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Estádio Alfonso López Pumarejo e Estádio Nemesio Camacho (El Campín): as praças esportivas dos Jogos Bolivarianos de 1938

Eduardo de Souza Gomes 14 de fevereiro de 2024

No cenário de desenvolvimento dos primeiros Jogos Bolivarianos em 1938, os principais fatores que podem ser destacado e relacionados à movimentação econômica foram, sem dúvidas, a criação de dois estádios na cidade de Bogotá: o Estádio Alfonso López Pumarejo (Estádio da Cidade Universitária), localizado na Cidade Universitária da Universidad Nacional de Colômbia – Sede Bogotá; e o Estádio Nemesio Camacho (El Campín), uma das maiores e mais conhecidas sedes esportivas do país até a atualidade.

O Estádio da Cidade Universitária, criado em proporções menores se comparado ao El Campín e com uma proposta de ser, de fato, um estádio universitário, foi importante por sediar diversas modalidades do referido evento, tal como reconfigurar a capital colombiana com mais uma possibilidade de espaço para a construção de distintas formas de sociabilidade a partir do esporte.

Já no El Campín, mais do que construir novos espaços de sociabilidade e de prática para distintas atividades, foi marcante a necessidade de se pensar o esporte enquanto uma possibilidade de espetáculo. Pensou-se no futebol como parte de um mercado. Ou seja, dentro de um padrão relacionado à indústria cultural, ocorria a interligação do esporte com os padrões capitalistas da modernidade pensada na Colômbia.

El Campín
El Campín. Foto: Moraleleo/Wikipédia.

Clark entende que essa espetacularização no cenário contemporâneo se trata de

[…] uma tentativa – parcial e inacabada – de trazer ao campo teórico uma série variada de sintomas em geral tratados pela sociologia burguesa ou pela esquerda convencional como etiquetas anedóticas aplicadas de forma um tanto leviana à velha ordem econômica: “consumismo”, por exemplo, ou “sociedade do lazer”; a emergência dos meios de comunicação de massa, a expansão da publicidade, a hipertrofia das diversões oficiais (CLARK, 2004, p. 43).

As motivações para a efetivação da construção daquelas que se tornariam as duas principais praças esportivas da capital, se deu por distintas questões. Dentre os interesses envolvidos e motivações oriundas da construção dos dois estádios, David Quitián Roldán  destaca que

Na ocasião, dizia-se: Em relação ao esporte, basta dar alguns indícios: […] a construção do estádio National University (parte de um complexo projeto de complexo esportivo) obedeceu à ideia inglesa, aperfeiçoada pela tradição norte-americana, de um campus onde a energia da juventude será canalizada para a combinação de estudo e agonismo sublimado pelo esporte, que de fato é a base de todos os campis desses países […]. Ao contrário, ninguém menos que Jorge Eliécer Gaitán, com sua visão populista e como prefeito de Bogotá, resolveu a polêmica sobre os rumos do esporte ao insistir, contra a ideia do governo, em colocar um polo popular alternativo ao esporte da capital, com a criação do estádio Nemesio Camacho, mais conhecido como El Campín. Foi uma decisão de encruzilhada (QUITIÁN ROLDÁN, 2009, p. 3, tradução nossa).

Essa perspectiva de consolidar um mercado via esporte se materializava no país desde a década anterior, a partir de preocupações diversas e questionamentos que surgiam na população de então. Ruiz Patiño destaca, ao analisar a Ley 80, legislação que teve como objetivo institucionalizar a prática da Educação Física e dos esportes no país, que

A lei foi necessária graças às diferentes preocupações que emergiram de forma decisiva de diferentes setores da população: 1) a chegada à Colômbia da pedagogia moderna e da nova escola, com o Ginásio Moderno à frente; 2) a modernização do ensino religioso em espaços populares de escolas, como as instituições La Salle; 3) a importância do esporte para a higiene, impulsionado pela medicina, e 4) o debate sobre a raça e a importância de evitar sua “degeneração”, por meio do esporte (RUIZ PATIÑO, 2009, tradução nossa).

O olhar das elites do país nos anos 1930, no que se diz respeito à resolução de conflitos e tensões, foi a de considerar parâmetros entendidos como “mais modernos e civilizados” enquanto caminhos, deixando de lado a violência e os conflitos de outrora para, assim, dar lugar a um caminho mais diplomático e negociador (BENNINGHOFF, 2001).

Aprofundando tal análise, é possível inferir que o cenário econômico não se desconectava dos caminhos políticos do país. E, em 1938, os interesses do governo passavam diretamente pelo esporte e seus equipamentos. Tentando vincular Bogotá a uma ideia de desenvolvimento acadêmico e científico, buscou-se assim estabelecer um parâmetro diplomático onde a capital do país fosse vista como um modelo em distintos quesitos, inclusive acadêmicos: “López acreditava que Bogotá deveria estar intimamente ligada à vida da universidade e acreditava que manter o estádio inserido nesse espaço era um bom pretexto para alcançá-lo.” (ACOSTA, 2013, p. 34 e 56, tradução nossa).

Não à toa, foi nesse cenário que o governo comprou os prédios e espaços necessários, então pertencentes a José Joaquim Vargas, para a construção da Cidade Universitária da Universidad Nacional em Bogotá, local onde também foi construído o estádio universitário (NIÑO, 2003, p. 172).

A planta do local integrava dois estádios: um para o futebol e outro para o atletismo que, com o tempo, acabaram sendo fundidos em um único projeto, até pela questão da viabilidade econômica (NIÑO, 2003, p. 56). Inclusive, um espaço para a construção de um campo de beisebol, esporte que se consolidou com maior força na região do caribe do país, havia sido pensado a priori. As obras do estádio Alfonso López Pumarejo se iniciaram em setembro de 1937, tendo sido concluídas para as competições em junho de 1938. Algumas dificuldades ocorreram, como cita Acosta:

Por sua vez, o estádio da Universidade Nacional também enfrentou dificuldades políticas, como foi o caso do pretexto que Carlos Arango Vélez deu para sua renúncia à prefeitura em 6 de maio de 1936: a localização da cidade universitária contribuiu para a valorização das terras vizinhas da família presidencial, o que representava “oportunismo” e “desonestidade”. Gaitán, na época, usou os mesmos motivos de Arango para se opor à construção de uma arena esportiva que rivalizasse com a da cidade (ACOSTA, 2013, p. 57, tradução nossa).

No caso de El Campín, é importante destacar que o projeto para a construção de um “Estádio Nacional” é anterior ao de consolidação dos Jogos Bolivarianos enquanto evento festivo no país. Já era previsto na Ley 12 de 1934, que tinha como objetivo a reorganização do Ministério de Educação da Colômbia, dialogando com a Ley 80 que versava sobre os esportes no país, que se construísse um estádio de grande porte na Colômbia. Destaca Acosta que

Esta lei cria o quadro legal que permite, a 10 de setembro do mesmo ano, à Câmara Municipal nomear “uma comissão que está em parceria com a Comissão Nacional de Educação Física (CNEF) para estudar o procedimento a adoptar para realizar a criação do Estádio Nacional.” (ACOSTA, 2013, p. 53, tradução nossa).

No mesmo ano, em 17 de novembro, um comunicado foi enviado ao prefeito de Bogotá, Junior Pardo Dávila, onde foi solicitado pela CNEF que “ao Conselho Pró-Centenário da cidade que inclua nas obras urbanas os projetos de um Estádio ou praça esportiva, com um orçamento mínimo de $ 400.000 (quatrocentos mil pesos)” (ACOSTA, 2013, p. 53, tradução nossa).

Em 1935, foi criada uma junta destinada a desenvolver o projeto de construção do estádio. De início e com o aval presidencial, se pensou em construir uma praça esportiva que se vinculasse à Universidad Nacional (que depois, seria o Estádio da Cidade Universitária). Porém, a proposta de construir um espaço esportivo universitário não foi bem aceita por todos. Por exemplo, Jorge Eliécer Gaitán, liderança histórica do Partido Liberal e um dos maiores nomes desse campo político até sua morte em 1948, se opôs à parte desse olhar então defendido por López Pumarejo. Entendia que o estádio deveria ir além do mundo acadêmico, sendo assim também destinado ao povo e fazendo rodar, economicamente e culturalmente, a vida social dessa parcela da sociedade.

Não que o Estádio da Cidade Universitária, que também veio a ser construído, se destinasse apenas ao público acadêmico. Mas pelo menos no âmbito do discurso e das narrativas, a defesa daqueles que eram contrários efetivava-se no sentido de apontar para uma possível predominância do público das universidades em algo que deveria “ser de todos”. Por isso, foram para frente as duas ideias, já que vincular o esporte às universidades era também parte importante do projeto de López Pumarejo. Destaca Zea, que “Gaitán diminuiu o tom polêmico, quando o terreno foi doado para a construção do estádio de Bogotá.” (ZEA, 1987, p. 34, tradução nossa). Acosta destaca que a temática do estádio voltou à tona em

3 de janeiro de 1936, quando o CNEF comunica ao Ministro da Educação, Jorge Zalamea, que “Don Luis Camacho M. [um aliado da causa de Gaitán] deu a Bogotá 43 alqueires de graça para construir o Estádio”. Em seguida, no dia 6 de fevereiro, é processada a doação do terreno. Em um gesto de reciprocidade, a Câmara lhe envia uma carta de agradecimento informando que o estádio terá o nome de seu pai, Nemésio Camacho. Diante do gesto de generosidade do empresário, a classe trabalhadora decidiu não ficar para trás e por isso a Unión Deportiva Obrera (UDO) aprovou por unanimidade em sua sessão de 6 de fevereiro uma “doação feita para o estádio de Bogotá”. Em uma sessão de 14 de fevereiro, o Conselho rejeitou a oferta dizendo que “por ordem presidencial [ele] foi ordenado a arquivar (ACOSTA, 2013, p. 54, tradução nossa).

Gaitán se esforçou para conseguir 350 mil pesos em agosto de 1936, visando a construção do estádio. A partir de um Decreto (n. 268), ficou destinada tal verba para a construção do “estádio nacional”, tendo os atrasos em sua obra gerado manifestações nas ruas de Bogotá.

Junto com seus dois estádios, inaugurou cinco playgrounds para crianças de bairros populares e foi definido um período de quatro anos para comprar “a arena de touros ao custo de 190.000 pesos, para usá-la no tênis, basquete e concertos” (El Tiempo, 15 de maio de 1938, p. 7, tradução nossa).

A agenda esportiva passou, assim, a fazer parte também de uma agenda do entretenimento, pautada por questões relacionadas diretamente ao mercado do país. O esporte em geral, como não foi diferente em outros cenários em que a ideia de modernidade fruto da industrialização burguesa foi consolidada, se fez presente neste processo. Com isso, a consolidação da construção de equipamentos culturais diversos (como os estádios) e outras obras abertas às questões do lazer, são explicitações desse processo. Como destaca Acosta sobre o El Campín:

O palco representou aquela integração “uteromimética” de que fala Gabriel Restrepo. Nesse sentido, o estádio El Campín continua a ser um “útero” acolhedor, mas Alfonso López tornou-se um belo “óvulo” dentro de um “útero” maior: a alma mater. Podemos dizer também que, embora o esporte tenha se tornado uma diversão para a população desde os anos 20, com o boxe, e nos anos 30, com o atletismo e o futebol, entre outros; a construção dos estádios significou a transição definitiva de Bogotá para o esporte como espetáculo, que talvez seja sua característica mais visível em nossos dias e constitui uma das expressões mais importantes das sociedades modernas (ACOSTA, 2013, p. 58, tradução nossa).

Já na inauguração dos jogos, o Estádio da Cidade Universitária recebeu um grande público, digno de grandes eventos mundiais, não só no esporte, mas também de eventos como festas cívicas ou diplomáticas. Importante como marco e pontapé inicial dos jogos, o estádio se caracterizou como um dos pontos altos dos Jogos Bolivarianos organizados na Colômbia, tendo logo em sua primeira aparição alcançado um público de mais de vinte mil pessoas (El Siglo, 06 de agosto de 1938, p. 9). Como é destacado no calor do momento pelo periódico bogotano El Siglo,

Mais de 20.000 pessoas compareceram ao Estádio Ciudad Universitaria para testemunhar a abertura dos Jogos. […] Os Jogos Esportivos Bolivarianos foram solenemente inaugurados ontem à tarde no amplo estádio universitário. Mais de seiscentos atletas que participarão das competições bolivarianas, desfilaram em frente à tribuna presidencial – O doutor Alfonso López declarou solenemente inaugurados os jogos – A apresentação no estádio das delegações esportivas – O emocionante ato de soltar os pombos que partiram na direção aos países bolivarianos, anunciando a abertura dos jogos – As cerimônias formais realizadas – A exibição das bandeiras, aos acordes dos hinos dos países particulares (El Siglo, 06 de agosto de 1938, p. 9).

Tal público explicitou muito mais que a euforia dos colombianos pelo início dos jogos e a paixão desse povo pelos esportes. Demonstrou também a força econômica que um evento desse porte poderia gerar, sendo mais do que necessário, se o lucro também for um dos objetivos da festa, se consolidar localidades e espaços destinados a esses fins, como eram os recém-criados El Campín e o Estádio da Cidade Universitária.

As partidas eram sempre muito exaltadas pela imprensa, que também destacava a beleza dos estádios e a importância desses para a efetivação dos jogos. Um exemplo foi a partida entre Peru, que seria o campeão do torneio de futebol, com a Colômbia, por essa mesma modalidade. Tendo inaugurado o certame para os colombianos, alguns periódicos aproveitaram-se do fato de ser esse um dos jogos mais esperados até então, para exaltar parte da organização e estrutura construída pelo país para o evento, como o próprio estádio El Campín. Como vemos nas páginas de El Espectador:

Nada menos que 50.000 pessoas assistirão esta manhã à inauguração do grande estádio municipal <El Campín>, uma das belas conquistas inauguradas no centenário. […] Depois que as bandas tocaram o Hino Bolivariano, escrito por Alfredo Gómez Jaime, o Hino Nacional foi tocado na entrada do presidente com sua comitiva. O Luégo deu início ao desfile da Educação Física e da guarda olímpica […]. A organização do trânsito foi digna de admiração e a que se implantou para que o público pudesse entrar e sair com conforto (El Espectador, 15 de agosto de 1938, p. 3, tradução nossa).

Assim, fica notório o quanto o público foi importante para se consolidar os interesses, não só diplomáticos, mas também econômicos dos agentes fomentadores do evento. Se na inauguração do Estádio da Cidade Universitária teve-se aproximadamente 20.000 espectadores, em El Campín esse número mais do que dobrou, deixando explícito a formação de um “mercado ao redor” do evento esportivo que se desenvolvia, característica essa que foi importante para a consolidação do campo esportivo colombiano.

Referências bibliográficas

ACOSTA, Andrés. Elementos sociohistóricos intervinientes en la construcción de los estadios Alfonso López e El Campín para los primeros Juegos Bolivarianos: Bogotá, 1938. Revista Colombiana de Sociologia, Bogotá, v. 36, n. 01, p. 43-62, jan-jun 2013.

BENNINGHOFF, F. ¿Cuánta tierra civilizada hay en Colombia? Guerras, fútbol y élites en Bogotá 1850-1920. (Trabajo de grado),Departamento de Historia, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, 2001.

CLARK, T.J. A pintura da vida moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

NIÑO, C. Murcia. Arquitectura y Estado. Contexto y significado del Ministerio de Obras Públicas. Colombia 1905-1960. Bogotá: UniversidadNacional de Colombia, 2003.

QUITIÁN ROLDÁN, David Leonardo. Gaitán, el fútbol y la Universidad Nacional. En Asciende, Memorias Cátedra Jorge Eliécer GaitánSociología 50 años. Clase 9. Universidad Nacional, Bogotá, 2009, p. 2-15.

RUIZ PATIÑO, Jorge Humberto. La política del sport: elites y deporte en la construcción de la nación colombiana, 1903-1925. 2009. 139 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Políticos) – Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, 2009.

ZEA, S. 1987. Esponjas del Caribe Colombiano. Bogotá: INVEMAR, 1987.

 

Artigo publicado originalmente em História(s) do Sport.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Edu Gomes

Historiador, professor e pesquisador do esporte. Doutor e mestre em História Comparada, com ênfase em História do Esporte, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com período sanduíche na Universidad de Antioquia (UdeA), Colômbia. Graduando em Educação Física (Claretiano). Atua como pesquisador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (UFRJ). Professor na Educação Superior e Básica. Editor e colunista de esportes do Jornal Toda Palavra (Niterói/RJ), além de atuar como repórter e comentarista da Rádio Esporte Metropolitano. Autor dos livros intitulados "A invenção do profissionalismo no futebol: tensões e efeitos no Rio de Janeiro (1933-1941) e na Colômbia (1948-1954)" (Ed. Appris, 2019) e "El Dorado: os efeitos do profissionalismo no futebol colombiano (1948-1951)" (Ed. Multifoco, 2014). Organizador da obra "Olhares para a profissionalização do futebol: análises plurais" (Ed. Multifoco, 2015), além de outros trabalhos relacionados à História do Esporte na América Latina.

Como citar

GOMES, Eduardo de Souza. Estádio Alfonso López Pumarejo e Estádio Nemesio Camacho (El Campín): as praças esportivas dos Jogos Bolivarianos de 1938. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 14, 2024.
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