“Espero que vocês tenham tido uma noite agradável, apesar do tempo inclemente. Ao sair, tomem cuidado, pois devido à chuva, alguns pisos podem estar escorregadios.” Com entonação aristocrática, foi assim que o locutor do estádio despediu-se dos torcedores em uma chuvosa noite londrina. O time da casa é o Fulham, fundado nove anos antes do Brasil abolir a escravidão.
Localizado em uma área nobre, no sul de Londres, seu estádio é puro charme. Ao desembarcar na estação de metrô uma simpática plaquinha já avisa “FULHAM FC”. Mas o torcedor ainda terá de cruzar um belo parque ajardinado à beira do rio Tâmisa para chegar a Craven Cottage, nome do sítio comprado para a construção do estádio. Tendo adquirido o meu bilhete pela Internet, vou até um guichê onde os ingressos são guardados em ordem alfabética. Eu também poderia ter pedido que fossem entregues pelo correio.
O sul de Londres é a região mais chique da cidade e os torcedores do Fulham sabem disso. Uma das canções dos torcedores diz simplesmente assim: “O sul de Londres é maravilhoso, é maravilhoso, o sul de Londres é maravilhoso”. Outra: “We are so rich, it’s unbelievable” (Nós somos tão ricos, é inacreditável), cantada repetidas vezes. E os torcedores do Fulham realmente ganham em média mais do que qualquer outra torcida na Inglaterra. É claro que isso não contribui para a sua popularidade junto aos torcedores adversários. Eles veem os torcedores do Fulham como um bando de playboys arrogantes.
Além disso, acusam o Fulham de não merecer estar na Premiership por conta de uma torcida que não comparece e não apoia o time, enfim, uma anti-torcida. Que o Fulham e sua torcida são diferentes, não há dúvida. Enquanto o sistema de som de outros estádios costuma tocar rocks a todo volume, antes do pontapé inicial das partidas ouve-se música clássica no estádio de Craven Cottage. Desconhecem-se episódios de hooliganismo envolvendo torcedores do Fulham. Até quando o locutor oficial anuncia o resultado parcial do jogo do Chelsea, que àquela altura perdia de 1 a 0 para um time pequeno, ele o fez precedido de um comentário educadíssimo: “acho que vocês vão gostar de ouvir esse…”.
Sentado em meio dos torcedores do Fulham durante os 90 minutos, não ouvi um só palavrão, nem contra o juiz (discretamente vaiado algumas vezes), nem contra os torcedores adversários. Ao invés disso, a torcida cantava uma paródia de “When the saints go marching in”, fazendo menção à camisa branca (com calções pretos): “Oh, when the whites, oh when the whites go marching in…”.
Historicamente, o Fulham não é um time vencedor. A melhor colocação na primeira divisão foi o nono lugar conseguido em 2003-2004 e na maioria das temporadas o aristocrático clube disputou a segunda divisão. Ironicamente, o season ticket (cartão da temporada, que dá direito a todos os jogos) do Fulham é um dos mais baratos da Premier League, custando a módica quantia de 299 libras (986 reais). Craven Cottage por diversas vezes esteve para ser demolido e vendido para a indústria imobiliária. Foi salvo somente pela compra do clube pelo milionário egípcio Mohammed Al-Fayed. Ele é famoso não somente por ser dono da rica e tradicional cadeia de lojas Harrod’s, mas também pelo fato de que seu filho morreu em um trágico acidente de automóvel juntamente com a sua namorada, a Princesa Diana.
Por falar em nobreza, tradição não falta ao Fulham FC. Na verdade, o Fulham é o clube de futebol mais antigo de Londres. Seus seguidores torcem o nariz para o vizinho Chelsea, fundado apenas em 1905, somente porque o Fulham não quis mudar-se para Stamford Bridge e o construtor criou um outro time. O Fulham foi criado inicialmente como um time de uma igreja, o Fulham’s Saint Andrews. Seu estádio completou 111 anos em 2007. Não pode ser comparado ao estádio do Arsenal. É muito mais charmoso. É suficientemente confortável, capaz de acomodar 30 mil torcedores.
E há um toque de classe em toda a parte, como na grande placa que saúda os torcedores “Welcome to Craven Cottage” ou na plaquinha colocada atrás da linha de fundo para avisar aos torcedores: “beware, flying footballs” (cuidado, bolas voando). O setor do estádio reservado aos torcedores adversários, uma tradição inscrita na próprio regulamento da Championship, é assinalado por uma outra placa que salienta: “Torcedores neutros e visitantes” (Neutral e away fans). “Torcedores neutros”? Só em Craven Cottage…