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Balanço das Eliminatórias sul-americanas de 2022

Fabio Perina 31 de março de 2022

Como primeiro consideração introdutória sobre esse ciclo de eliminatórias iniciado no final de 2020 visando a Copa do Mundo no Catar no final de 2022 cabe uma menção aos elementos fora de campo. Do total de 18 rodadas cerca de 1/3 foram sem torcida por conta da pandemia e o retorno da torcida no 2/3 restante teve como transição a Copa América em meados de 2021 no Brasil. O que torna o clima de Eliminatórias fora de campo mais próximo de uma Libertadores do que uma Copa América pela separação contundente de torcedores rivais em setores específicos ao invés da lógica de megaeventos de setores mistos.

Também breve menção que a estrutura geral de seleções passa por adaptações, pois depois do Catar 2022 haverá expansão dos mundialistas de 32 a 48 participantes para a edição seguinte de 2026 na América do Norte. Além da possibilidade de uma breve redução do intervalo entre cada edição de 4 para 2 anos. Um cenário global que se caracteriza pela habilidade de bastidores das seleções europeias que reservaram para si um circuito fechado de amistosos sem enfrentar seleções de outros continentes.

Um tema que repercute no atual excelente desempenho e resultado de Brasil e Argentina com os treinadores Tite e Scaloni atravessarem invictos os rivais sul-americanos, porém sem conseguirem brechas no calendário para testes mais avançados com seleções européias. Inclusive periodicamente surgem rumores que a dupla sul-americana poderia ser convidada a uma expansão do torneio não-oficial “Nations League” entre europeus.

Na tabela final, definida no final de março, também obtiveram classificação direta Equador e Uruguai. O Peru jogará uma repescagem em junho contra Austrália ou Emirados Árabes. E completam a tabela eliminados: Colômbia, Chile, Paraguai, Bolivia e Venezuela. A artilharia ficou com o brasileiro naturalizado boliviano Marcelo Moreno Martins. Sempre certeiro dentro de campo quanto nas declarações polêmicas fora dele. (Obs: também destaque a alguns atacantes “estrangeiros” com menos gols mas muita qualidade e carisma com suas torcidas: o italiano naturalizado peruano Gianluca Lapadula e o inglês naturalizado chileno Ben Brereton). Um fato “fora do eixo” (pois se esperava a artilharia com Neymar ou Messi) que convida a olhar a seguir as equipes da tabela completa e seu desenrolar. Notando fatos curiosos desvalorizados pela imprensa brasileira que em seu profundo vira-latismo ao ver a longa tabela como uma obrigação que apenas prejudica os principais clubes brasileiros pelos desfalques convocados. Uma narrativa tão controversa, pois desconsidera que o objetivo de uma Eliminatórias é classificar para a Copa do Mundo e não ser primeiro. Com isso, despreza os futebóis de nosso continente, pois se Brasil e Argentina “sobraram” do começo ao fim, as outras duas vagas diretas e uma de repescagem estiveram muito equilibradas: tirando a lanterna Venezuela “en el fondo”, até mesmo Bolivia e Paraguai chegaram próximos da reta final com chances.

Uma breve menção ao Equador que com o treinador argentino Alfaro formou uma equipe de muito vigor físico com jovens talentos e confirma sua evolução com vagas mundialistas regulares: 2002, 2006 e 2014.

Uma breve menção ao Uruguai que, por contraste, foi a seleção com mais veteranos dentro de campo tendo como o último caldo tirado da geração mais vitoriosa de 2010-11: Muslera, Godín, Suarez, Cavani e outros. E fora de campo a campanha irregular do veterano treinador Tabarez foi corrigida na reta final pela troca pelo novato Diego Alonso com a arrancada à classificação (inclusive com uma rodada de antecipação, algo ausente nos casos anteriores de 2010, 2014 e 2018).

Para tratar do quinto colocado Peru é preciso uma sempre oportuna menção a política e futebol com suas coincidências e tensões populares que se retroalimentam ao se concentrarem em dois dias seguidos. No dia 28, o recém eleito presidente Pedro Castillo resistiu a mais um processo parlamentar de “vacancia” (impeachment) e seguirá com um turbulento mandato. E no dia 29, a seleção peruana venceu por 2 a 0 sem dificuldades o Paraguai no Estádio Nacional de Lima e garantiu vaga na repescagem. Além disso, a recente saída de Tabarez no Uruguai torna o argentino Gareca o treinador atualmente mais longevo do continente, vide em 4 edições Copa América chegou a todas as semifinais. E o principal, a vaga na Copa do Mundo de 2018, após superar a Nova Zelândia também na repescagem, após quase quatro décadas de ausências.

Já as eliminações de Colômbia e Chile coincidem pelo fracasso pessoal do treinador Reinaldo Rueda com passagens pelas duas equipes. E com duas gerações talentosas e experientes (principalmente a “generación dorada” chilena campeã continental de 2015/16), porém que não souberam evoluir a uma equipe competitiva.

Como último ponto, não poderia faltar polêmica como a “frutilla del postre” (“cereja do bolo”)! A reta final nos últimos dias esteve com os bastidores “picantes” expectativa que Peru, Colômbia e Chile novamente se cruzariam na disputa pelas vagas derradeiras tal qual na edição anterior. No final de 2017, o Chile muito reclamou (inclusive diante do TAS na FIFA) do que ficou cunhado de “Pacto de Lima” por conta do “toqueteo” (toques improdutivos) entre peruanos e colombianos que convinha a classificar ambos. Ora, conforme uma gíria bem futeboleira: “en el futbol no hay recibos ni facturas”. Ou seja, na falta de registros documentais, não há provas com maior materialidade do que o que ocorre dentro de campo para alimentar conspirações muito sugestivas como aquela!

Dessa forma, voltando agora ao início de 2022, entre a penúltima e a última rodada houve o escândalo do VAR e do árbitro brasileiro Daronco em um Uruguai x Peru ao não validar um gol peruano em lance plenamente objetivo da bola ter cruzado a linha potencializou as tensões. Inclusive fomentando uma nova conspiração que dessa vez o Chile teria a sua vingança ao supostamente se beneficiar com um “Pacto de Santiago” no qual o já classificado Uruguai facilitaria. O que carece de lógica, pois desconsidera a rivalidade histórica e recente entre chilenos e uruguaios que já fizeram verdadeiras batalhas dentro de campo. O desfecho dessa vez foi menos polêmico e resolvido sem suspeitas: o Peru venceu o Paraguai e novamente se classificou, a Colômbia venceu a Venezuela mas dessa vez não se classificou e o Chile perdeu para o Uruguai e novamente não se classificou (e novamente goleado pelo Brasil na reta final). Em suma, Eliminatórias com bem mais polêmica fora de campo do que dentro de campo em relação à anterior: tabela “picotada”, VAR no Uruguai x Peru e sobretudo a insólita suspensão do Brasil x Argentina pela ANVISA.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Balanço das Eliminatórias sul-americanas de 2022. Ludopédio, São Paulo, v. 153, n. 36, 2022.
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