Ela não é nenhuma especialista em futebol, nem entende muito sobre as táticas e seus números que tanto encantam os fanáticos por debates, discussões e programas parecidos com um circo dos mais baratos.
Mas a manhã pós-rodada traz uma certeza naquela casa pequena e outrora menor ainda: ela perguntará sobre os resultados dos principais jogos da noite. Às vezes, chegará a ficar impressionada com viradas, zebras e outras histórias comuns ao esporte.
Quando seu São Paulo – muito mais dela do que do filho que o Marçal como sobrenome e já quase nome – começa a perder ou passar algum vexame, ela inventa algo para fazer na cozinha para deleite do marido careca e sorridente, com piadas típicas da rivalidade entre tricolores e alvinegros da Vila Belmiro.
Não foram poucas as vezes em que ela ficou sem entender nada quando alguém comentou os últimos acontecimentos das novelas ou reality shows, por ela sempre ignoradas, e esse alguém ficou igualmente sem entender nada quando ela explicou que na falta de ter o que assistir na televisão sempre opta pelo jogo.
Assim mesmo: o jogo. Não importa a competição, será sempre o jogo.
Em alguns casos, ela me chamou para perguntar quais eram os times que estavam em campo, já que não entendera a abreviação usada pelas emissoras no placar no canto da tela. Em outros, bateu na porta do quarto para me perguntar se já sabia de alguma novidade futebolística, como a do dia em que um avião caiu com um time inteiro que se trajava de verde e monopolizou minha semana e a de tantos outros milhões de telas.
Houve ainda aqueles dias em que ela deixou a sala e o sofá por não gostar do sotaque do comentarista gringo que ela não entende bem, dos comentários do comentarista que ela não entende bem os motivos de ter tanto espaço na mídia, da firula do craque hoje no Barcelona que ela nunca gostou por sempre marcar contra o São Paulo mais dela que meu, ou até mesmo do resultado que a desagradasse.
Foi difícil convencê-la a usufruir de uma cortesia ganha de um amigo de longa data. A família ensaiou um discurso como se fôssemos nos apresentar à Broadway, mas nessa peça as palmas soaram quando ela anunciou que iria ao estádio do time de coração de seu marido sem cabelos e com muita alma. Ainda não fomos capaz de encenar um motivo para ela ir ao Morumbi, mas vamos trabalhar nisso.
Nas últimas semanas, ela aprendeu a jogar Paciência no celular enquanto o pai de seus filhos mantém a televisão nas principais partidas da rodada do futebol nacional e “lá de fora”, como ela diz. E foi há poucos meses que ela decorou os canais dos programas esportivos, mas ela prefere até mesmo as reprises, na íntegra, de um jogo qualquer do que “essas mesas redondas em que esse monte de cara fala tanta coisa de futebol até eu ficar tonta e não entender mais nada”.
Para mim, seu aniversário é mais importante do que o dia de Santo Antônio, mãe, ainda que você não dê lá muita importância para nenhuma das datas, mesmo que a sua merecesse as maiores comemorações do mundo.
Houvesse algum prêmio de melhor mãe comentarista, não sei se a minha ganharia. Fosse de comentarista mais engraçada na minha casa, ela já seria hors concours há uns bons anos, tão celebrados como seu dia deve ser.
Haja paciência: na tela do computador ou do celular. Amanhã quando eu ligar a cafeteira te conto o resultado do jogo e quem fez os gols.
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