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Entre a bola e a desigualdade: Reflexões sobre a função publicidade, o desenvolvimento regional e as disparidades no futebol nordestino

Este texto marca discussão teórica preliminar realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (PIBIC/UFAL 2023-2024) intitulado “Estruturação, Mercantilização e Espacialização nos Primeiros 10 Anos da Fase Contemporânea da Copa do Nordeste (2013-2022)”.

Aqui, é apresentado o que foi específico do Plano de Trabalho 1, denominado “Estruturação da Fase Contemporânea da Copa do Nordeste (2013-2022) e Elementos Básicos para sua Mercantilização”. Procedemos a leitura e a análise de dois textos: a segunda metade do capítulo de livro “Indústria Cultural e Funções” (Bolaño, 2000) e o artigo “A Frustração dos Sonhos de Celso Furtado: uma Interpretação Crítica do Processo de Desenvolvimento Econômico do Nordeste Brasileiro” (Oliveira; Mattos; Machado, 2020).

 A seguir, apresentamos um texto que integra as ideias dessas obras, seguido pela relação entre elas e a importância do avanço do Plano de Trabalho. Nosso objetivo é compreender como a estruturação, mercantilização e espacialização se manifestam no contexto futebolístico a partir do caso da Copa do Nordeste

A função publicidade e o caso do futebol

Inicialmente, ao mergulharmos no contexto estrutural delineado pelo primeiro texto, “Indústria Cultural e Funções”, notamos, sobretudo na sua terceira parte, “Informação e capitalismo”, a análise profunda de Bolaño (2000) sobre a intricada influência da publicidade e dos meios de comunicação de massa no tecido econômico e social.

A partir do diálogo com outras autoras e autores, Bolaño (2000) destaca a penetração da campanha de vendas nas operações de produção, algo que também pode ditar critérios e moldar o que deve ser produzido. Importante ressaltar que, embora a publicidade por si só não amplie o número de consumidores, ela tem o poder de influenciar o consumo de diferentes grupos.

A publicidade é apresentada como uma das funções da Indústria Cultural (junto com o programa e a propaganda). Esta indústria produz mercadorias com dupla natureza: atrair o público a partir do programa midiático e, com isso, auxiliar na aceleração da circulação de mercadorias e serviços pelos produtos que são ofertados com a publicidade. Chegando nisso, há a realização do capital. Assim, “a publicidade é elemento indispensável ao capitalismo na sua fase monopolista” (Bolaño, 2000, p. 158).

Transpondo esse raciocínio para o cenário do futebol no Nordeste, torna-se evidente que a difusão pelos veículos de comunicação desempenha um papel vital na projeção e sucesso de um clube para ter maior torcida e atrair mais empresas que se interessem em patrociná-lo.

A capacidade de influenciar telespectadores a optarem por um time em ascensão destaca como o futebol se tornou não apenas um esporte, mas um gerador de consumo. Quanto mais atrai determinado público, mais se é midiatizado. De maneira que observamos uma desigualdade persistente na visibilidade de determinados clubes, especialmente os nordestinos, em comparação com seus pares do Centro-Sul. Essa disparidade, enraizada desde os tempos coloniais a partir de distinções socioeconômicas entre as regiões do país, continua a desafiar os clubes nordestinos em sua busca por reconhecimento e equidade no cenário nacional.

Copa do Nordeste
A taça da Copa do Nordeste. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

A desigualdade regional brasileira e reflexos no futebol nordestino

Ao nos aprofundarmos no segundo texto, “A frustração dos sonhos de Celso Furtado: uma interpretação crítica do processo de desenvolvimento econômico do nordeste brasileiro” (Oliveira; Mattos; Machado, 2020), a análise sobre a desigualdade regional se estende. Destaca-se como o processo de industrialização concentrou-se no Sudeste, notadamente em São Paulo, deixando o Nordeste em um estado de atraso no contexto de desenvolvimento do início do século XX.

Os autores indicam a necessidade de estudar o que demarca cada região no que tange às especificidades do modelo de desenvolvimento brasileiro. No caso nordestino, compreendem que se reproduz-se um contexto histórico:

A estrutura socioeconômica nordestina conservou, por longos períodos, características arcaicas de produção e relações de trabalho, desencadeando, portanto, um quadro de atraso no desenvolvimento de sua estrutura produtiva quando comparado ao restante do país (Oliveira; Mattos; Machado, 2020, p. 128).

A criação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) em 1959, sob a liderança de Celso Furtado, revela a percepção dessas disparidades e o esforço para corrigi-las há algumas décadas. Entretanto, “a despeito de ter ocorrido, sim, uma importante mudança estrutural na economia nordestina, a industrialização da região não assumiu um projeto de planejamento regional e de superação dos desequilíbrios” (Oliveira; Mattos; Machado, 2020, p. 127).

Ainda assim, percebe-se com as políticas regionais nos planos nacionais de desenvolvimento a constituição de um novo espaço econômico nordestino com sub-regiões, em que:

A mais importante é a sub-região metropolitana, composta pelas capitais dos três estados de maior participação no PIB [Produto Interno Bruto] regional, Salvador, Recife e Fortaleza, destino da grande maioria dos grandes projetos industriais direcionados à região Nordeste. As mencionadas sub-regiões se fortaleceram e consolidaram sua posição hierárquica e concentrada da produção da riqueza regional (Oliveira; Mattos; Machado, 2020, p. 133).

Aplicando essa visão ao futebol nordestino, percebemos que as desigualdades históricas na industrialização se refletem na estrutura do esporte. Clubes nordestinos enfrentam obstáculos em obter visibilidade quando comparados a seus competidores do Centro-Sul, que, historicamente, tiveram mais acesso a recursos e infraestrutura. Mas também conseguimos perceber o quanto a especificidade regional ajuda e entender o porquê de regiões metropolitanas como as de Recife, Salvador e Fortaleza terem maior destaque no futebol da região. O desenvolvimento desigual impacta diretamente a competitividade e a projeção dos times nordestinos, apesar dos esforços para nivelar o campo de jogo.

Considerações finais

Em síntese, a interconexão entre publicidade, desenvolvimento regional e cultura, conforme abordada nos textos, ressalta a complexidade das disparidades presentes na sociedade brasileira, sendo o futebol no Nordeste um reflexo dessas assimetrias. A busca por equidade continua sendo um desafio contínuo, demandando uma abordagem abrangente e ações coordenadas em diversos setores. O futebol, como parte integrante da cultura brasileira, reflete e, por vezes, amplifica essas dinâmicas, destacando a necessidade de um olhar crítico e transformador sobre o papel do esporte no contexto mais amplo da sociedade.

O desenvolvimento deste plano de trabalho assume relevância crucial para a promoção de estudos sobre um tema frequentemente negligenciado: o futebol no Nordeste. Buscaremos proporcionar visibilidade de maneira substancial e fundamentada, apresentando dados qualitativos e quantitativos, a partir da Copa do Nordeste de futebol profissional masculino, que enriqueçam de forma significativa a abordagem desse assunto.

Referências

BOLAÑO, C. Indústria cultural e funções. In:  ______. Indústria cultural informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 138-159.

OLIVEIRA, F. C.; MATTOS, F. A. M.; MACHADO, D. C. A frustração dos sonhos de Celso Furtado: uma interpretação crítica do processo de desenvolvimento econômico do nordeste brasileiro. Cadernos do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, v. 15, n. 26, p.125-148, jan-jun. 2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SOUZA, Viviane Silva de; SANTOS, Anderson David Gomes dos. Entre a bola e a desigualdade: Reflexões sobre a função publicidade, o desenvolvimento regional e as disparidades no futebol nordestino. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 6, 2024.
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