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Copa do Mundo Feminina e os direitos de transmissão: o problema europeu e a solução brasileira

Amanda Trovó 7 de agosto de 2023

Entre julho e agosto, jogadoras como Sam Kerr, Alexia Putellas, Lucy Bronze, Debinha e Marta, em sua última dança pela seleção brasileira, vão entrar nos campos de Austrália e Nova Zelândia para a disputa da Copa do Mundo de Futebol Feminina.

E como qualquer outra competição realizada pela FIFA, os direitos de transmissão serão vendidos por altos valores – inclusive, podendo prejudicar o andamento da expansão da categoria em alguns países.

No Brasil, como já é padrão – a Rede Globo transmitirá via seu canal principal, além de realizar transmissão do evento por meio da SporTV e a partir da Copa do Mundo no Catar, a emissora ganhou um concorrente de renome na Internet – afinal, Casimiro também transmitirá os jogos.

Essa Copa também inaugura uma nova modalidade de transmissão pelo principal grupo televisivo brasileiro: as transmissões dos eventos da FIFA pelo Grupo Globo serão fatiadas, ao invés de ter o direito de todos os jogos, a emissora e suas “filiais” esportivas garantiram a transmissão de metade dos jogos. Portanto, são 34 jogos garantidos nos canais SporTV e 7 na grade Globo.

O grupo Globo também divulgou os patrocinadores do evento – são 19 no total, dividindo o espaço de Globo e SporTV, representando o crescimento das transmissões na TV. Enquanto o Casimiro, com a LiveMode, que comanda os direitos relacionados à CazéTV, comprou o pacote completo de transmissão (ainda não tem dados de patrocinadores divulgados até o presente momento).

Apesar das transmissões estarem encaminhadas para os brasileiros, a FIFA ainda não conseguiu consolidar o evento como deseja por um motivo: a Europa.

Hoje, a Europa pode ser considerada o centro do futebol. Ao longo da história, sabemos que as cinco ligas mais famosas entre os homens atraem os principais jogadores e também os melhores acordos de transmissão.  Mas esta máxima não pode ser apenas considerada para o futebol masculino, afinal, hoje em dia, as ligas europeias têm sido o principal centro da modalidade feminina e com isso, as transmissões dos campeonatos para outros países têm gerado negociações maiores.

E pode tornar-se um problema para a expansão do esporte, afinal, ao contrário de 2019, onde mais de 200 países transmitiram o evento (segundo as estimativas da própria FIFA), em 2023, os números eram de 156 países em maio fecharam os direitos de transmissão para a Copa do Mundo. (n° de maio/2023), atualizando para os dias atuais: são 189 países no mês de julho. (julho/2023)

Países como Alemanha, Itália, Espanha e França não efetuaram a compra de pacote de direitos de transmissão até maio e correram riscos de não transmitir os eventos – mesmo sendo possivelmente candidatas ao título internacional, como Espanha e Alemanha e quando efetuaram, efetuaram por meio da União Europeia.

Mas talvez isso pode soar como uma cartada da própria entidade – que cada vez mais tem buscado a valorização de seus ativos por meio de valores ilusórios para que possa expandir o serviço de streaming que criou – o FIFA+, que tem grandes possibilidades de transmitir o evento completo igual aconteceu em competições anteriores FIFA.

Segundo o relatório anual de finanças da FIFA, em 2015, foram mais de 540 milhões de dólares arrecadados com transmissões, enquanto em 2019, o relatório apontava para mais de 740 milhões de dólares (esses valores são de todas as transmissões de campeonatos da entidade realizados no período.

Em 2023, as estimativas iniciais para a Copa são de 300 milhões de dólares só com a Copa do Mundo de Futebol Feminino – a FIFA também alterou os formatos para venda de direitos, em um período anterior, as competições eram compradas em pacotes. Agora, as competições podem ser asseguradas individualmente, conforme o mercado e também os valores. O marketing também começava a partir deste mesmo movimento de vender os espaços em diversos campeonatos, sendo a Copa de 2023 a mudança no protocolo: agora as empresas podem participar dos eventos que desejarem, comprando os direitos naquele determinado evento – o caso da Copa são a VISA e a Xero (empresa de tecnologia neo-zelandesa).

Em 2015, foram mais de 700 milhões de expectadores na Copa do Canadá, enquanto em 2019, mais de 1 bilhão de pessoas assistiram a Copa na França, um aumento de 30% – sendo que a final é o evento do esporte feminino mais assistido da história segundo a entidade, 263 milhões de pessoas assistiram aquele jogo entre Estados Unidos e Holanda. Brasil e França são a segunda maior audiência por vários minutos, segundo dados da própria FIFA, a eliminação do Brasil foi assistida por mais de 60 milhões de pessoas.

É claro para todos que Gianni Infantino e a UEFA abriram fogo um contra o outro e o motivo também é óbvio – os valores investidos pelas emissoras de países da UEFA para comprar os direitos de transmissão da competição.

Gianni afirmou que “os valores oferecidos por esses países são inaceitáveis” e que os investimentos em compras nos direitos da categoria chegaram a ser 20 a 100 vezes menores do que os investidos na compra da Copa do Mundo Masculina.

Após muitos embates, a FIFA conseguiu viabilizar um acordo coletivo: a solução foi vender os direitos para a EBU (European Broadcasting Union) para que a União transmita ao menos uma hora de conteúdos relacionados ao evento em 34 países. O acordo estava desenhado anteriormente, mas com essa nova configuração, países chaves para o mercado da FIFA no esporte como um todo produzirão conteúdo sobre a Copa, inclusive a viabilidade deste acordo permitiu que a TV pública espanhola possa transmitir 25 jogos da Copa para o país espanhol.

Com a colisão entre o Big-5 europeu e a FIFA, mercados como o norte-americano e o brasileiro tornam-se especialmente importantes para a difusão do evento. Afinal, canais como a SporTV e a ESPN estão transmitindo cada vez mais os campeonatos femininos, sejam nacionais ou internacionais e dedicado seu espaço para comentar sobre os bastidores – como a ESPN fez ao criar o Mina de Passe, onde modificou o formato conhecido de mesa redonda para falar sobre o futebol feminino.

E pensando nisso, a criação de movimentos internos das emissoras para transmitir jogos da modalidade e até dos streamings, têm ajudado a difundir o esporte no país.

A final da Champions League Feminina entre Barcelona e Wolfsburg atingiu quase 600 mil visualizações no Youtube, enquanto a ESPN transmite jogos da FAWSL e da Serie A Feminina em seus canais.

Ao contrário de anos atrás, o Brasileirão Feminino foi motivos de disputa entre as emissoras, afinal, SporTV e ESPN batalharam para tirar a competição da Band e o resultado é que o SporTV transmite um jogo da rodada para quem tem os canais, o Paulista da categoria divide-se entre SporTV e TNT Sports e a Globo deve transmitir a fase final do campeonato nacional feminino em sua categoria.

E a expansão do futebol feminino vem em hora importante para as pretensões brasileiras no esporte – segundo a própria FIFA, o Brasil é um dos quatro candidatos a sediar o torneio em 2027 – junto com Estados Unidos e México em uma candidatura conjunta, África do Sul e a candidatura conjunta de Holanda, Bélgica e Alemanha.

Porém, dados os novos desdobramentos da piora da relação entre a entidade e os países europeus – a Alemanha comprou os direitos da Copa que acontecerá em 2023 por meio da EBU e entrou em rota de conflito com a FIFA por isso – e os Estados Unidos sediando a competição no masculino em 2026 junto com o México – os indicadores são positivos para o Brasil.

O Brasil tinha também manifestado o interesse em sediar a competição em 2023, mas dadas as articulações, pediu formalmente para a FIFA que sua candidatura fosse retirada.

A rainha do futebol é brasileira e deve ir pra sua última tentativa em torneio da FIFA para conquistar um dos títulos que lhe faltam na carreira – que é a Copa. Os campeonatos tem ganhado mais destaque nas emissoras e apesar dos atrasos da CBF em expandir o futebol nacional, o Futebol Feminino Brasileiro é resiliente e quer atingir seu principal objetivo: conquistar a coroa que lhe pertence.

Marta
Foto: Danilo Borges/Brasil2016.

Referências bibliográficas

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Amanda Trovó

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, como bacharel. Desde 2020, participa do grupo de estudos Mundo Dentro e Fora das 4 linhas. Com interesse na área de ciência política, nas questões econômicas relacionadas ao esporte e ao soft power esportivo no sistema internacional.

Como citar

TROVó, Amanda. Copa do Mundo Feminina e os direitos de transmissão: o problema europeu e a solução brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 7, 2023.
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