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Existe explicação para uma casa vazia em jogo de Libertadores?

Terça-feira, 10 de março de 2020. Após vitória fora de casa na estreia do time na Taça Libertadores seis dias antes, o Palmeiras estreou diante de sua torcida na competição continental. Jogo com altos e baixos e vitória por 3 a 1 com grande atuação de Luiz Adriano, autor de todos os gols palestrinos. Em um grupo considerado dos mais fáceis, a equipe de Luxemburgo já começa a encaminhar sua vaga na fase mata-mata, já que mantém os 100% de aproveitamento nos dois jogos disputados. Fugindo, porém, da atuação palmeirense dentro das quatro linhas, quero chamar atenção para a baixa lotação do Allianz Parque, que sem dúvidas desapontou quem esperava uma casa cheia.

O público total de Palmeiras 3 x 1 Guaraní (PAR) foi de 28.267 pagantes, para uma renda de pouco mais de 1,9 milhão de reais. Segundo o site oficial do Allianz Parque, o estádio tem capacidade para 42 mil pessoas. Mesmo considerando uma parte dos assentos sendo reservada para a torcida visitante, que não compareceu, pensar numa lotação de pouco mais de dois terços do estádio mostra uma política de ingressos totalmente equivocada por parte da diretoria palmeirense.

O jogador Luiz Adriano, do Palmeiras, comemora seu gol contra o Guaraní, do Paraguai, durante partida válida pela segunda rodada, fase de grupos, da Copa Conmebol Libertadores, na arena Allianz Parque. Foto: Cesar Greco.

Para entender tal política de preços, precisamos entender também o sistema de sócio-torcedor palmeirense. São sete planos diferentes, sendo seis deles oferecendo descontos na compra de ingressos. O plano Bronze, mais barato dos seis, oferece 20% de desconto nos setores superiores do estádio, custando R$ 17,99 por mês. O plano Ouro, terceiro mais caro no valor de R$ 144,99 mensais, é o primeiro a oferecer a gratuidade de ingressos, sendo este no setor Gol Norte, onde se localizam as torcidas organizadas alviverdes. O plano mais caro é o Diamante, no qual pela bagatela de R$ 779,99 por mês, o sócio tem direito a gratuidade em todos os setores do estádio. Todos os planos tem uma pré-venda de ingressos exclusiva, e quanto mais caro seu plano, mais cedo você pode garantir sua entrada. Existe ainda um sistema de rating que premia os torcedores mais assíduos aos jogos, permitindo a compra dos ingressos antes da pré-venda de seu plano.

No jogo da Libertadores em questão, podíamos ver alguns setores com grande ocupação. Especificamente, o setor Gol Norte estava totalmente cheio – como sempre –, tendo o ingresso no valor de 100 reais. Os setores Superior Norte, Superior Leste e Superior Oeste também tinham ótimo público, com ingressos de 130 reais no Norte e 150 reais no Leste e Oeste. Os setores Gol Sul, Central Leste e Central Oeste, entretanto, pareciam ter mais lugares vazios do que ocupados. Com valores que variavam entre 200 e 270 reais, tanta desocupação não causa surpresa para ninguém, ainda mais quando vemos que os planos de sócio-torcedor mais populares oferecem maiores descontos exatamente nos setores Gol Norte e Superiores.

Esses números todos ganham ainda mais destaque quando comparados ao jogo Palmeiras 1 x 1 Ferroviária, no mesmo Allianz Parque, três dias antes da partida da Libertadores. Foram mais de 27 mil torcedores, para uma renda de 1,6 milhão, com uma equipe recheada de reservas em jogo totalmente sem apelo válido pela interminável fase de grupos do Campeonato Paulista. O preço dos ingressos? Entre 90 e 160 reais. Todos os lugares do campo estavam mais baratos se comparados ao jogo contra o Guaraní (PAR), e o setor Central Oeste chegava a custar 110 reais a menos! Isso só mostra que a torcida, apaixonada como é, comparece e apoia sempre que é possível, mas que a diretoria precisa urgentemente olhar para esse fator se não quiser o estádio vazio. Não pode ser deixado de lado que o Palmeiras já atuou seis vezes no ano como mandante, sendo cinco na cidade de São Paulo. Quanto mais alto o preço do ingresso, mais o torcedor tem que pesar em qual jogo ele quer e consegue ir, e mais vezes o estádio terá público abaixo do esperado.

O jogador Luan Silva, do Palmeiras, disputa bola com o jogador da Ferroviária, durante partida válida pela nona rodada, do Campeonato Paulista 2020, na arena Allianz Parque. Foto: Cesar Greco.

Dois mil e vinte tem sido um ano de acertos dos comandantes palmeirenses no geral, dentro e fora das quatro linhas. Tanto a postura do futebol masculino de contratar menos jogadores e usar mais a base, quanto o maior investimento no futebol feminino são fatores a se comemorar imensamente. Além dos times em si, a nova linha de uniformes de jogo das equipes de futebol resolveu abraçar o conceito de “time de todos os povos imigrantes”, não ficando restrita à comunidade italiana de forma boba e mesquinha. Tal campanha é muito mais interessante que a campanha passada onde o “time da inveja” parecia mais direcionada aos torcedores rivais do que aos próprios alviverdes. Para mostrar que é realmente o time de todos, porém, é preciso sair da publicidade e tomar ações mais concretas.

Primeiramente, baixar o preço dos ingressos e repensar também o preço dos planos de sócio-torcedor. É humilhante que o ingresso mais barato de um jogo do Palmeiras custe 10% de um salário mínimo. É ignorar nossa história, desconsiderar nosso tamanho. Em segundo lugar, pressionar as autoridades para finalmente encerrar o cerco da Rua Palestra Itália, local tradicional de concentração da torcida palmeirense pré-jogo, onde apenas torcedores com ingresso podem transitar atualmente. A festa da torcida não pode ser mais prejudicada do que já é. Inclusive, é importante ver como a festa da torcida é sempre mostrada em campanhas publicitárias das equipes, competições e canais de esportes ao mesmo tempo que não é mais permitida dentro dos estádios. Seja nas bandeiras, pirotecnia ou mesmo na presença da torcida visitante, as formas de torcer são cada vez mais sufocadas. É obrigação que todo time que se declara popular lute contra essa violência ao torcedor.

Festa da torcida palmeirense nos arredores da arena Allianz Parque. Foto: Reprodução/Twitter.

Por fim, deixo um relato e um apelo. Cheguei muito cedo ao Allianz para acompanhar o Palmeiras enfrentar o Guaraní, e antes das 20h00 já aguardava o início do jogo na arquibancada. Em certo momento, entra um homem bastante humilde na minha frente e começa a chorar copiosamente. Era a primeira vez que ele assistia a um jogo na casa de seu clube do coração. Esse homem de aproximadamente 50 anos fez toda a festa que tinha direito: tirou fotos, fez chamada de vídeo com a esposa, vaiou o aquecimento adversário, aplaudiu a entrada de nossa equipe. Antes do início do jogo, infelizmente, ele foi para outro lugar, então não mais o vi. Tenho absoluta certeza, porém, que nenhuma felicidade foi maior que a dele nesse jogo, ninguém comemorou mais os gols e que esse dia jamais será esquecido por ele. Espero apenas que ele possa vir a mais jogos e que outras pessoas que nunca conseguiram ver o Palmeiras jogando possam sentir a mesma emoção que ele sentiu. O Palmeiras é o time de todos, e já passou da hora de voltarmos a ter todos os públicos em nossa casa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gustavo Dal'Bó Pelegrini

Professor de Educação Física e mestrando na área de Educação Física e Sociedade. E um pouco palmeirense. @camisa012

Como citar

PELEGRINI, Gustavo Dal'Bó. Existe explicação para uma casa vazia em jogo de Libertadores?. Ludopédio, São Paulo, v. 129, n. 19, 2020.
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