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Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 1): consolidações, oscilações e liquidez comportamentais

Rodrigo Koch 20 de outubro de 2023

Desde 2011 venho pesquisando o fenômeno contemporâneo da Futebolização, em especial na porção nordeste do Estado do Rio Grande do Sul (KOCH 2017; 2018b; 2018c), tendo realizado também investigações em solo valenciano (KOCH 2022b; 2022c) e europeu (KOCH 2022a). A partir da defesa da tese de doutorado (KOCH 2018a), foi deixada uma agenda de pesquisa em aberto, na qual me proponho a realizar um monitoramento constante nos comportamentos dos jovens gaúchos aficionados por futebol, justamente para confirmar e alimentar o conceito da Futebolização e suas produtividades nos aspectos de consumo da modalidade, tanto de artefatos em si – na condição de ‘bens’ tangíveis – como de conteúdos lançados diariamente na mídia – sendo estes produzidos por grandes veículos de comunicação, plataformas streaming, influencers, social medias, ou pelas próprias celebridades do futebol.

Depois de já ter feito um estudo comparativo entre os dados coletados dos comportamentos de 2017 e 2020 (KOCH 2021a), apresento neste texto e em um próximo (parte 2), os números de 2023, para que através das análises iniciais e futuras seja possível estabelecermos indicativos de comportamentos que estejam consolidados e outros que apresentam oscilações e mudanças a cada triênio, no mundo líquido contemporâneo.

A Futebolização – fruto da globalização a partir do futebol midiatizado, espetacularizado e mercantilizado, principalmente a partir dos anos 1990 – está imersa em um campo fluído que apresenta variações de tempos em tempos (sem que haja uma norma para cada período temporal) e, por isso, se transforma e se transfigura em cada espaço que penetra e a cada instante, adquirindo também contornos locais. A Futebolização pode também ser considerada uma pedagogia cultural, pois desde a emergência dos Estudos Culturais a pedagogia passou a ser entendida como um mecanismo de ensinamento ou difusão de modos de ser e pensar, ou seja, a pedagogia não se limita a práticas escolares explícitas ou institucionalizadas. Uma pedagogia cultural pode ser qualquer mecanismo midiático ou social capaz de ensinar algo para alguém. A Futebolização está imersa na cultura e sem dúvida alguma produz seus ensinamentos. As infâncias e juventudes futebolizadas circulam, exibem e desfilam pelas vias urbanas e redes sociais com os escudos, as marcas e os valores deste futebol pós-moderno. Sem que percebam, celebram e difundem estes valores entre os pares.

Fonte: Google Images

Metodologia

Os dados apresentados neste texto são de 2017, quando foram entrevistados 287 jovens de ambos gêneros (masculino e feminino) na faixa etária entre 15 e 20 anos que frequentavam o Ensino Médio e o Ensino Superior; de 2020, quando participaram de um questionário online, enviado por e-mail, 316 jovens também de ambos gêneros na faixa etária entre 19 e 25 anos que frequentavam o Ensino Superior; e de 2023, novamente por questionário online enviado por e-mail, com 213 jovens de ambos gêneros na faixa etária entre 15 e 30 anos que frequentavam o Ensino Médio e o Ensino Superior. As coletas ocorreram no Rio Grande do Sul, principalmente, em cidades da região nordeste e leste do Estado, que concentram a maior parte da população, além de ser o espaço geográfico onde estão as duas regiões metropolitanas do Estado: Porto Alegre e Caxias do Sul. Também são as cidades onde estão sediados os principais clubes de futebol do Rio Grande do Sul, portanto, um locus mais profícuo para a coleta dos dados.

Formas e frequências com que os jovens acompanham futebol

A condição de acompanhar o futebol muito mais pela mídia do que frequentando os estádios está consolidada para a juventude gaúcha futebolizada. Nas três coletas realizadas, – em 2017, 2020 e 2023 – o índice se manteve em torno de 85% daqueles que seguem clubes e celebridades futebolísticas através da tv, plataformas streaming, canais exclusivos, e outras formas midiatizadas. Entre os homens, em 2020, antes do período pandêmico houve um leve aumento de frequência aos estádios, mas que não se manteve. Através deste comportamento, podemos elencar algumas hipóteses que vão desde as dificuldades financeiras e logísticas para assistir sua agremiação e ídolos preferidos in loco, passando pelo aumento da violência e criminalidade nos grandes centros urbanos e entorno das arenas esportivas, até chegar a novos hábitos da juventude pós-moderna que prefere acompanhar os eventos através dos diversos ângulos oferecidos pela mídia e que opta por conteúdos fragmentados, como os compactos (melhores momentos) dos jogos de futebol e, assim ao invés da assistir apenas uma partida, acompanha todos os jogos da rodada ou de diversos campeonatos quase ao mesmo tempo e no mesmo turno no qual se dedicam ao entretenimento próprio; ou melhor, decidem em que período do dia ou da semana vão acompanhar seu time e/ou celebridade do momento. Em 2023 foi possível observar que quanto menor a idade do aficionado, mais ele acompanha o futebol pela mídia em detrimento do espetáculo in loco. Entre os menores de 23 anos, mais de 90% optam por acompanhar futebol pela mídia.

Dados em %. Fonte: KOCH 2017; 2020; 2023

A questão seguinte deste estudo, ratifica os dados já apresentados. Quando perguntados sobre quantas vezes ao ano assistem jogos de futebol em estádios, há uma grande parcela dos jovens – principalmente entre o público feminino – que nunca assistiu a um jogo de futebol no estádio ou que raramente vai assistir jogos em estádios, ou seja, até hoje foram uma única ou poucas vezes na vida, portanto nos últimos anos talvez não tenham ido acompanhar seus ídolos de perto. Compreendemos neste item que, apesar dos avanços sociais das últimas décadas bem como a transformação dos estádios em arenas, este espaço ainda se mantém masculinizado para um público jovem adulto e, por vezes, segue sendo pouco convidativo para famílias e mulheres.

Dados em %. Fonte KOCH 2017; 2020; 2023

Por fim, nesta parte introdutória da investigação, a terceira pergunta confirma a condição da juventude futebolizada, fazendo enlace com as duas primeiras questões. A maioria dos jovens (cerca de um terço na média geral) assistem em média de uma a três partidas de futebol por semana, sendo que entre os homens o índice aumenta para cerca de 5 jogos por semana e, entre as mulheres houve período em que caiu para um ou menos de um jogo por semana. Vale destacar nesta questão, que em 2023 podemos verificar que entre os mais jovens a maioria assiste mais de 5 jogos de futebol por semana.

Dados em %. Fonte KOCH 2017; 2020; 2023

O consumo do futebol para a juventude gaúcha pós-moderna

Entre os artefatos mais consumidos pela juventude gaúcha futebolizada estão as camisetas oficiais dos clubes e celebridades, com os índices oscilando entre homens e mulheres, ou seja, aqui o consumo é fortemente igual independente do gênero. Na sequência, a bola – elencada na pesquisa somente em 2017 – também continua sendo um item bastante procurado. Chama atenção para os produtos listados a seguir. Em 2023, inserimos na tabela as plataformas streaming e a mídia de um modo geral, que passou a ocupar o terceiro posto na média geral – ou o segundo nesta última coleta. Em breve análise, podemos apontar que a produção de conteúdo relacionado ao futebol, passou a ter grande importância para a juventude futebolizada. Os conteúdos e quem os produz passaram a ter valor igual ou maior aos produtos em si. No caso do futebol, a informação impressa, apresentada em formatos adequados às circunstâncias e conveniências, é combinada com material audiovisual que constitui um reservatório histórico quase infinito – onde são registradas inúmeras façanhas futebolísticas – e permanentemente atualizado com o que acontece no mundo, sem levar em conta as distâncias dos cenários onde ocorrem os eventos. Em quarto lugar estão os jogos eletrônicos, com preferência maior entre os meninos, assim como chuteiras e/ou tênis. O segmento feminino se destaca nos itens camisetas alusivas e demais acessórios, onde em todos os anos em que foram coletados dados, as mulheres apresentaram índices superiores aos homens. Aos saudosistas fica a lástima que o futebol de mesa (ou futebol de botão como é conhecido no Rio Grande do Sul), que já foi ‘coqueluche’ entre crianças e jovens no século passado, esteja perdendo interesse e seja o item menos citado entre os produtos relacionados ao futebol que são consumidos na contemporaneidade. São sinais da pós-modernidade, onde os artefatos eletrônicos e midiáticos ganharam maior visibilidade e se tornaram mais atraentes à juventude.

Dados em %. Fonte: KOCH 2017; 2020; 2023

Algumas considerações

Vale lembrar aos leitores que este estudo vem sendo desenvolvido com jovens aficionados por futebol, portanto tratam-se, também, de identidades mutantes ou em constantes transformações e adaptações ao meio; pois no processo da Futebolização, cada um pode escolher sua agremiação ou celebridade preferida a cada semana ou rodada do campeonato, mas se mantém vinculado ao futebol, seja em maior ou menor grau, a partir das produtividades geradas pelo clube ou ídolo ao qual se afilia. Existem maneiras diferentes e diversificadas de crianças e jovens acompanharem, participarem, contextualizarem e dimensionarem o futebol em suas vidas, identidades e/ou fragmentações identitárias. Destaca-se também que este é um recorte do Estado do Rio Grande do Sul, portanto, poderemos ter variações em outros territórios e/ou períodos. No próximo texto, apresentarei os dados relativos as preferências clubísticas e aos ídolos e celebridades da juventude gaúcha futebolizada.

Referências

KOCH, Rodrigo. A JUVENTUDE FUTEBOLIZADA DE CANELA/RS. Publicatio UEPG: Ciências Sociais Aplicadas, v. 25, p. 317-327, 2017.

KOCH, Rodrigo. Identidades em construção: um olhar sobre a Futebolização da juventude no Ensino Médio. Tese (Doutorado em Educação). UFSM, Programa de Pós-Graduação em Educação, Santa Maria/RS, 2018a.

KOCH, Rodrigo. Olhares sobre a Futebolização da Juventude no Ensino Médio na Região das Hortênsias. In: MARCELINO, Bruno César Alves. (Org.). Dossiê Cultura em Foco: Cultura e Decolonialidade na América Latina. 1ed. Foz do Iguaçu: Editora CLAEC, 2018b, v. 1, p. 230-250.

KOCH, Rodrigo. Indícios de uma euro-futebolização no Sul do Brasil. FuLiA, v. 3, p. 146-169, 2018c.

KOCH, Rodrigo. FUTEBOLIZAÇÃO: Identidades torcedoras da juventude pós-moderna. 1. ed. Brasília: Ministério da Cidadania – Secretaria Especial do Esporte / Trampolim Editora, 2020a.

KOCH, Rodrigo. DA ARQUIBANCADA PARA O HIPERESPAÇO MIDIÁTICO: o torcedor pós-moderno. In: CARNEIRO, Emmanuel Alves; RIBEIRO, Kléber Augusto; ROCCO JUNIOR, Ary José. (Org.). GESTÃO DO FUTEBOL: perspectivas e desafios para o futuro. 1ed. Curitiba: Editora CRV, 2020b, v. 1, p. 159-170.

KOCH, Rodrigo. Produtividades e transformações da Euro-Futebolização de jovens no Rio Grande do Sul. In: MATIAS, Wagner Barbosa; ATHAYDE, Pedro Fernando Avalone. (Org.). NAS ENTRELINHAS DO FUTEBOL: espetáculo, gênero e formação. 01ed. Curitiba: Editora CRV, 2021a, v. 02, p. 69-86.

KOCH, Rodrigo. Como será o torcedor de futebol pós-pandemia? Indicativos do Rio Grande do Sul de novas identidades torcedoras. FuLiA, v. 6, p. 28-49, 2021b.

KOCH, Rodrigo. Cultura, Identidade e Futebolização: na Europa Contemporânea. 1. ed. Chisinau, Republic of Moldova: Novas Edições Acadêmicas, 2022a.

KOCH, Rodrigo. A LIQUIDEZ DAS RELAÇÕES DO TORCER NA CONTEMPORANEIDADE: aproximações comportamentais entre jovens gaúchos e valencianos. Cadernos Zygmunt Bauman, v. 12, p. 92-114, 2022b.

KOCH, Rodrigo. REGIONALISTAS E NACIONALISTAS, HÍBRIDOS E FLÂNEURS OU PUROS: IDENTIDADES FUTEBOLIZADAS DE CRIANÇAS E JOVENS NA COMUNIDADE VALENCIANA. ESPORTE E SOCIEDADE, v. 18, p. 01-28, 2022c.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

KOCH, Rodrigo. Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 1): consolidações, oscilações e liquidez comportamentais. Ludopédio, São Paulo, v. 172, n. 20, 2023.
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