento do deputado da extrema-direita considera que educadores devam ser impedidos de se manifestar criticamente em sala de aula.

Outro aspecto que indica essa farsa é o princípio de que os jogadores que flertam com o autoritarismo estão apenas exercendo sua vertente política e qualquer crítica nesse sentido é fruto de um partidarismo político-institucional. Há uma enorme diferença entre essas ações e as declarações de apoio de Neymar, Ronaldo Fenômeno e Bernardinho ao então candidato à Presidência, Aécio Neves. Durante a campanha eleitoral de 2014 o senador cassado ainda não havia colocado em dúvida os preceitos do Estado de Direito e nem o resultado eleitoral.

Paulo André, um dos líderes do Bom Senso F.C., abraçou propostas profundamente questionadoras à estrutura conservadora do futebol brasileiro e pagou caro por isso. Sócrates, exemplo mais famoso de jogador que se posicionou dentro e fora dos gramados e maior representante da já consagrada Democracia Corinthiana, lutou em nome da abertura política e do direito de eleger seus representantes políticos.

Nenhum deles foi tratado com complacência ao se posicionar politicamente e exercer o seu direito de participar das disputas de seu tempo. Por que com as ações de Felipe Melo (Palmeiras), Lucas (Tottenham) e Jadson (Corinthians) que, ao apoiar Bolsonaro, sugerem a eliminação dos espaços de debate e questionamento devem ser mais brandas?

Se a partida ocorre entre propostas pluralistas versus um autoritarismo enraizado em nossas práticas culturais, é hora de abandonar o hábito de infantilizar as manifestações políticas dos jogadores.

Não é o caso de transferir a questão para o STJD, que considera punir Felipe Melo pela declaração [4]. A judicialização da questão retiraria a possibilidade de que o debate público em defesa dos princípios democráticos se concretizasse.

Uma decisão que apontasse para a suspensão do jogador por ter se manifestado politicamente pode ser um tiro pela culatra que reprima e, em último caso, impossibilite a expressão política dos demais profissionais da bola. A declaração de Felipe Bevilacqua, procurador-geral do STJD, sugere essa possível ambiguidade: [5]

Não lembro de nenhum caso similar. Talvez fosse o caso de avaliar a denúncia e deixar que o tribunal veja se foi uma conduta correta ou não. Confesso que disciplinarmente deve ser cautelosamente avaliado. Imagina se vira moda.

O volante do Palmeiras não cometeu crime algum ao se manifestar politicamente, embora as declarações do seu candidato flertem constantemente com a ilegalidade. No entanto, se o jogador optou por participar do debate, deve ser contestado com a mesma ênfase que ele defende suas propostas antidemocráticas.

Só o confronto sistemático a essas ideias autoritárias no espaço público pode garantir alguma retomada do exercício de práticas democráticas e plurais. Assim como deve ser possível a manifestação, também é fundamental que haja espaço para a crítica contundente.

Tal ação pode ser observada nas recentes manifestações contrárias ao presidenciável publicadas na rede social oficial da Gaviões da Fiel: [6]

Hoje, com mais de 112 mil associados, entendemos existirem diferentes formas de pensar e posicionar-se numa sociedade democrática. Respeitamos essa pluralidade de ideias, pois ela é a essência da democracia pelo qual nossos fundadores lutaram. Não podemos, portanto, concordar jamais com quem se posiciona justamente contrário aos valores básicos do Estado Democrático de Direito. Afinal, […] os Gaviões nasceram pra poder reivindicar.

Logo em seguida a Torcida Jovem do Santos seguiu o mesmo caminho: [7]

[…] nos posicionamos contra uma plataforma política que defende a ditadura militar como saída para os problemas do país. Não reconhecemos como opção viável um discurso que reforça o estereótipo preconceituoso que marginaliza o povo pobre e, por consequência, o torcedor.
Essa plataforma política é nociva para a evolução da sociedade e vai contra os ideais defendidos pela Torcida Jovem do Santos, que foram construídos com muito suor. […] Nosso repúdio a essa pauta extremista não apaga o olhar crítico que temos em relação ao cenário político em geral, tomando como referência a nossa postura histórica de combate aos retrocessos sociais. A opressão jamais irá vencer a nossa luta por liberdade dentro e fora dos estádios!

TORCIDA JOVEM
Com o Santos onde e como Ele estiver…

Ambas se basearam em suas trajetórias históricas e nos percalços que se apresentam no presente como a elitização dos estádios e a criminalização de determinadas formas de torcer, e lançaram uma convocatória de um protesto [8] das torcidas contrárias a candidatura do deputado federal pelo PSL, que ocorrerá no próximo sábado, dia 29/09/18, no Largo da Batata, em São Paulo.

 

santos-contra-bolsonaro

 

Oras, ao reivindicar a liberdade de se expressar politicamente, esses jogadores optam por entrar no debate e devem ser contestados na mesma medida. A partida é árdua, mas o resultado ainda está em aberto.


 

[1] https://www.lance.com.br/futebol-nacional/jogadores-atletas-causam-polemica-declarar-voto-bolsonaro-veja-lista.html acessado em 23/09/2018.

[2] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-bolsonaro-vai-matar-viado-torcida-do-atletico-mg-faz-grito-homofobico-durante-partida/ acessado em 23/09/2018.

[3] https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br/2018/09/21/uma-chuteira-rosa-gerou-criticas-a-jogadores-que-ano-e-hoje-no-futebol/ acessado em 23/09/2018.

[4] https://blogdojuca.uol.com.br/2018/09/felipe-melo-e-o-pelo-em-ovo/ acessado em 23/09/2018.

[5] https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2018/09/tribunal-teme-precedente-e-pode-julgar-felipe-melo-por-apoio-a-bolsonaro.shtml acessado em 23/09/2018.

[6] https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2018/09/20/em-nota-gavioes-lembra-ditadura-e-reafirma-campanha-contra-bolsonaro.htm acessado em 23/09/2018.

[7] https://www.facebook.com/oficialtorcidajovem/photos/a.236976489755530/1781888198597677/?type=3&__xts__%5B0%5D=68.ARBht2Hxd-6MdaxNp7z93Sf5Hh21BLt_WvOwrF1ytMDyJy4oN2oN7mspW1zOwsEfsoouYUl98xReu-IEUdLNi7FN5vXkyoyuU-LGjDPAvx5GOB0oVzZdds2MOJnReor8OUL-ta5gj1E5nPo1rxJntSG6HcCNjCoq1gftyIfqqw1cD-rq4QIq7A&__tn__=EHH-R acessado em 23/09/2018.

[8] Movimento contra Bolsonaro chega a outros torcedores após manifestação de presidente da Gaviões acessado em 23/09/2018.

Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Max Filipe Nigro Rocha

É graduado e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realiza pesquisa de doutorado sobre futebol e política pela USP. Editor do site Ludopédio (www.ludopedio.com.br)e pesquisador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) que integra pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e Unifesp.

Como citar

ROCHA, Max Filipe Nigro. As torcidas que abraçam a democracia!. Ludopédio, São Paulo, v. 111, n. 24, 2018.
Leia também:
  • 178.27

    Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?

    Elias Cósta de Oliveira
  • 178.13

    História e contemporaneidade dos festivais na várzea paulistana

    Alberto Luiz dos Santos, Aira F. Bonfim, Enrico Spaggiari
  • 178.4

    A presença do aguante nos bondes de pista brasileiros

    Fábio Henrique França Rezende