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Futebol e Carnaval em São Paulo: ou o que restou das manifestações populares

Victor de Leonardo Figols 12 de fevereiro de 2018

O futebol e o carnaval são as maiores manifestações populares do Brasil. São elementos constituintes da nossa identidade, elementos que sempre tiveram uma forte ligação. E na cidade de São Paulo, a história do carnaval se confunde com a história do futebol.

A relação entre futebol e carnaval paulista é tão antiga e tão estreita, que remontam os primeiros anos do século XX. A Vai-Vai, uma das mais tradicionais agremiações da cidade surgiu de uma dissidência do time de futebol Cai-Cai, ainda nos anos 1930. Nesse mesmo período, diversas outras agremiações nasceram, a maioria delas com uma presença negra relevante, e localizados em bairros mais periféricos da cidade, na região da várzea, onde o futebol era muito popular. É sempre bom lembrar que a prática do esporte e as rodas de samba foram duramente reprimidas na cidade de São Paulo, no começo do século.

Em 1933, o carnaval de São Paulo começava a ter as suas primeiras competições. A Frente Negra Brasileira organizou a Taça Arthur Friendenreich, em homenagem ao jogador negro que marcou a história do futebol brasileiro. A taça era uma forma de valorizar as agremiações de raízes africanas, que estavam excluídas dos concursos das agremiações tidas como oficiais. A taça teria uma nova edição no ano seguinte, com o título par a Vai-Vai.

Em 1935, a prefeitura começou a organizar uma competição única em que reunia as agremiações, os blocos e os cordões. Essa estrutura mudaria na década 1940, com a separação entre os clubes e blocos. Em 1950, ainda que pequeno, o desfile das escolas de samba de São Paulo começava a ganhar relevância, mas a profissionalização só viria na década seguinte, com o surgimento de escolas inspiradas nas agremiações do Rio de Janeiro.

São Paulo- SP, 01/03/2014 - A escola de samba Gaviões da Fiel -Foto: Claudio Lira/ LIESSP
São Paulo- SP, 01/03/2014 – A escola de samba Gaviões da Fiel. Foto: Claudio Lira/ LIESSP.

No final da década de 1960 e início dos anos 1970, o desfile das escolas de São Paulo, com incentivo da prefeitura, e com as escolas se organizando em torno da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, o desfile começou a crescer. Com as mudanças estruturais, o interesse da televisão foi inevitável. A Rede Globo passou a transmitir o carnaval do Rio de Janeiro e São Paulo em 1970, e a festa popular das ruas, passou a ganhar a cara de um programa de televisão.

Os anos 1980 foram definitivos para criar uma cisão entre o desfile das escolas e o carnaval de rua. Enquanto no Rio, o então governador Leonel Brizola criava o sambódromo na Marquês de Sapucaí, o carnaval de São Paulo mudaria para as arquibancadas do Anhembi, no começo dos anos 1990. Nos bastidores da televisão, Rede Globo e a TV Manchete brigavam pelo o carnaval de 1984. A transmissão da Manchete definiu a cobertura dos desfiles, transformando-o em um grande espetáculo televisivo, padrão que a Rede Globo copiou. Essa apropriação da festa popular transformou o carnaval, principalmente na cidade de São Paulo, onde os blocos carnavalescos de rua perderam força.

E o futebol? Entre os anos 1970 e 1980, o futebol paulista viu surgir as primeiras torcidas organizadas, dentre elas a Gaviões da Fiel (1969), Independente (1972) e a Mancha Alviverde (1983). Essas torcidas foram fundamentais por garantir a festa das arquibancadas dos estádios de São Paulo, com bandeirões e papéis picados, característico do futebol paulista, mas foram reprimidas.

A perseguição se intensificou em 1995, com a fatídica batalha do Pacaembu, que deixou mais de 100 feridos. De lá para cá, diversas determinações proibiram a festa das arquibancadas. Dos bandeirões aos instrumentos musicais, as arquibancadas paulistanas perderam seus elementos mais típicos, e sofrendo uma grande transformação na forma de torcer. Caminho sem volta, depois da modernização dos estádios, e o surgimento das arenas dos últimos anos.

Com as constantes expulsões das torcidas dos estádios, as organizadas encontram refúgio no carnaval. Em 2018, o carnaval de São Paulo conta com quatro agremiações ligadas ao futebol: Independente e Dragões da Real (do São Paulo), Mancha Verde (Palmeiras) e Gaviões da Fiel (Corinthians), sendo que as duas últimas são mais tradicionais do carnaval.

Oitavas de final da Copa Libertadores da América - 28/04/2016 - São Paulo 4x0 Toluca - Foto do autor
Oitavas de final da Copa Libertadores da América – 28/04/2016 – São Paulo 4×0 Toluca. Foto: Victor Figols.

A trajetória do futebol e do carnaval paulista sofreram diversas mudanças. Em momentos, essas trajetórias se distanciaram, mas nunca se apartaram. São manifestações populares que durante anos adquiriram novos significados, foram apropriando elementos novos, e foram ressignificados. A televisão mudou a dinâmica do carnaval de São Paulo, e as constantes proibições que afetaram as torcidas, mudou a festa das arquibancadas.

A resposta à elitização que essas manifestações tiveram são um pouco semelhantes. O carnaval de rua da cidade se São Paulo vem crescendo muito nos últimos anos, mesmo com medidas da prefeitura para conter esse crescimento. Ao passo, que as festa das torcidas, que antes eram nas arquibancadas, hoje também são nas ruas, na porta dos estádios, com os bandeirões, instrumentos e sinalizadores.

Referência:
Relações entre futebol e Carnaval na cidade de São Paulo 

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Futebol e Carnaval em São Paulo: ou o que restou das manifestações populares. Ludopédio, São Paulo, v. 104, n. 12, 2018.
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