11.2

E daí?

Leonor Macedo 7 de maio de 2010

Acabou. E acabou cedo, mais uma vez. Acabou precoce. E DAÍ? Existem coisas que deveriam continuar e acabam e existem coisas que deveriam acabar e continuam. No futebol é assim. Na vida é assim.

O que ficam são lições. Lições que teimam em nos ensinar, mesmo sem querer, todos os dias. E nós, torcedores limítrofes, fingimos não entender o que dizem nossos professores. Professores, não mestres. Estão muito longe de serem mestres.

Mas com o fim da Libertadores, acabaram-se as desculpas também. Nada agora é prioridade, a não ser entender essas lições. Quando nos falaram, no meio do ano passado, que o Campeonato Brasileiro não era prioridade, mas que a Libertadores era, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos disseram que tínhamos um planejamento, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos disseram que fulano era ídolo e que deveríamos apostar tudo nele, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos disseram que ciclano viria, trazendo com ele todo o dinheiro do mundo, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos prometeram mundos e fundos e depois trocaram o discurso, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos ofereceram business ao invés de bola, a gente já deveria ter aprendido. Quando nos anunciaram que o ingresso triplicaria, quadruplicaria para pagar todo este circo, a gente já deveria ter aprendido. E negado. E rechaçado. E lembrado de toda a nossa história.

São cem anos de lições. E, muito provavelmente, não levantaremos nenhum caneco para coroar isso. Mas nunca precisamos. Nunca. Não nestes cem anos. Não existe nenhum ouro, prata ou bronze que brilhe mais do que a nossa história. Nem taça tão grande que nos seja digna de trocarmos o que os cinco operários do Bom Retiro começaram lá atrás, em 1910.

Quiseram dizer para a gente que Libertadores e Centenário eram sinônimos. Teve quem confundisse, mas nesta hora já deve ter percebido o equívoco. O Corinthians é maior do que a Libertadores. Muito maior. E maior do que qualquer campeonato, já conquistado ou não. Maior do que os seus 26 campeonatos paulistas somados, inclusive o de 1977. Maior do que os seus quatro campeonatos brasileiros, incluindo o de 1990. Maior do que o seu Mundial. Maior do que seu tricampeonato da Copa do Brasil. Maior do que todos os campeonatos que estão por vir. Porque eles só são parte de uma história.

Uma história de ditadura e democracia. De fila e de conquistas. De torcida grande e de torcida gigante. De patrões e operários. De sanguessugas e de gente que dá o sangue. De desgraça e de alegria. De gol de placa e de pisada na bola. De altos e baixos. De dinheiro e de dureza. De preto e de branco.

História feita por Joaquim Ambrósio, Carlos da Silva, Rafael Perrone, Antônio Pereira e Anselmo Correia. Por Rebolo, Sócrates, Joca, Edmar, Zinho, Tuquinha, Pulguinha, Leonor, Rafael, Madalena, Arethuza, Kazuo, Edson, Turco, Paulo, Zé, Thiago, Neco, Neto, Juliana, Thiago, Mariane, Maria, Bruna, Thaís, Wladimir, Donato, Basílio, Baltazar, Mineiro, Ado, Tobias, Rodrigo, Justino, Edvaldo, Gleison, Flávia, Kayan, Yvan, Inaté, Anderson, Augusto, Diego, Fabrício, Mário, Tico, Luciano, Claudinei, Roneibo, Douglas, Pantcho, André, Thaís, Débora, Eduardo, Tonhão, Monga, Ninja, Olivetto, Domingos, Juca, Daniel, Danilo, Marcelo, Geléia, Paracatá, Batata, Denílson, Roberto, Márcio, Waleska, Tatiana, Tamara, Keisy, Fábio, Silvio, Aline, Dentinho, Christian, Ronaldo Giovanelli, Baltazar, Geraldão, Vinicius, Paula, Priscila, Camila, Sarah, David, Alexandre, Bruno, Tupãzinho, Karol, Luzia, Marcela, Marcelo, Fátima, Elaine, Geni, Elisa, Dirce, Flávio, Júlio. Por outras 30 milhões de pessoas. História de uma nação.

Eu espero que dessa vez a gente tenha aprendido algumas lições. A primeira delas é a da grandeza do Corinthians. Nós somos gigantes. A outra é de que a Libertadores não é o Centenário. E a de que a conquista da Libertadores só terá toda essa importância quando couber na nossa história. Quando for digna de fazer parte de todas as nossas outras conquistas. Quando for suada, na raça, com gente honrando a nossa camisa PRETA e BRANCA. Com dinheiro suado, apertado, mas justo. Sem que a gente precise sacrificar metade do nosso orçamento familiar para fazer parte da festa. Sem que a gente precise soltar fogos de artifício aos borbotões no primeiro jogo como se fosse o último. Quando a gente parar de tratá-la como obrigação, como se fosse a última coisa que a gente tem para fazer nesta vida. A nossa obrigação é outra. É honrar a nossa ideologia. O nosso hino, o nosso emblema, a nossa tradição. Os nossos fundadores. Os nossos ídolos. Os verdadeiros, não os falsos. A nossa torcida.

Quando a gente disser não para esta história de futebol moderno. Porque se tudo o que a gente viu for a tendência do futebol moderno, então eu espero que o Corinthians pare no tempo. Que se enraíze nos seus 100 anos e fique. Que a gente ignore solenemente o exemplo do tal primeiro mundo, que a gente não tente transformar o nosso futebol no modelo europeu. Antes que o nosso ingresso seja cobrado em euros e a gente continue recebendo o nosso salário em reais. Antes que o futebol seja território somente de patrões, empresários e executivos pernas de pau e a gente ignore nosso povo também motoboy, pedreiro, operário, servente, manicure, faxineiro, empregado, trabalhador. Antes que o futebol seja feito para europeus enquanto a gente continue aqui, brasileiríssimos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Como citar

MACEDO, Leonor. E daí?. Ludopédio, São Paulo, v. 11, n. 2, 2010.
Leia também:
  • 179.7

    “A Taça do Mundo É Nossa!” Campo político e campo esportivo: década de 1950 (1ª parte)

    Denaldo Alchorne de Souza
  • 179.6

    Estremecendo o chão da Vila Oficinas: A história do Operário Ferroviário de Ponta Grossa e a invenção de uma tradição baseada no futebol

    Pedro Luís Macedo Dalcol
  • 179.5

    A impermanência do ser (jogador de futebol)

    Eduarda Moro