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Astros são corpos celestes também no universo do futebol

O atleta

Na sociedade a pessoa de destaque é reconhecida como eminente, um verdadeiro astro. Na astronomia um astro é identificado como corpo celeste, exemplo dos planetas, cometas, estrelas e satélites. A interação entre os corpos celestes envolve a força gravitacional ou de atração, e pode manter um sistema em órbita, caso do nosso sistema solar. Se pensarmos nas interações presentes no futebol, talvez possamos perceber certa similitude dos nossos eminentes astros e outros corpos celestes.

Orbitando o jogador de futebol há elementos como: (1) a família; (2) a estrutura do clube com seu quadro profissional que inclui: dirigentes e técnicos que percebem o potencial atlético e de investimento, pois, a lógica capitalista permeia a relação desde sua aprovação em uma categoria de base; (3) empresários, caçadores de talentos que investem na possibilidade de gerenciar a carreira dos jovens atletas, transformando a atividade lúdica em trabalho remunerado com vínculos contratuais; (4) as grandes empresas patrocinadoras que desejam vincular sua marca aos “heróis” modernos, estimulando o consumo de seus produtos; (5) a mídia que promove e ganha com o debate, atingindo a massa de espectadores ávidos por informações e (6) os torcedores, os quais mobilizam o clubismo.

Não apenas estes seis elementos, corpos celestes, orbitam o jogador, poderíamos enumerar outros ou mesmo desdobrar os já citados. Nessa breve observação os seis são suficientes para observarmos a força gravitacional que exercem sobre o jogador de futebol. O que devemos perceber é a variedade de relações presentes no sujeito atleta e na prática esportiva por ele desenvolvida.

A medida que a estrutura capitalista e produtivista é incorporada ao futebol, a mudança de sentido de um amadorismo para o profissionalismo, o capital social amplia-se engendrando novas relações com empresários, patrocinadores, mídia e torcedores. Estes elementos acabam por conduzir o atleta, impactando sua tomada de decisão, a chamada pressão externa ao campo que é muito discutida, mas pouco analisada fora dos debates acalorados e especulativos.

Como os diversos corpos celestes orbitam o atleta, àquele que estiver mais próximo exercerá força gravitacional, isto quer dizer que sua influência será marcante em determinado período de sua vida. Por essa razão, as decisões sobre a carreira são discutidas com muita ponderação, considerando perguntas como: (a) mudar de país ou permanecer?; (b) buscar melhor salário ou manter a estabilidade?; (c) ficar próximo da família ou distanciar-se?; (d) estar visível para uma convocação à seleção ou optar pela invisibilidade?; (e) ser suplente em uma equipe de ponta ou titular em uma de menor expressão?

São muitas perguntas que não conseguimos entender, principalmente, quando um jogador faz uma escolha que subverte a lógica desenvolvimentista pela busca constante por fama e riqueza. Nessa situação temos jogadores que tomaram decisões que para alguns significou a desistência da carreira, pois, não estariam em clubes de grandes centros futebolísticos mundiais. Situação de atletas que investem no mercado chinês, norte-americano, Oriente Médio ou em ligas periféricas na Europa. Atletas que, supostamente, comprometem sua carreira que em algum momento esteve orientada para culminar com a seleção brasileira, consequentemente, com importantes competições.

Os atletas que buscaram maior estabilidade financeira e segurança familiar, mesmo após conquistar fama ao construir um império, ajudam a identificar a força gravitacional da família ou do próprio jogador no exercício de sua agência. No entanto, outros tantos atletas tomam decisões que convergem para o sonho de disputar uma Copa do Mundo ou de chegar aos principais clubes de futebol, ansiando pelas oportunidades que o universo possa proporcionar. Esses traçam órbitas que se aproximem da influência, força gravitacional, de atrativos empresários e patrocinadores.

A necessidade de estar em evidência em uma equipe reconhecida e de apresentar um bom desempenho, são possibilidades para ser lembrado em futuras convocações à seleção brasileira. Nos períodos que antecedem grandes competições, o jogador de futebol e o sistema a que pertence escolhem a liga e o clube que pode proporcionar maior projeção ou estabilidade. Nesse sistema futebolístico as interações são constantes, o corpo celeste que estiver mais próximo do atleta em determinado momento da vida irá exercer sua influência, sua força de atração.

Infelizmente, nem todos os astros estão próximos do sol, alguns ficam restritos a um cinturão de asteroides em áreas mais geladas e escuras do cosmos futebolísticos. Precisamos pensar quem são os astros, os jogadores eminentes, aqueles que orbitam próximos ao sol ou os que enfrentam o desconhecido. Também de tempos em tempos escutamos sobre atletas reconhecidos como meteoros, eles quando atraídos por corpos celestes podem criar uma órbita constante, mas na maioria das vezes passam e se perdem na imensidão do espaço.

Corpos celestes
Fonte: Reprodução

O torcedor

Por mais diversão que possa estar envolvida em um jogo de futebol, as muitas disputas econômicas e políticas atravessam corpos, uniformes, táticas e técnicas. O âmbito ideológico, comercial, territorial e cultural, impacta no embate entre países/regiões/cidades/bairros. Um espaço que deveria apenas permitir ao esporte ser louvado com ênfase em seu ideal de integração entre os povos, serve como bandeira para pautas segregacionistas.

Portanto, outro elemento que merece atenção é o torcedor, os interesses que antes estavam só no atleta se deslocam para o espectador que não pode ser de maneira generalizada reconhecido como passivo, agora, ele é agente envolvido na defesa de cores e símbolos clubísticos.

Os protestos, agressões, vigilância a jogadores fora do clube em momentos de lazer, invasões a centro de treinamento e estádios, são uma expressão explícita da não passividade. Sua força gravitacional pode ser estimulada por jornalistas, dirigentes e até empresários que desejam produzir um fato novo, dar um “choque de realidade” nos atletas.

O torcedor exerce sua força gravitacional incentivando e cobrando desempenho da equipe. Sua força anímica embeleza os estádios e arenas, produz uma sonoridade própria ao embate futebolístico e sua influência dá vida ao espetáculo.

Os agentes envolvidos no campo esportivo, os vários corpos celestes se preparam para o retorno completo das atividades com a presença dos torcedores aos eventos, permitindo a exaltação da sua exuberância. Atualmente, no Brasil estamos liberando o público, momento em que a indústria do entretenimento com suas grandes marcas e os veículos de comunicação ganham força de atração e influência.

O cenário das partidas parece voltar a sua plenitude com cada um dos elementos ocupando seu lugar no espaço. Os jogadores e os torcedores são os astros de uma relação entre quem vive do jogo e quem consome o jogo. Grandes corpos celestes em um sistema que sofre com inúmeras influências para tomada de decisões racionais e que ao contrário do que se imagina não são passionais. A emoção é apenas um subterfúgio para ignorar a força gravitacional dos componentes de um sistema, sua força de atração, com grande influência sobre os seus principais astros, o atleta e o torcedor de futebol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Daniel Machado da Conceição

Doutor em Educação, Mestre em Educação e Cientista Social pela UFSC. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (NEPESC/UFSC), Grupo Esporte & Sociedade.

Como citar

CONCEIçãO, Daniel Machado da. Astros são corpos celestes também no universo do futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 148, n. 12, 2021.
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