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DNA Corintiano

Gabriel Bernardo Monteiro 6 de dezembro de 2020

Todos os 3 treinadores que passaram pelo Corinthians nesse ano falaram sobre uma espécie de código genético da equipe. Nenhum deles conseguiu definir bem o que seria realmente esse DNA, mas todos usaram a expressão para exemplificar o que queriam como comportamentos e modelos de jogo. Tal fato despertou minha curiosidade: eu, como um analista de futebol, conseguiria entender o que seria esse DNA de Jogo Corintiano, se é que ele realmente existe?

Antes de tudo, é importante entendermos o que seria esse código genético. Em uma pesquisa rápida em um dicionário, encontrei essa definição que, mesmo básica, me satisfez na busca: o “Ácido desoxirribonucleico (ADN, em português: ácido desoxirribonucleico; ou DNA, em inglês: deoxyribonucleic acid) é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e alguns vírus. Contendo 4 bases Hidrogenadas Adenina, Timina, Citosina, Guanina”.

Imagem: Wikipédia

Ou seja, DNA é um composto que carregamos dentro de nós e que contém informações preciosas sobre como fomos gerados e como nos desenvolveremos. Tem muita relação com a pergunta de onde viemos? Até por isso o exame para descobrir a paternidade de crianças chama-se TESTE DE DNA. DNA é algo que nos faz similares aqueles que têm a mesma origem do que nós, com as características físicas e comportamentais 

Será que existiu, em 110 anos de história, algum modelo de jogo ou algum padrão de comportamento que realmente seja esse tão falado DNA? Muitos falam do futebol reativo dos últimos anos com Carille, Mano e Tite como referências desse corintianismo, mas porque esse tipo de jogo trouxe tanta identificação com a torcida? 

Pensando nisso, dividi nesse texto, o DNA Corintiano também em 4 bases. Origem, identificação, solidariedade e aplicabilidade.

Se DNA tem a ver com origem, tanto a origem e quanto a história do Corinthians sempre estiveram ligadas ao povo mais necessitado. Fundado em 1910 por um grupo de operários no bairro do Bom Retiro, o clube iniciou sua trajetória com os sócios- fundadores buscando novos sócios para poder angariar fundos. Se nem o começo foi fácil, difícil imaginar que os outros 110 anos seriam. Foi fundado para ser um time mais nacional, já que as grandes equipes da época eram ligadas às colônias alemã e inglesa. E apesar de ter seu nome inspirado em um clube inglês, o Corinthians já nasceu do povo. 

O clube tem sede social e seu estádio localizados na Zona Leste da Cidade de São Paulo, uma das regiões mais carentes e perigosas. Uma região sem luxos em que as pessoas precisam batalhar muito a cada dia para conquistarem seus objetivos. Nada para quem mora na região é dado de bandeja, e os governantes pouco se importam em dar as mínimas condições para que as famílias lá situadas. E assim entramos na segunda base do DNA, a identificação. O time do povo só pode sustentar essa alcunha se o povo se identificar com suas características. Nada nunca foi fácil para o clube, foi o último dos rivais a ganhar basicamente todos os grandes títulos que um clube pode ganhar. Viveu a maior seca de títulos entre as grandes equipes do país e mesmo assim, é a maior torcida do estado, com seus fiéis torcedores que vivem um relacionamento com o clube, na alegria e na tristeza. A máxima de que “se não for sofrido, não é Corinthians” é uma das verdades absolutas da qual norteiam as campanhas do clube e um dos pontos de encontro com os seus torcedores. Seus ídolos em suma maioria, demonstram uma ligação com o povo, ou comportamentos dentro de campo que fazem os torcedores se identificarem. Ao passo que muitos jogadores, com potencial técnico gigantesco, são odiados justamente porque não demonstram essa identificação dentro de campo. Alexandre Pato e Angel Romero são exemplos claros disso. Enquanto um, com reconhecida técnica, enfrenta sempre o rancor da torcida quando tem seu nome citado, o paraguaio, com sua reconhecida falta de técnica, recebe ovações de carinho até hoje por sua dedicação extrema. Identificação.

Apresentação de Ángel Romero no Corinthians. Foto: Reprodução Twitter

Com esse mesmo exemplo, já consigo pensar na terceira base, a solidariedade. O povo, principalmente os mais humildes, tende a ser solidário, porque sabe que se não batalhar junto, ninguém conquista nada. E se identificam com isso. Os jogadores que historicamente são identificados com o clube são os que carregam essas características. São jogadores que lutam, se entregam e que se ajudam em prol do resultado, algo que está no sangue, no DNA. 

Grande parte das equipes campeãs do Corinthians, se destacavam pela forma como se ajudavam, poucos são os exemplos de times recheados de craques que foram campeões aqui. Entretanto, a quantidade de equipes que não tinham os melhores jogadores e tiveram sucesso é gigante. Jorge Henrique, Ralf, Gilmar Fubá, Super Zé, dentre outros casos, exemplificam bem essa idolatria pela dedicação máxima pelo suor de sangue em prol de algo maior. O carrinho não vale mais que o gol, mas o carrinho tem um peso para o Corinthians que não tem para outras equipes. Mas a técnica também importa, e quando aliam as duas características, os jogadores geralmente dão um salto de qualidade na carreira, vestindo a camisa do Corinthians e se apaixonando pela torcida e pela instituição. 

A última base, talvez seja a mais difícil: como ser campeão e conquistar a torcida seguindo esses preceitos? A aplicabilidade do DNA é além de um modelo de jogo. Além de uma ideia de futebol, o principal passo para essa aplicabilidade tem a ver com comportamento. Tanto faz se for a retranca mega organizada de Fábio Carille de 2017/2019, se é o time estrelado e ofensivo de Luxemburgo de 1997/2000, se é o bom time da Democracia no início dos anos 80, se é o time equilibradamente ofensivo de Tite em 2015 ou time de 2011/2012, que tem tantas facetas que não consigo definir uma. 

O DNA não tem a ver com um jeito de jogar, tem a ver com um jeito de se entregar, tem a ver com dedicação e principalmente, tem a ver com sentir e ser do povo, em demonstrar dentro do campo coisas que os milhões de torcedores fazem todos os dias para viver. O verdadeiro DNA tem a ver com se aproximar dos torcedores e fazer com que olhem pro campo e se sintam representados. Representados em suas lutas e em seu amor pelo Corinthians.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Bernardo Monteiro

Graduado em Educação Fisica pela Universidade Estadual de Campinas

Como citar

MONTEIRO, Gabriel Bernardo. DNA Corintiano. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 14, 2020.
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