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Colorado, Carbonero, destaque da Copinha: Jair, o Príncipe Jajá

Em janeiro de cada ano os amantes do futebol no Brasil têm à disposição a Copa São Paulo de Futebol Junior, competição que reúne um número muito grande de clubes brasileiros para, em menos de três semanas, disputar um torneio cujo formato se aproxima daquele que tem vigorado nas Copas do Mundo. Junto aos clubes tradicionais, tomam parte equipes alugadas por empresários, vitrines feitas para mostrar atletas que estão por se profissionalizar (ou já estão nesta categoria), de olho em contratos possíveis para atuar nos campeonatos estaduais que vêm iniciando.

Apesar da presença de torcidas, da lotação na partida decisiva (disputada no dia do aniversário da cidade de São Paulo, 25 de janeiro), do televisionamento e da presença de atletas que pintam como futuros craques, como Estevão, do Palmeiras, o torneio é visto como algo menor no interesse dos clubes. Na edição que recém terminou, por exemplo, o Flamengo requisitou a presença de vários de seus jogadores para a disputa de duas partidas do Carioca, já que o time principal permanecia em pré-temporada. A manobra já fora realizada em pelo menos outra ocasião.

Não é incomum que atletas ainda com idade para a disputa da Copinha já componham o elenco profissional e “desçam” para a disputa. Os que vêm se somar às equipes sub-20 são, geralmente, jogadores ainda sem grande destaque no time de cima, como é o caso do lateral-direito Leo Maná, nesta edição, ou do zagueiro Marquinhos, hoje titular da seleção brasileira, em 2012, ambos do Corinthians. Bem, nem mesmo os campeonatos mundiais de categorias de base são valorizados por aqui, ao contrário do que acontece na Argentina e no Uruguai, só para citar dois países futebolísticos, tanto quanto ou mais que o Brasil.

Por outro lado, a vitória na competição anima os torcedores, inclusive no impulso de fazer chacota de adversários que não a venceram, como era o caso do Palmeiras, contra o qual bradavam os adversários, lembrando que os palestrinos não tinham Copinha tampouco Mundial. Metade da zombaria já não pode ser proferida. As partidas finais, além disso, costumam ser muito disputadas e as comemorações intensas entre os vencedores. Afinal, o título da Copinha tem ou não tem valor? Como não é incomum no Brasil, a resposta é ambígua.  

Já houve um tempo, no entanto, que com menos competições para disputar e sem tantos mecanismos de controle em relação às cargas e períodos de treinamento, as coisas eram diferentes. Jogava-se a Copa São Paulo, os destaques “subiam” para o time principal e a vida do futebol seguia. O mundo era menos complexo, talvez, porque havia o passe para os profissionais e os contratos de gaveta para os supostamente amadores. Em uma estrutura que poderia, ironicamente ser chamada de pré-capitalista, era mais do que o potencial da força de trabalho o que os atletas vendiam aos clubes e patrocinadores – era a própria possibilidade de seguir na profissão.

Jajá Internacional
Principe Jajá. Foto: Sport Club Internacional/Reprodução.

Há exatos 50 anos, pertencendo ao ambiente de precariedade profissional acima mencionado, emergiu um dos mais talentosos jogadores que eu pude ver atuar. No time titular do Internacional, campeão da Copa São Paulo de 1974, destacava-se o meia-atacante Jair, que logo apóso título seria chamado por Rubens Minelli para integrar o grupo de profissionais do Colorado. No timaço que tinha Falcão, Figueiroa, Valdomiro, Flávio Minuano, Manga e Carpegiani, o jovem de toque refinado, passes apurados e finalizações precisas foi sendo escalado aos poucos, figurando como importante coadjuvante nos títulos brasileiros de 1975 e 1976 e sendo, junto com Falcão, a estrela do de 1979, o invicto.

Foi em contendas contra o grande adversário, o Grêmio, as ocasiões para o brilho maior de Jair. Na final do Gaúcho de 1976, por exemplo, foi dele o cruzamento para o gol da vitória, marcado por Dario. Ao final do jogo, o tricampeão mundial em 1970, centroavante rompedor e artilheiro, ungiu o garoto: se Dadá Maravilha era o rei, então Jair seria o príncipe. No Brasileiro de 1979, o Grenal foi disputado em sete de outubro, e a igualdade no placar durou até os 43 minutos do segundo tempo, quando o único gol foi marcado pelo meia-atacante, cobrando falta e vencendo o goleiro Manga, que fora seu companheiro no Internacional e, antes disso, o vira crescer, por ser amigo de seu pai, o ex-jogador Laerte III.

Foi também cobrando falta que o Príncipe Jajá fez outra proeza, a de calar o Maracanã em uma semifinal da Copa Libertadores da América, atuando pelo Peñarol. A partida foi contra o campeão Flamengo, em 16 de novembro de 1982, e Jair costuma dizer que naquele momento conheceu “o tal silêncio”, o mesmo que os uruguaios haviam provocado em 1950. Por ironia do destino, dirigindo o Rubro-negro estava Paulo César Carpegiani, com quem o agora carbonero atuara em seus primeiros tempos de profissional no Inter. Mais um ex-companheiro vitimado por Jair.

Príncipe Jajá
A Coreia ovaciona o Príncipe do povo colorado. Foto: Divulgação.

Se o Príncipe vinha de trás, com ampla visão de jogo, para dar o passe final, tabelar ou finalizar, perto da área a coisa era facilitada porque o ataque do Peñarol contava com o ponta Vanancio Ramos e, principalmente, com o centroavante Fernando Morena, artilheiro daquela Libertadores de 1982. Depois da partida contra o Fla, a trajetória seguiu vitoriosa, com o triunfo frente ao Cobreloa, do Chile, por um a zero, em Montevidéu, depois do empate sem gols em Santiago. A saga, no entanto, não terminara. Poucos dias depois, na decisão da Copa Intercontinental, o time venceria o Nottingham Forest em Tóquio, com Jair fazendo o primeiro dos dois gols do título e garantindo, ainda, a condição de melhor jogador da partida.

Do garoto que foi campeão da Copa São Paulo há 50 anos, passando pelos títulos estaduais e nacionais, para chegar ao estrelado internacional, ficam as lembranças dos torcedores colorados e carboneros. Talvez pudesse ser ele também uma boa recordação nacional, tivesse tido mais chances na seleção brasileira, em que só esteve uma vez, em 23 de outubro de 1979, no primeiro jogo da semifinal da Copa América, em derrota como visitante frente ao Paraguai. Jair faz parte de uma curiosa estirpe, a de grandes jogadores que pouco atuaram no escrete. Não está em má companhia: Zenon, Mário Sérgio, Aílton Lira, entre tantos outros, tampouco frequentaram muito o selecionado. Final das contas, importa mesmo? Acho que não.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Colorado, Carbonero, destaque da Copinha: Jair, o Príncipe Jajá. Ludopédio, São Paulo, v. 175, n. 27, 2024.
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