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Futebol e Terrorismo: quando a bola vira alvo

Victor de Leonardo Figols 17 de abril de 2017

Na última terça-feira, horas antes da partida entre Borussia Dortmund e Monaco, em jogo pelas quartas de final da UEFA Champions League, três explosões atingiram o ônibus da delegação do Borussia Dortmund. Apenas um ferido registrado, o zagueiro catalão Marc Bartra, com uma fratura no braço. Rapidamente a polícia e a inteligência alemã passaram a tratar o caso como terrorismo, e em questão de horas identificou três suspeitos, um deles reconhecidamente membro do ISIS (Estado Islâmico). O ocorrido reacendeu o alerta de que o esporte pode ser um possível alvo de ataques terroristas.

Torcedor do Dortmund. Foto: Peter Fuchs (CC).
Torcedor do Dortmund. Foto: Peter Fuchs (CC).

O objetivo do terrorismo moderno, como é entendido hoje, é acertar o Estado, tendo como alvo principal a população civil. Além de espalhar o medo, de chocar e escandalizar com explosões e ataques, a tática é criar a desinformação e a confusão, tanto civil, quanto policial. Mas o ataque só é bem sucedido, do ponto de vista dos terroristas, quando atinge a grande mídia, quando os atos são exaustivamente noticiados. Essa visibilidade e a comoção após os ataques ajudam a espalhar ainda mais o terror, não apenas em uma localidade específica, mas também em boa parte do mundo, produzindo um efeito em cascata de escala global, colocando em alerta as maiores potências mundiais. A dimensão global e a midiatização do esporte fez dele um possível alvo de atentados terroristas. É bem verdade, infelizmente, que já existe um histórico lamentável entre esporte e terrorismo, que será brevemente apresentado a seguir.

Nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, o grupo palestino Setembro Negro invadiu o alojamento da delegação de Israel, matou duas pessoas e fazendo mais nove atletas israelenses reféns. A reivindicação do Setembro Negro era a libertação de mais de 200 presos políticos palestinos que estavam sob o controle de Israel, o grupo usaria os reféns como moeda de troca. Em 1996, mais uma vez as Olimpíadas foi alvo de terrorismo. No dia 27 de julho de 1996, uma explosão ocorreu no Centennial Olympic Park, nas proximidades da Vila Olímpica, ferindo mais de 100 pessoas e vitimando fatalmente duas. O ataque em Atlanta foi atribuído a Eric Robert Rudolph, um membro do movimento supremacia branca cristã, de extrema-direita.

Placa em frente aos quartos dos atletas israelenses na Vila Olímpica de Munique
Placa em frente aos quartos dos atletas israelenses na Vila Olímpica de Munique. Foto: ProhibitOnions (CC BY-SA).

Em 2008, o maior rali do mundo, o Rally Dakar, foi cancelado devido à falta de segurança, principalmente na Mauritânia. O trajeto daquele ano sairia de Portugal, passando por Espanha, Marrocos, parte do deserto do Saara, Mauritânia e Senegal. A morte de turistas franceses, em dezembro de 2007, colocou o governo francês em alerta que acionou seu serviço de inteligência. As investigações deram conta de que membros da Al-Qaeda – grupo terrorista que prega o pan-islamismo, com base no fundamentalismo, e que disputa poder político no Oriente Médio e em alguns países islâmicos do norte da África – estava planejando o sequestro de pilotos, sobretudo os franceses. Diante da ameaça, a organização do Rally Dakar suspendeu o evento daquele ano. A edição seguinte foi transferida para a América do Sul.

No mesmo ano de 2008, na Maratona de Colombo no Sri Lanka, um atentado suicida, resultou em mais de 90 feridos, e na morte de 13 pessoas, dentre as vítimas fatais estava o técnico da equipe nacional de atletismo, um atleta e um ministro do governo daquele país. O ataque foi atribuído ao grupo Tigres de Liberação do Tamil Eelam, um grupo que busca a independência das províncias do norte e do leste do Sri Lanka, região conhecida como Tamil Eelam. Um ano depois, um novo ataque no Sri Lanka teria como alvo o esporte, desta vez foi a Seleção de Críquete, o esporte mais popular daquele país. O ônibus da equipe nacional se dirigia para o Paquistão quando foi atacado por pelo menos 12 homens armados. A polícia iniciou um tiroteio com os terroristas que durou cerca de meia hora, vitimando fatalmente seis policiais e dois espectadores, e ferindo seis atletas. Não se sabe ao certo qual grupo coordenou o ataque, mas segundo as autoridades de Sri Lanka, eram membros ligados aos atentados de 2009 em Mumbai, na Índia. Esses atentados duraram cerca de três dias, vitimando 195 pessoas e ferindo mais de 300, e contou com membros das organizações Mujahidin do Decão (Índia), Lashkar-e-Taiba (Afeganistão e Ásia Meridional), da Al-Qaeda (Afeganistão) e homens ligados a Dawood Ibrahim, um criminoso indiano que estabelecia relações com a Al-Qaeda e outras organizações de criminosas.

Maratona de Boston - Policiais e bombeiros no local da explosão
Maratona de Boston – Policiais e bombeiros no local da explosão. Foto: Aaron “tango” Tang (CC).

Outro atentando, também em uma maratona, aconteceu em Boston de 2013. Na ocasião, duas bombas explodiram durante o evento esportivo, causando a morte de três pessoas e ferindo outras 264. O ataque foi atribuído aos irmãos Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, de nacionalidade chechena. Os irmãos não estariam ligados a nenhum grupo terrorista, apenas motivados pelo extremismo islâmico e pelas guerras promovidas pelo EUA no Iraque e no Afeganistão.

Como as explosões da última terça-feira, o futebol já foi alvo de ataques terroristas em pelo menos cinco ocasiões. A Inglaterra recebia a Eurocopa de 1996, em Manchester, e uma carga explodiu em uma região movimentada da cidade, ferindo cerca de 200 pessoas. A explosão aconteceu um dia antes do jogo entre Alemanha e Rússia, que seria realizado no estádio do Manchester United. O Exército Republicano Irlandês (IRA), grupo paramilitar católico independentista, reivindicou a responsabilidade da ação.

Monumento às vítimas do ataque de Manchester em 1996
Monumento às vítimas do ataque de Manchester em 1996. Foto: Terry Whalebone (CC).

Em 2002, o Real Madrid recebeu o FC Barcelona em jogo válido pela semifinal da UEFA Champions League, quando um carro explodiu nas imediações do Estádio Santiago Bernabéu, ferindo 17 pessoas. O grupo do País Basco Euskadi Ta Askatasuna (ETA) reivindicou a ação. O ETA era um grupo que lutava pela independência da região do País Basco.  O grupo atuou fortemente entre os anos 1970 e 1980, tendo como alvo políticos espanhóis. Já no início do ano de 2011, o grupo declarou cessar fogo, e em outubro do mesmo ano declarou o fim de suas atividades.

Em 2010, a delegação da Seleção do Togo estava passando em Cabinda (Angola), uma região entre o Congo e a República Democrática do Congo, que é disputada por grupos independentistas, como a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). A seleção togolesa se deslocava para a capital da Angola, onde seria realizada a Copa Africana de Nações, e foi surpreendida por um ataque da FLEC, as Forças Armadas Angolanas que acompanhava a delegação revidou. O confronto acabou tirando a vida de três pessoas, o motorista do ônibus e dois atletas, além de ter ferido outras nove pessoas. A Seleção de Togo abandonou a competição.

Também em 2010, durante a Copa do Mundo de Futebol, três bombas explodiram em Kampala, Uganda, perto de um grupo de pessoas que estavam assistindo a final entre Espanha e Holanda, pelo menos 50 pessoas perderam suas vidas no ataque. O grupo Al-Shabaab, da Somália, assumiu a autoria do ataque, aqui vale dizer que este grupo é uma ramificação da Al Qaeda.

Em 2015 a França já estava em alerta após os atentados ao Charlie Hebdo, quando, em jogo amistoso entre França e Alemanha, pelo menos três bombas explodiram nos arredores do Stade de France. Além das bombas, a cidade de Paris registrou ataques em três pontos, com explosões e tiroteio, que ao todo tirou a vida de 18 pessoas e fez dezenas feridos. Mesmo após as explosões, a partida continuou, mas após o apito final, a torcida foi impedida de deixar o estádio, que invadiu o gramado em busca de mais segurança. O grupo ISIS assumiu a autoria dos ataques.

As partidas da UEFA Champions League, ou as que envolvem seleções como a Eurocopa, a Copa Africana de Nações e até mesmo a Copa do Mundo, chamam a atenção do mundo todo, e os estádios lotados fazem do futebol alvo perfeito. Somados a isso a circulação de altos valores, a popularidade mundial e midiatização colocam o futebol na mira de grupos terroristas. Esse breve panorama apresentado mostra que o esporte, e principalmente o futebol, estão suscetíveis a ataques de diversos grupos terroristas.

Referência

7 Other Sports-related Attacks

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Futebol e Terrorismo: quando a bola vira alvo. Ludopédio, São Paulo, v. 94, n. 18, 2017.
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