173.5

Crítica: 45 do segundo tempo (Luiz Villaça, 2022)

45 do Segundo Tempo

– A estrada foi ficando repetitiva (Pedro Baresi)
– O que você está esperando? (Ivan)
– Acabar o campeonato (Pedro Baresi)

 

45 do segundo tempo é uma comédia. Uma exposição relativamente bem humorada sobre a extensão, significado e o fim da estrada da vida. Não é um filme denso (longe disso), antes aborda com certa ligeireza o inexorável fim do jogo: o game over, na expressão em inglês. E, como já se disse muitas vezes, é na lida com a finitude (senão antes), que se dimensiona a trajetória. É com a proximidade inevitável do apito final que se pergunta se a partida valeu a pena. E, desculpem o excesso de jogos de palavras futebolísticas, mas é o objeto da discussão que me força. Afinal, a película envolve o futebol ora como metáfora, ora como bálsamo (uma mistura dos dois, na verdade: inclusive nos seus trechos finais, de forma explícita). Este é o papel do esporte bretão na fita: a paixão de Pedro Baresi (Tony Ramos) pelo Palmeiras é a única coisa que o faz postergar sua fatal decisão de interromper o jogo antes do tempo regulamentar (acho que não vou conseguir parar com isso…).

Vamos, no entanto, situar o leitor no enredo: Pedro Baresi, dono de uma cantina, homem de mais de 60 anos, sozinho, se vê em drástica situação financeira. Seu negócio está falido e, para piorar, o restaurante é fechado pela Defesa sanitária. Sua única companheira, a cadela Calabresa, já velhinha também, acaba morrendo no início da trama. Cansado, Pedro decide terminar sua existência. Mas, não antes do fim do campeonato, afinal faltavam apenas três jogos e o Verdão tinha chances.

Nesse meio tempo, um re-encontro inusitado faz toda a diferença. Descobertos por uma foto tirada 40 anos antes, na inauguração do Metrô de São Paulo, Pedro, Ivan (Cassiano Gabus Mendes) e Mariano (Ary Franco), colegas de colégio na época, são convidados a fazer um novo registro, no mesmo local. Os amigos não haviam se visto, desde então. Esta é a deixa para a retomada, inicialmente reticente, do contato. Daí pra frente o drama de Pedro se torna evidente (além dos dilemas dos demais colegas, também em crise, mas sem planos de entregar o jogo). Todo o desenrolo passa a circular com base nessa retomada (e nas referências e balanços que os personagens passam a fazer do que se passou nessas últimas décadas). Ivan enriqueceu como advogado, mas está separando-se da esposa e em desalinho com o filho. Mariano, que virou padre, confessa que é virgem e está alucinado por uma de suas paroquianas. E, enquanto essas sub-tramas vão sendo desfiadas, os jogos vão acontecendo e o tempo/prazo de Pedro se esvaindo.

Bom, não vou dar spoiler desnecessário. E seria descabido mesmo, porque o leitmotiv narrativo está no processo de restabelecimento de relações significativas, de re-valorização da amizade (como exercício necessário e benfazejo), de reflexão sobre o que é realmente importante e sobre a aposta na vida. Independentemente de algum sentido (maior ou menor), apesar das agruras (que precisam ser dribladas) e da vitória ou derrota na temporada (juro que terminei aqui).

Como disse, não se trata de uma obra que esbanje profundidade, sensibilidade e criatividade na composição estética. Logo de cara, a primeira imagem cinematográfica correlata foi a de Humberto D (Vittorio De Sica, 1952): os pequenos cães, de ambos os filmes (e seus papeis diegéticos), impõem-se quase imediatamente. Com a formação do grupo de senhores saudosos, nostálgicos e ávidos por alguma (re)afirmação vital, não houve como não delinear a associação a outros exemplares fílmicos que abordaram o tema, como Última viagem a Vegas (Last Vegas, Jon Turteltaub, 2013), Antes de partir (The bucket list, Bob Reiner, 2007) e, de forma mais seminal, a Meus caros amigos (Amici miei, de Mário Monicelli, 1975).

Enfim, o filme de Luiz Villaça consiste em boa e leve diversão e ainda é capaz de nos lembrar que boas amizades não têm preço e que prorrogação é algo com o qual não podemos contar. O jogo é aqui e agora.

Algumas outras apreciações:

‘45 do segundo tempo’: singela comédia de personagens neuróticos.Postado por Gabriel Bravo de Lima | set 4, 2022. Disponível em:  https://www.cineset.com.br/critica-45-do-segundo-tempo-tony-ramos/. Consultado em 14/10/23.

’45 do Segundo Tempo’, com Tony Ramos, fala de crises para o gosto médio. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/08/45-do-segundo-tempo-com-tony-ramos-fala-de-crises-para-o-gosto-medio.shtml. Consultado em 14/10/23. 

45 do Segundo Tempo, por Eduardo Kaneco (16 agosto, 2022). Disponível em: https://leiturafilmica.com.br/45-do-segundo-tempo/. Consultado em 14/10/23. 

 

Artigo publicado originalmente em História(s) do Sport.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luiz Carlos Sant'ana

Professor, pesquisador do SPORT – Laboratório de História do Esporte – UFRJ/IFCS/PPGHC. Doutor em história comparada (UFRJ), com a tese O Futebol nas telas: um estudo sobre as relações entre filmes que tematizaram o futebol, duas ditaduras e promessas de modernidade, no Brasil e na Espanha – 1964/1975 (contato: [email protected]).

Como citar

SANT’ANA, Luiz Carlos. Crítica: 45 do segundo tempo (Luiz Villaça, 2022). Ludopédio, São Paulo, v. 173, n. 5, 2023.
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