É difícil dizer, historicamente falando, qual é a forma de jogar que mais combina com o Palmeiras. Quando olhamos alguns rivais, tal forma é muito bem desenhada. O Santos, por exemplo, tem como “DNA” uma forma de jogo ofensiva, que quer o gol a todo custo, e isso acontece desde à época do Rei Pelé, passando pelos mais contemporâneos Robinho e Neymar. Da mesma forma, o Corinthians também criou um DNA próprio, da raça, vontade, entrega, no qual não existe jogo perdido de forma alguma, mesmo nos cenários mais improváveis.

Academia Palmeiras
Segunda Academia do Palmeiras nos anos 60 e 70. Foto: Wikipédia

O Palmeiras nunca teve esse exato comportamento. Nas décadas de 60 e 70, por exemplo, o futebol bem jogado tecnicamente por Ademir da Guia e as Academias era exemplo para o Brasil. Já nos anos 90, a primeira parte da “era Parmalat” foi marcada por craques como Edmundo, Cafu, Roberto Carlos, Rivaldo, Evair e Djalminha, muitos gols e futebol belíssimo, comandados por Vanderlei Luxemburgo. A segunda parte, mais no fim da década, se consagrou com um futebol de resultado, muito suor e a união da Família Scolari, que contava com ótimos jogadores – como Alex, Paulo Nunes, Oséias, Roque Júnior e São Marcos – mas que não era um time de futebol vistoso.

Vários anos se passaram até que o Palmeiras tivesse novamente uma equipe marcadamente vencedora. De 2015 em diante vencemos um Paulistão, duas Copas do Brasil, dois Brasileirões e uma Libertadores. O único jogador presente em todas essas conquistas foi o goleiro Jailson, importantíssimo na conquista do Brasileirão de 2016, mas reserva na maior parte do tempo. Outros dois jogadores de importância ímpar nessas conquistas e reconstrução da equipe foram Dudu e Fernando Prass, mas que deixaram o clube antes da espetacular tríplice coroa de 2020.

Técnicos, então, foram vários. Poucos se lembram, mas o projeto palmeirense de 2015 começa lá com Oswaldo de Oliveira. Depois dele, Marcelo Oliveira, Cuca, Eduardo Batista, Roger Machado, Felipão, Mano Meneses e Luxemburgo, além de alguns interinos, comandaram a equipe até a chegada de Abel Ferreira já no segundo semestre de 2020. Existe alguma marca tática ou de modo de jogo que acompanhe todos eles? Um sentido lógico? Qual é a “linha de raciocínio” de todos esses anos de Palmeiras?

Se fosse pra definir em uma palavra o Palmeiras dos últimos anos, esta seria “competitividade”. Abel Ferreira tem sido muito exaltado em sua passagem pelo clube por conquistar os resultados não importando muito o contexto da partida (e com todos os méritos), mas acredito que essa marca seja anterior ao treinador português. Há anos o Palmeiras apresenta uma incrível competitividade, sendo batido poucas vezes, disputando todos os campeonatos possíveis e vendendo caríssimo cada derrota.

Desde 2015, apenas em dois anos o Palmeiras deixou de conquistar títulos de expressão nacional ou internacional. A equipe de 2015, inclusive, talvez tenha sido a de menor poder competitivo, sendo relativamente mais fraca que as demais, em um clube totalmente em reconstrução. Ainda assim, durante a campanha vitoriosa na Copa do Brasil, venceu de forma incrível as equipes de Internacional e Fluminense nas quartas e semifinais respectivamente, antes de bater o Santos nos pênaltis na finalíssima. No começo daquele ano, antes da estreia da equipe no Paulistão, o capitão Zé Roberto pedia pra cada jogador e funcionário do clube bater no peito um do outro dizendo “O Palmeiras é grande!” e, ao fim da preleção, fez o convite: “Vamos pra peleja?”. E parece que desde então o Palmeiras se mantém pelejando.

Os times vitoriosos de Cuca e Felipão são provas disso. Jogavam pela vitória, e nada mais. Pareciam forjadas no hino “defesa que ninguém passa, linha atacante de raça”, de forma que venciam jogos improváveis e muito dificilmente eram derrotadas. As vezes pareciam até que perderiam o fôlego no campeonato, mas não, nunca perdiam. E assim conquistaram dois títulos brasileiros para a galeria palmeirense. Essas equipes, porém, foram também criticadas (muito justamente) por uma falta de repertório ofensivo, fazendo com que a equipe sofresse demais para vencer alguns jogos mais fáceis, dependendo muito do talento individual de Dudu e caindo muito de rendimento nas poucas vezes em que tinha problema em competir.

O trabalho de Luxemburgo em 2020 também teve como grande problema a falta de competitividade. Ainda que tenha conquistado o Campeonato Paulista, foi com muito mais sofrimento do que o esperado, inclusive não tendo vencido nenhum dos seis jogos contra clubes da Série A do nacional durante a campanha. No Brasileirão, sua queda acontece quando fica clara a incapacidade coletiva de competir, perdendo até mesmo para os futuramente rebaixados Botafogo e Coritiba, além de uma derrota no clássico contra o São Paulo. Todas as demissões de treinadores nesse tempo de títulos acontecem quando o time mostra uma queda no poder competitivo. As mais emblemáticas são de Felipão e Mano Meneses, que deixam o clube após derrotas fáceis contra o Flamengo nos dois turnos do Brasileirão de 2019.

Abel Ferreira
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

A capacidade de se adaptar ao adversário parece ser o maior mérito de Abel Ferreira até aqui. Foi assim contra o River na Argentina, contra o Santos na final da Libertadores, contra o Grêmio na Copa do Brasil. Mesmo sempre tendo desfalques, a equipe tem um grande poder de adaptação e entrega até a última gota de suor em campo para buscar a vitória. Dessa forma, a equipe que parecia à beira de uma crise há um mês atrás conseguiu se reestruturar, garantir a liderança do grupo na Libertadores com duas rodadas de antecedência e chegar ao mata-mata no Paulista mesmo apenas com reservas. Se, por conta de boas individualidades, as equipes dos comandantes anteriores conseguiam buscar a vitória, agora com Abel o Palmeiras vence porque tem uma incrível força coletiva.

Os jogos contra o bom time do Independiente Del Valle (EQU) na atual edição da Libertadores são a maior prova disso. No primeiro jogo em São Paulo, a equipe sobe suas linhas, pressiona no campo de ataque, rouba a bola e finaliza rapidamente, goleando por 5×0. Já no jogo do returno, na altitude de Quito, contra uma equipe que nunca havia perdido em seus domínios na história da Libertadores, o Palmeiras recua, compacta seus jogadores, ataca muito verticalmente, chega ao gol no fim do primeiro tempo e não deixa o adversário nem se aproximar de sua área, de forma que o goleiro Weverton mal suja o uniforme. Jogo bonito? Muito longe disso. Mas foi o auge da eficiência, sem quase nenhum sofrimento para o torcedor.

Se pudermos, então, pensar numa forma de definir o estilo de jogo palmeirense dos últimos anos, diremos que é o time que joga o que o jogo exige. Não liga se vai vencer atacando ou defendendo, mas liga se vai vencer. Longe de ser retranqueiro, aplica goleadas por quatro ou cinco gols sempre que tem a chance (são quatro vitórias por 5×0 contando apenas as Libertadores de 2020 e 2021). Mas caso não tenha a chance, se contenta com o 1×0 feio que garante a vitória. Nunca será o time lembrado pelo futebol vistoso e envolvente, mas será sim lembrado como a equipe que ninguém quer enfrentar. E isso é tudo o que o palmeirense mais deseja.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. Estilo de jogo? COMPETITIVO!. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 35, 2021.
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