175.3

Futebol e política na Alemanha Oriental: a ligação e intervenção da Stasi no BFC Dynamo durante a guerra fria (1947-1991)

O presente texto é um resumo da apresentação realizada no V SEMINÁRIO DO LAPHIS e tem como objetivo compreender a ligação politica que a Stasi (Staatssicherheit), serviço de inteligência e principal organização de polícia secreta da República Democrática Alemã, dispôs sobre o clube BFC Dinamo (Berliner Fussball Club Dynamo e. V.) durante a separação da Alemanha em dois lados com o muro em Berlim, de um lado a Alemanha Ocidental e a campanha norte-americana, e a Oriental, submetida a União Soviética e que vamos nos limitar durante o trabalho.

Sabemos que a frase “Futebol e politica não se misturam” está enraizada nos discursos presentes em nosso cotidiano e ficou mais literal nas redes sociais principalmente nos últimos acontecimento políticos. Portanto, este estudo busca demostrar que sim, futebol e política se misturam e muitas das vezes são utilizados como fortes instrumentos destes aparatos institucionais, como a exemplo a relação e usos do Dynamo e a Stasi. Como método de pesquisa, foram utilizados leituras de artigos, livros e jornais, além de podcasts que ajudaram na discussão e contextualização do clube. Como referencial teórico foi utilizado o livro “Esporte, poder e relações internacionais” de Douglas Wanderley de Vasconcellos, “Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia” de Luiz Guilherme Burlamaqui e o podcast “Fronteiras Invisíveis do Futebol” comandado por Filipe Figueiredo e Matias Pinto. 

Muitas vezes em discussões entre amigos, familiares ou nas redes a frase “futebol e politica não se misturam” é mencionada com frequência, se pensarmos nos últimos momentos políticos do Brasil as mesmas se intensificaram e ganharam novos tons, quando um jogador posicionava contra ou favor de determinado politico ou um clube/torcida realizasse qualquer ato em defesa a aspectos politizados, aparecia uma chuva de comentários contendo a frase mencionada. Para Douglas Wanderley de Vasconcelos, o “Esporte, que serviu de móvel, mote e meio de propagandas nacionalistas, de teatro de peças políticas, de palanque de discursos populistas e de plataforma de pretendido domínio ideológico”. Sob a perspectivas desses usos o seguinte trabalho buscou demostrar que essa dicotomia entre futebol e política esta bem longe de acontecer e mesmo quando pensamos que não, seja de maneira explícita, simples e discreta o esporte esta inserido ou muitas vezes sendo utilizado como ferramenta política.

Após a Segunda Guerra Mundial iniciou uma disputa entre duas potências tornando o mundo geopoliticamente bipolarizado. De um lado estava Estados Unidos da América (EUA) e do outro a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ambos saíram vencedores do conflito e buscavam uma afirmação quanto potência mundial iniciando assim corrida armamentista, espacial, entre outras. Quando mencionamos essa divisão podemos citar a Alemanha e o simbólico Muro de Berlim. Durante a Conferência de Postdame foram realizados  acordos e o país localizado na Europa Ocidental foi dividido em quatro partes sendo conhecida como Alemanha Ocidental (Zona Britânica, francesa e Americana) que posteriormente realizaram um acordo, e Alemanha Oriental (Zona Soviética) e que nos concentraremos adiante.

Divisão Alemanha

Com a divisão tínhamos a República Federal Alemã com sua capital em Bonn e República Democrática Alemã (RDA) ou DDR (Deutsche Demokratische Republik) com capital estabelecida em Berlim. O lado Oriental em busca de auto afirmação e com a ideia de construir uma nova identidade para Alemanha com um viés socialista utilizou da imagem e influência de Karl Marx, que se tornou símbolo dando origem ao FC Karl-Marx-Stadt em 1976 localizado em Chemnitz no leste Alemão.

Um meio utilizado para alcançar os objetivos apresentados era a repressão, junto desta nova face que a URSS buscava dar a Alemanha, junto a ela vinha uma das maiores policias politicas secretas do mundo. A STASI ou Staatssicherheit foi criada em 1950 pelo Ministério para segurança do Estado e tinha como objetivo servir como um aparato de vigilância que prestava serviços de inteligência e utilizava de métodos de opressão ligeiros a exemplo de manipulações psicológicas.  

FUTEBOL NA DDR

Em 1951 a DDR solicitou adesão à FIFA e em 1952/53 se torna membro pleno da instituição, ocorrendo em 1949 a criação da DS-Oberliga (Deutscher Sportausschuss Oberliga ou Sports Alemães Associação Superior League) tendo inicio em 1958. O campeonato nacional da Alemanha Oriental possuia 4 tipos de clubes, Vorwäts, clubes dedicados ao exército; FCs, clubes de dedicação exclusiva ao futebol; BSG, ligados a empresas e Dynamos clubes com vínculos policiais.

BFC Dynamo
Ol 87/88 BFC Dynamo – 1. FC Loc Leipzig, 12.03.1988 | eBay

Dynamo Berlim

O Berliner Fussball Club Dynamo e. V., conhecido como Dynamo Berlin ou BFC Dynamo era um clube que servia a STASI, mas a história de sua existência é mais complexa. Em 1953 com a criação da Oberliga o clube Dynamo Dresden localizado no estado da Saxónia se tornou popular por ter sido o primeiro campeão da liga. Erich Mielke chefe da STASI e posteriormente presidente do BFC Dynamo, reconhecendo a importância do clube para a construção do governo, resolve migrar o time de Desden para a capital alterando a nomenclatura do mesmo para Dynamo Berlim com a ideia de que o time bom tinha que ser da capital, pois a maioria da população de Berlim torcia para times ocidentais a exemplo do Hertha BSC. De início houve enorme resistência dresdense que permaneceu e veio a dar origem a um dos maiores clássicos da Alemanha Oriental no qual falaremos posteriormente.

Em 1970 o clube da STASI recebeu grandes investimentos e tinha o melhor estádio do país, mas a pergunta que fica é, o Dynamo Berlim teve sucesso ou fracasso? Em 79/80 o clube apresentou a melhor temporada em competições internacionais, chegando nas quartas de finais da Copa dos Campeões perdendo o segundo jogo em casa, no cenário da Alemanha Oriental os outros clubes não tinham base forte e os maiores rivais do BFC Dynamo eram os Vorwäts e essa disputa rolava fora dos campos em busca das contratações de jogadores. De 77 a 91 o BFC foi decacampeão seguido com várias acusações e denúncias de intervenção política no clube, jogos, doping e alegações de que a STASI forçou a substituição de um juiz que estava “atrapalhando o clube”.

F.C. Dynamo 1978-1979
F.C. Dynamo 1978-1979. Foto:ndesarchiv, Bild 183-U0529-0306 / Mittelstädt, Rainer / CC-BY-SA 3.0

Conforme o governo oriental perdia força o Dynamo Berlim também, em 1988 o Dynamo de Dresden que havia retomado as atividades retoma sua hegemonia e o clube de Berlim entra em declínio. Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a unificação da liga em 1991 o BFC fica de fora e não ganha vaga por conta do mau desempenho ficando na segunda divisão. Com a queda do governo o clube perdeu as ajudas arbitrárias, investimentos do governo e crucialmente torcedores, que migraram para o Union Berlim que era um time de sindicato, trabalhadores, entre outros. Muitos largaram o Dynamo Berlim por raiva do governo e outros apenas torciam por medo da opressão.

“Para a Stasi , os protestos contra o Dynamo de Berlim foram altamente explosivos, e qualquer crítica ao Dínamo foi entendida como crítica à Stasi.”

Dr. Historiador Philipp Springer

Após a queda do Muro de Berlim o BFC Dynamo tentou limpar a história comunista e alterou o nome para FC Berlim, causando revolta nos torcedores que permaneceram, alegando o gosto pela tradição do clube, com as reivindicações a diretoria retornou com o nome Dynamo Berlim. Como mencionado após a migração do Dynamo Dresden para Berlim e a repaginação realizada pela STASI o original time de Dresden é recriado na cidade gerando uma grande rivalidade entre os clubes e as torcidas, tendo o famoso clássico Dynamo Desden x BFC Dynamo.

A situação dos clubes decaiu em comparação ao desempenho durante a existência da Alemanha Oriental, mas o que chama atenção é o declínio do BFC Dynamo. Atualmente o time de Dresden joga a segunda divisão da Bundesliga, já o BFC Dynamo está na quarta divisão da Fußball-Regionalliga campeonato de caráter semi-profissional.

Portanto, é importante perceber que Futebol e Política não só se misturam como se fundem, o declínio do Dynamo pós queda da STASI é inegável, afinal, o aparato institucional utilizou o clube como sua própria imagem por meio da manipulação e usos para afirmação. A convergência entre os dois era tão indissolúvel que a queda de um levou a queda do outro, como mencionado por Springer, qualquer critica ao clube era uma critica a STASI.

 

REFERÊNCIAS

Berliner Fussball Club Dynamo e. V

BURLAMAQUI, L. G.. Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia. Tempo, v. 27, n. 1, p. 222–227, jan. 2021.

CORNELSEN, Elcio Loureiro. Vozes da prisão de Höhenschönhausen: testemunhos da opressão na República Democrática Alemã. Contingentia, 2019.

Dynamo Berlin: o clube que assombrou a Alemanha Oriental e hoje vive no ostracismo.

GADDIS, John Lewis. A Guerra Fria, trad. Catalina Martínez Muñoz, RBA, Barcelona, 2008. APA

GASPAR, M. O virtual desaparecimento do Dínamo de Berlim, recordista da Alemanha Oriental

Gigantes de um tempo: por onde andam os maiores campeões da DDR-Oberliga (parte 2)

Schild und Schwert” des BFC Dynamo

VASCONCELLOS, Douglas. Esporte, poder e relações internacionais. 2008.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Bárbara Krisley Silva Ribeiro

Graduanda em história pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e coordenadora do Grupo de Estudos sobre história do futebol, vinculado ao Laboratório de pesquisa Histórica da PUC Minas

Como citar

RIBEIRO, Bárbara Krisley Silva. Futebol e política na Alemanha Oriental: a ligação e intervenção da Stasi no BFC Dynamo durante a guerra fria (1947-1991). Ludopédio, São Paulo, v. 175, n. 3, 2024.
Leia também:
  • 178.21

    Bayer Leverkusen – momentos felizes

    Alexandre Fernandez Vaz
  • 176.27

    Como Durkheim – com ajuda de Simmel – explicaria o futebol

    Rodrigo Koch
  • 176.11

    Beckenbauer e Zagallo: símbolos de alto rendimento da era de ouro do futebol

    Matheus Galdino