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Futebol brasileiro, teste de sobrevivência

Uma grande prova de sobrevivência. É assim que podemos definir a vida não só do Palmeiras, mas de praticamente todos os clubes do Brasil no insano calendário do futebol nacional. Se os primeiros meses do ano possuem apenas os campeonatos estaduais e as primeiras fases de Copa do Brasil e torneios sul-americanos, é a partir de abril que realmente o bicho pega.

Os desafios dos clubes não param no calendário e seu pouco tempo de descanso, é claro. Gramados ruins, arbitragens questionáveis, viagens longas e, em alguns casos, até altitude em jogos pela América do Sul são algumas das preocupações que as equipes precisam vencer nessa mistura de ultramaratona com corrida de obstáculos.

Passados dois meses do início da parte mais desafiadora do ano, sobreviver relativamente bem em todas as frentes já pode ser visto como uma importante conquista. E utilizando da mesma analogia dos últimos textos do Camisa 012, podemos dizer que dentro deste mar revolto e cheio de tempestades do futebol brasileiro, o irritadiço capitão Abel Ferreira e seus marujos vêm fazendo uma ótima navegação.

O percurso de sobrevivência palmeirense se iniciou em abril, logo após uma data FIFA, com o jogo de ida da final do Paulistão. Após a derrota por 2×1 em Barueri contra o Água Santa no dia 2, o Verdão repetiu a dose da final do ano passado, goleando por 4×0 no Allianz Parque uma semana depois e garantindo o título. Entre as finais, derrota para o Bolívar em La Paz na estreia da Libertadores em jogo apenas com reservas.

O período das finais foi de baixas por lesões e chegadas de reforços. Por um lado, Piquerez, Veiga e Rony se lesionaram, desfalcando a equipe nos jogos seguintes. Por outro, as duas primeiras (e únicas até aqui) contratações da temporada chegaram ao Palestra, no que parecem ter sido grandes acertos no mercado: o volante colombiano Richard Rios, vindo do Guarani, e o ponta Artur, formado no Palmeiras e que estava no Bragantino desde 2020.

Arthur Palmeiras
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

Artur merece um destaque especial nesse sentido. Jovem cria da Academia, acabou não tendo espaço quando subiu ao profissional em 2016, fazendo poucos jogos pelo clube e sendo emprestado para diferentes equipes até sua saída em definitivo, em 2020, vendido por 6 milhões de euros. Para seu retorno ao Palmeiras, o clube desembolsou 8 milhões de euros, em um negócio bastante criticado por muitos por contratar um jogador que já pertencia ao Palmeiras pagando dois milhões de euros a mais.

O fato é que o Artur de 2023 não é o mesmo Artur de 2020, e sua evolução só foi possível pelo tempo de jogo adquirido em outras equipes, o que muito provavelmente não teria no Palmeiras. Desde que retornou, porém, o camisa 14 já marcou seis vezes, além de uma assistência, conquistando vaga cativa na equipe titular de Abel Ferreira. No fim das contas, parece ter sido um ótimo negócio.

Dando sequência ao mês de abril, o Palmeiras ainda avançou de fase na Copa do Brasil eliminando a Tombense, bateu o Cerro Porteño na Libertadores e fez seus três primeiros jogos no Brasileirão, incluindo um Derby no qual saiu vitorioso. Os jogadores lesionados se recuperaram e a equipe cresceu de desempenho, finalizando a primeira metade da maratona com um saldo positivo de cinco vitórias, dois empates e duas derrotas em nove jogos durante o mês, com um título conquistado.

Um fato, porém, chama a atenção. Dos nove jogos disputados, em apenas um deles o Palmeiras não sofreu gol, com 13 tentos sofridos no total. Um desempenho claramente abaixo do que a equipe demonstrou em 2022. Ficava claro que algum ajuste precisava ser feito, e Abel fez uma mudança tática importante ainda no mês de abril.

Desde a saída de Danilo, Zé Rafael era o jogador que atuava mais plantado como um primeiro volante, com Gabriel Menino avançando quase como um meia para auxiliar Rafael Veiga. Essa formação deixava o Palmeiras exposto, principalmente na transição defensiva, pois o poder de recuperação e cobertura de Menino são bem inferiores ao de Danilo.

A solução encontrada por Abel foi recuar um pouco mais o camisa 25, que passou a ser mais ativo na saída de bola e menos participativo na conclusão das jogadas dentro da área adversária. Zé Rafael agora também tem mais liberdade, assim como os laterais que avançam “dobrando” com os pontas, revezando ora na amplitude, ora no jogo por dentro.

Podemos ver que essa solução deu bastante certo, com a equipe melhorando seu desempenho defensivo no mês de maio. Mesmo com as lesões de dois importantes jogadores da linha de defesa (Marcos Rocha e Murilo), o Verdão não sofreu gols em cinco das nove partidas durante o mês, tendo a meta vazada apenas quatro vezes, números muito melhores do que os apresentados em abril.

Com esse crescimento, a segunda metade da maratona teve o Palmeiras se classificando contra a forte equipe do Fortaleza na Copa do Brasil, o encaminhamento da vaga para as oitavas da Libertadores e a manutenção da invencibilidade no Brasileirão. Foram cinco vitórias, três empates e uma derrota, justamente no jogo de volta contra a equipe cearense, após uma boa vitória por 3×0 no primeiro jogo.

Se o calendário brasileiro pode ser visto como essa ultramaratona com obstáculos, na qual o maior desafio é ir sobrevivendo, podemos dizer que a equipe palestrina conseguiu passar relativamente ilesa nesses primeiros dois meses de definição. Quando comparamos esses resultados aos obtidos pelas outras equipes que disputam a Libertadores, vemos como é complicado manter bons resultados com tantos jogos disputados.

Dos sete brasileiros que disputam a competição continental, apenas Palmeiras, Atlético-MG, Flamengo e Fluminense se encontram no G6 do Brasileirão neste momento. Entre os mesmos sete, só Palmeiras, Athlético-PR, Corinthians e Flamengo estão nas quartas de final da Copa do Brasil. Ainda dentro destas sete equipes, Palmeiras, Athlético-PR, Atlético-MG e Fluminense venceram seus respectivos estaduais. Por fim, na própria Libertadores, apenas Palmeiras e Athlético-PR se classificaram para as oitavas de final com um jogo de antecedência, enquanto Atlético-MG, Flamengo, Fluminense e Internacional precisam garantir pontos para se classificarem na última rodada (o Corinthians, fazendo jus a sua história no torneio, já está eliminado).

Agora finalmente acontecerá um  período sem jogos por conta de mais uma data FIFA. Será o momento de realizar mais ajustes, descansar e se preparar para as novas maratonas que virão, com as quartas de final da Copa do Brasil contra o São Paulo, o início do mata-mata da Libertadores e a sequência do Brasileirão. A chance de novos títulos em 2023 é mais do que real, mas os jogadores precisarão continuar mostrando a resiliência de verdadeiros maratonistas para que continuemos vivos nas três frentes.

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P.S.: Apenas para não passar batido, os valores cobrados pelo Palmeiras para assistir jogos no Allianz ou comprar produtos da equipe continuam sendo uma obscenidade. O valor mais barato para o confronto frente o Barcelona-EQU, como sempre, é no setor Gol Norte, local onde ficam as organizadas e que raramente tem ingressos disponíveis na venda geral (após a preferência dos sócios-torcedores), com o preço de 180 reais. O anel superior é comercializado por 220 e 240 reais, e o valor chega a 360 reais na Central Oeste.

Nos últimos dias também foram lançados dois novos produtos pelo Palmeiras: as versões de manga longa dos uniformes de jogo 1 e 2 por 399 reais (versões masculina e feminina) e uma camisa comemorativa em alusão aos 30 anos do título paulista de 1993 por mais de 250 reais, numa versão feita pelo próprio clube, e não pela fornecedora Puma. Parece até sacanagem o clube ter uma campanha chamada “Palmeiras de Todos”, que faria muito mais sentido se chamasse “Palmeiras de Poucos”. E alguns ainda têm a coragem de criticar a galera que compra camisas falsificadas…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. Futebol brasileiro, teste de sobrevivência. Ludopédio, São Paulo, v. 168, n. 14, 2023.
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