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“Deu a louca no gerente!”: os treinadores na mira

Fabio Perina 14 de outubro de 2019

Nos dias 26 e 27 de setembro simplesmente 4 dos 20 clubes da serie A do Brasileirão anunciaram mudanças de treinadores. Fluminense, Cruzeiro, Fortaleza e São Paulo. Oswaldo de Oliveira, Rogério Ceni, Zé Ricardo e Cuca. Apenas este último se demitiu, mas o mais importante é constatar que as demissões, polêmicas e protestos são democráticas para as duas pontas da tabela! As convencionais metáforas lúdicas de “dança das cadeiras” ou “ciranda” entre treinadores ficaram insuficientes diante de tanto agonismo que mais parecia uma “roleta russa”. Inspirado na publicidade de promoções de grandes redes varejistas pelo título, busco explorar uma série de elementos da atual (pós) modernidade pode ser verificada como análoga à condição de trabalho tanto para o jogador como para o treinador: instabilidade, visibilidade, espetáculo, emotividade, e imediatismo, por exemplo.

Sobre a instabilidade de ambas as profissões, em nada deveria surpreender que isso acompanhe a instabilidade mais geral do mercado de trabalho tanto nas últimas décadas de desemprego estrutural como nos últimos meses após a Reforma Trabalhista. Se o jogador passa por um auge esportivo precoce diante da limitação biológica; a longevidade da carreira do treinador é compensada negativamente por períodos de trabalho cada vez mais curtos em cada clube. Isso quando não alternam com frequência com outra ocupação temporária que é a de comentarista esportivo e algumas vezes até a de dirigente.

Rogério Ceni, cabisbaixo, diante do empate sem gols entre Cruzeiro e Ceará, o que levou a sua demissão após cinco jogos sem vencer. Foto: Reprodução/Premiere.

A crescente visibilidade, “pedra e vidraça” como outra metáfora recorrente, do papel dos treinadores nas últimas décadas pôde ser verificada em duas fontes contemporâneos na virada dos anos 90 para 2000: o programa “Super Técnico” da TV Bandeirantes e o livro “Lógicas no Futebol” de Luiz Henrique de Toledo (2000). Esse livro afirma que os treinadores ocupam uma função intermediária entre profissionais e especialistas e tiveram com o passar das décadas o difícil desafio de racionalizar o jogo espontâneo do artista com a bola nos pés. Visibilidade nas partidas, e agora até em programas específicos, tal qual o isolamento dos demais profissionais do elenco em centros de treinamento para tentar blindá-los da pressão de dirigentes, especialistas da imprensa e torcedores.

Mas apenas tentar, vide que nenhum controle alcançou toda a perfeição que anuncia. Pois o aspecto espetáculo (sempre muito próximo da emotividade) com frequência salta aos olhos. Tal qual programas vespertinos apelativos como “Casos de Família” do SBT, pelo qual o público discute até mais os “personagens” (como se estivessem em uma novela) do que desempenho e resultado esportivo. Através de notícias bombásticas reforçadas por contextos ainda mais polêmicos com treinadores enfraquecidos através de “quedas de braço” com boleiros do elenco antes e/ou depois de demissões. Seja em disputas recentes mais veladas como no Cruzeiro ou até mais escancaradas como no Fluminense, além é claro dos sempre presentes protestos de torcedores. Teve polêmica de todos os “gostos”. Por exemplo, foi com sarcasmo que torcedores declararam Thiago Neves e Ganso como treinadores de fato de Cruzeiro e Fluminense, respectivamente, diante de sua força nos bastidores do vestiário para se sobrepôr aos treinadores de direito. Ambos os casos são exemplos que por si só já sobram de emotividade com tantos elementos polêmicos presentes, inclusive a “queda de braço” encontra uma continuidade entre cartolas e boleiros com salários atrasados para ver quem teve razão após as demissões de treinadores.

Há quem diga entre mesas redondas e mesas de bares, que existem somente três tipos de treinadores no Brasil: medalhões consagrados, estagiários estudiosos e gringos!

https://youtu.be/CJMuZmcu94U

Evidente que uma série de teorias no senso comum voltaram a circular. Como a do “fato novo” (ou “bode na sala”), pela qual a solução para um time que não está rendendo é simplesmente mudar o treinador para outro (de preferência de estilo oposto ao anterior) para os resultados voltarem a aparecer. Alternam-se discursos caso a caso de um novo treinador ser ora mais “amigão” dos boleiros para retomar a harmonia no ambiente de trabalho ora mais “linha dura” para retomar o controle do vestiário.

Deixei por último o elemento imediatismo (ou resultadismo) por ser o mais diagnosticado e criticado nas mesas redondas que se pretendem ser “modernas”. Pois há o consenso entre especialistas do desejo de modernizar o futebol brasileiro do dia para a noite como se todo o seu entorno discursivo desaparecesse e todos passassem a ter paciência para esperar o retorno de um projeto de médio e longo prazo. Eu concluo esse breve texto que o imediatismo fez ofuscar até mesmo o papel do treinador interino. Figura carismática que com frequência era um ex-jogador discreto (o famoso “carregador de piano”) do clube em elencos passados, mas assumiam a função de “bombeiro” de todas as horas para trazer a harmonia de volta: como Edson Cegonha no Corinthians, Márcio Araújo no Palmeiras, Alcir Portela no Vasco e Carlinhos no Flamengo. O pouco conhecimento técnico especializado sendo compensado pela vivacidade do relacionamento dentro do vestiário e do clube, ou seja, conhecer as armadilhas que lhe podem surgir. Coadjuvantes contemporâneos de toda a visibilidade dos ‘figurões’ da época do “Super Técnico” já mencionado na virada dos anos 90/2000. E mais recentemente Milton Cruz no São Paulo. De lá para cá o papel desse típico interino se tornou mais raro pois essa função tende a ser mais um auxiliar de um treinador (que o leve a diversos clubes que passa) do que um funcionário do clube. Em suma, gostando ou não, o imediatismo é uma realidade: dentre os quatro clubes afetados na última quinta/sexta-feira ‘maluca’ de treinadores, três optaram por contratação imediata antes da partida do final de semana, enquanto somente o Fluminense apostou em efetivar o interino e ex-volante Marcão. Por enquanto!

Leituras de Apoio

https://www.ludopedio.org.br/arquibancada/ou-joga-por-amor-ou-joga-por-terror-o-enigma-dos-protestos-de-torcedores-contra-jogadores-e-dirigentes/
https://www.ludopedio.org.br/arquibancada/a-volta-do-boemio-o-profexo-luxemburgo-no-vasco-da-gama/
https://globoesporte.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/torcedores-invadem-ct-do-fluminense-e-cobram-jogadores.ghtml
https://globoesporte.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/organizada-do-cruzeiro-protesta-na-toca-pede-saida-de-jogadores-e-oferece-cachaca-como-premio.ghtml
https://blogdobolivia.blogosfera.uol.com.br/2019/09/09/o-cruzeiro-de-hoje-parece-um-episodio-do-programa-casos-de-familia/
https://www.ricaperrone.com.br/pensando-bem/

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. “Deu a louca no gerente!”: os treinadores na mira. Ludopédio, São Paulo, v. 124, n. 14, 2019.
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