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De 8 a 80 em sete dias: o ano começou, torcida palmeirense!

Confesso que fui ingênuo. Por motivos que não sei bem explicar, achei que o início de ano do palmeirense seria de relativo tédio e tranquilidade, ainda ecoando o brilhante título brasileiro conquistado em 2022. Acreditava que os protocolares jogos da primeira fase do Paulistão seriam, bem, protocolares, que o desempenho de nossa base na Copinha seria relativamente fraco e que a Supercopa do Brasil contra o Flamengo seria um jogo difícil, amarrado, no qual a equipe carioca carregava um certo favoritismo. Pois ao fim de janeiro, constato que estava errado em todas as minhas previsões

A última semana completa do primeiro mês do ano foi de fortes emoções pro torcedor palmeirense. Pra começar, no dia 22 (domingo), um sonolento 0x0 contra o São Paulo no Allianz Parque lotado foi o estopim para fortes protestos da torcida em relação a diretoria, que não trouxe nenhum reforço na atual janela de transferências, ao passo que perdeu dois importantíssimos titulares para o futebol inglês, além de outras peças que compunham o elenco para equipes do próprio futebol brasileiro.

Os protestos podem até ser encarados como um tanto precoces, considerando que a equipe acabou de conquistar o principal título nacional na última temporada. Ainda assim, não podemos deixar de entendê-los. Soa muito mal para a torcida não apenas o fato de o Palmeiras não ter reposto os atletas que perdeu, mas também o discurso de que o clube passa por certas dificuldades financeiras que dificultam a contratação de reforços, principalmente após conquistar uma competição da importância do Brasileirão, que entrega um grande prêmio financeiro, com a torcida lotando o estádio em todos os jogos, mesmo com os ingressos caríssimos, e com a venda de Endrick para o Real Madrid. O fato do Palmeiras ter atrasado uma parcela de um milhão de dólares para o Peñarol-URU, relativo à compra do lateral Piquerez, é inaceitável nesse panorama.

Desde que assumiu a presidência do clube, o prestígio que Leila Pereira gozava na época de patrocinadora diminuiu consideravelmente, pelo menos dentro da torcida. Muitos talvez achassem que a presidente da Crefisa iria injetar dinheiro do próprio bolso no clube, algo que não apenas não fazia sentido (não podemos esquecer que o Palmeiras paga de volta para a Crefisa o dinheiro que a empresa aportou para diversas contratações em gestões passadas), como também não faria nada bem para a instituição nessa conflituosa relação de mandatária de clube e patrocinadora. De qualquer forma, o muro pichado em plena terceira rodada de Campeonato Paulista não era bem algo que se esperasse.

Mas esse era só o início da intensa semana que o palmeirense teria pela frente. No dia anterior ao Choque-Rei, as Crias da Academia haviam carimbado sua vaga para mais uma final da Copinha ao bater o Goiás por 2×1. O jogo decisivo foi realizado na quarta-feira (25), aniversário da cidade de São Paulo, frente ao América-MG, e consagrou mais uma grande campanha dessa que é, hoje, a melhor categoria de base do futebol brasileiro. Em um Canindé lotado, o artilheiro Ruan Ribeiro abriu o placar para o Palmeiras, Renato Marques empatou ainda no primeiro tempo para o time mineiro, e Patrick, já nos acréscimos da etapa final, decretou a vitória palmeirense. Vitória essa que foi ao melhor estilo Palmeiras: desabafando.

Palmeiras
Foto: Fabio Menotti/Palmeiras/Fotos Públicas

A campanha das Crias pode ser considerada surpreendente por todo o contexto. Os 11 titulares do título de 2022 já não fazem mais parte das categorias de base, e ou estão integrados à equipe principal, ou foram emprestados durante o ano passado. A equipe de 2023 é bastante jovem, com apenas o zagueiro Henri não podendo disputar a Copinha do ano que vem. Por fim, assim como diversas outras equipes, o Palmeiras também perdeu atletas para a Seleção Brasileira Sub-20, que disputa o Sul-Americano da categoria.

O que vimos, porém, foi uma campanha excepcional, com 100% de aproveitamento, e com ótimas atuações de jogadores bastante promissores: Aranha (2005), Gilberto (2005), Ian (2003), Pedro Lima (2003), David Kauã (2005), Edney (2004), Kevin (2003), Ruan Ribeiro (2003) e Estevão (2007) são alguns dos nomes que podemos esperar ouvir ainda mais nos próximos anos. É difícil imaginar que eles possam integrar a equipe de Abel Ferreira em breve, até pela concorrência com as outras Crias da Academia que venceram a Copinha de 2022, mas provavelmente farão parte do elenco de apoio e serão aproveitados pelo clube no futuro. De qualquer forma, se até ano passado o Palmeiras ainda não tinha Copinha, agora é o atual bicampeão do tradicional torneio.

Ainda no mesmo dia 25, as atenções já retornaram para o elenco profissional. Os reservas de Abel Ferreira venceram o Ituano pelo Paulistão por 3×1 em um jogo sem grande apelo, mas que valeu para vermos Navarro e Bruno Tabata finalmente marcarem (ou voltarem a marcar) pela equipe. Porém, o que a torcida queria mesmo saber era sobre o jogo do sábado, dia 28, contra o Flamengo pela Supercopa do Brasil em Brasília. Ainda que fosse um torneio de menor expressão, taça é taça e a rivalidade entre palmeirenses e flamenguistas não deixaria o jogo ter a menor cara de amistoso de pré-temporada.

E o que vimos no sábado realmente superou qualquer expectativa. Com a atmosfera espetacular de um estádio dividido entre duas torcidas (coisa que há muitos anos não vemos nos clássicos paulistas) e uma linda homenagem ao Rei Pelé, Palmeiras e Flamengo protagonizaram um dos grandes jogos da década do futebol brasileiro. É claro que os times apresentaram mais erros do que costumam apresentar, pois fazem apenas duas semanas que voltaram a jogar depois de suas férias, mas a emoção proporcionada pelo embate foi digna das grandes páginas do nosso futebol

O primeiro tempo foi de certo domínio palmeirense, mas foram os cariocas que abriram o placar com gol de pênalti do carrasco Gabigol, um dos jogadores mais decisivos da história recente do futebol brasileiro. A “sorte” alviverde é que outro dos mais decisivos jogadores da história recente do futebol brasileiro estava do nosso lado, e Raphael Veiga não tardou a empatar a partida. Já no fim do primeiro tempo, Gabriel Menino acertou um petardo espetacular de fora da área no ângulo de Santos para virar para a equipe de Abel Ferreira.

O segundo tempo foi simplesmente frenético. Logo aos seis minutos, Gabigol recebeu passe magistral de Éverton Ribeiro e, com uma cavada linda, deixou Wéverton na saudade e empatou novamente o jogo. Mas se tem carrasco do lado de lá, do lado de cá também tem, e de pênalti Raphael Veiga colocou novamente o Palmeiras à frente aos 13 minutos. A comemoração durou pouco, e três minutos depois, com um toque maravilhoso de calcanhar, Pedro empatou novamente para os rubronegros. Coube a Gabriel Menino,  outro grande personagem da partida, marcar aos 29 minutos da etapa complementar e dar números finais ao jogo. Vitória por 4×3 e festa da torcida palestrina, que como é dito no hino do clube, cantou e vibrou mais que os flamenguistas o jogo todo, assim como havia sido em Montevidéo, em 2021.

Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

O jogo memorável contra um rival tão pesado enriqueceu um título que pode até não ter a importância de uma Libertadores ou Brasileirão, mas que com certeza trará mais paz para o clube nas próximas semanas. As atuações de Menino e Veiga ajudam Abel a ter tranquilidade nas necessárias adaptações que precisará fazer para a equipe funcionar sem Danilo e Scarpa, além de permitir que o clube explore o mercado com mais calma do que uma derrota provavelmente o faria. 

Após uma semana de tantas turbulências e emoções, podemos dizer que o ano palmeirense finalmente começou.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. De 8 a 80 em sete dias: o ano começou, torcida palmeirense!. Ludopédio, São Paulo, v. 164, n. 6, 2023.
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