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Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 2): competições, clubes, celebridades e fidelidade

Rodrigo Koch 1 de novembro de 2023

Dando sequência ao primeiro texto desta investigação (KOCH 2023), apresentarei nesta segunda parte os dados referentes às preferências por competições, torneios e eventos; de clubes, e o grau de fidelidade pelos mesmos; e das celebridades, e o peso e importância dessas no circuito da Futebolização da juventude do Rio Grande do Sul. Vale lembrar que o fenômeno pós-moderno da Futebolização apresenta variações de tempos em tempos, levando em consideração a liquidez das relações e, também que este estudo é um recorte temporal e espacial, portanto, a Futebolização pode e deve, naturalmente, apresentar outros traços e contornos em espaços e períodos diversificados. Os aspectos metodológicos, de forma resumida, estão expostos no primeiro texto deste trabalho.

futebol gaúcho
Montagem das preferências de equipes e competições da juventude gaúcha futebolizada sobre a bandeira do Rio Grande do Sul. Fonte: Reprodução

Campeonatos e Torneios preferidos pela juventude gaúcha futebolizada

O Campeonato Brasileiro, seguido da Copa Libertadores da América foram as duas competições mais citadas pelos entrevistados nos três anos (2017, 2020 e 2023) de coleta de dados nesta pesquisa. Portanto, trata-se de uma condição consolidada e ratificada. Os torneios que reúnem os principais clubes brasileiros são os mais apreciados pela juventude gaúcha futebolizada. A Copa do Mundo FIFA passou a ser o terceiro torneio de preferência, provavelmente, pelo evento no Catar em 2022. Logo em seguida, aparece a Champions League, que dispensa apresentações e maiores explicações. Trata-se nas últimas décadas da maior competição futebolística mundial, reunindo as grandes estrelas da modalidade e que atrai aficionados do mundo inteiro; lógica que está tentando ser quebrada e desconstruída pelos árabes na contemporaneidade, conduzindo seguidores futebolizados para a Saudi Pro Legue e Asia Champions League. Destaca-se ainda, entre as cinco competições mais apreciadas pelos jovens gaúchos a tradicional Copa América, torneio sazonal mais antigo do planeta, com oscilações nos índices de preferência.

Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)
Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)

Entre as competições nacionais internacionais houve uma inversão de importância entre a Premier League (Campeonato Inglês) e a La Liga (Campeonato Espanhol). Nos últimos anos o campeonato nacional da Espanha perdeu boa parte de suas grandes estrelas que migraram para outros países e, enquanto isto os clubes ingleses passaram a dominar os torneios europeus, atraindo o interesse da juventude. Neste segmento, chama atenção o crescimento da Major League Soccer (MLS ou Campeonato Norte-Americano de Futebol) que praticamente quadruplicou o público interessado depois da transferência de Lionel Messi. O mesmo fenômeno se aplica a Saudi Pro League (Campeonato Saudita) que em 2017 e 2020 nem mesmo foi citada e, agora apresenta números interessantes por conta da importação de vários jogadores que estavam na Europa, entre eles Cristiano Ronaldo e Neymar Jr. Esta situação é condição marcante da Futebolização, onde o indivíduo apresenta maior valor de mercado do que o coletivo ou a instituição. No item seguinte, apresentarei breves análises sobre o valor das celebridades neste enredo.

Em 2017, na primeira coleta, os eventos de futebol feminino não estavam listados entre as opções de escolha para o público pesquisado e, também acabaram não sendo citados na lacuna em branco disponibilizada. A partir de 2020, as competições de futebol de mulheres passaram a obter certo prestígio entre os jovens do Rio Grande do Sul, com maior preferência no segmento feminino, mas também com bons índices entre os homens. Levando em consideração somente os números dos últimos dois anos de coleta de dados, ou seja, o último quinquênio, a Copa do Mundo de Futebol Feminino ocupa a sexta posição em preferência para os jovens do Rio Grande do Sul.

Fidelidade à clubes e a relação com ídolos e celebridades

Naturalmente os clubes de preferência da juventude gaúcha futebolizada são Grêmio FBPA e SC Internacional. Há ainda no Rio Grande do Sul – diferentemente de outras partes do Brasil e do planeta – uma identidade vinculada aos ‘clubes da terra’, mas esta condição que no passado era motivo de orgulho para os familiares tricolores ou colorados, na contemporaneidade já pode ser e vem sendo subvertida. Encontra-se, por exemplo, uma parcela de jovens futebolizados que acompanham e se identificam com ambos, mas não só com Grêmio e Inter; ou seja, nutrem certa simpatia pelos clubes locais e também por clubes de outros pontos do país e do mundo. Na média, a parcela daqueles que ‘torcem’ para Grêmio FBPA ou SC Internacional e outros atinge quase dois terços da população jovem. Aqueles que poderíamos chamar de “torcedores puros ou fiéis” (torcem somente para Grêmio ou Inter) somam 33,8% na média das coletas realizadas em 2017, 2020 e 2023. Vale destacar que este índice oscila, portanto, há períodos em que a fidelidade é colocada à prova, como por exemplo quando o ‘time do coração’ é rebaixado de divisão e o aficionado migra para um clube vencedor ou com mais chances de obter conquistas. Dentre as multiplicidades do torcer há o fato curioso daqueles que acompanham clubes antagônicos, seja em território nacional ou internacional, portanto seguem por exemplo Grêmio FBPA e SC Internacional, Real Madrid CF e Barcelona FC, ou Manchester United FC e Manchester City FC simultaneamente. Provavelmente são jovens futebolizados que trocam de time a cada semana ou rodada de campeonato, mais uma das condições marcantes da Futebolização. Quanto menor a idade, também é menor este antagonismo, portanto o comportamento é registrado em maior grau (quase  25%) entre os aficionados de 26 a 30 anos de idade.

Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)
Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)

Neste cenário, com exceção de Grêmio FBPA e SC Internacional que mantém seus índices em certa medida consolidados, observamos que os demais clubes de preferência oscilam seus índices de acordo com as conquistas que obtém e/ou com as celebridades que vestem suas camisetas. Os espanhóis Real Madrid CF e Barcelona FC que dominaram o mercado por quase duas décadas – tendo períodos em que superavam a dupla Gre-Nal – perderam terreno nos últimos anos para clubes ingleses, o FC Bayern Munich ou o Paris Saint Germain FC. O caso do clube parisiense é curioso, pois a ‘onda’ de ‘novos torcedores’ – impulsionada pela série de contratações feitas nos últimos anos – do PSG foi global, mesmo que o clube nunca tenha tido uma grande conquista internacional. De forma significativa – por conta das recentes transferências dos já veteranos Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar Jr – começam a circular pelas ruas crianças e jovens com as camisetas do norte-americano Inter Miami CF, e dos árabes Al Nassr FC e Al Hilal SFC. Nos dados de 2023 os três clubes já são citados com índices que superaram tradicionais equipes brasileiras, sul-americanas e europeias.

Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)
Fonte: KOCH (2017, 2020, 2023)

Portanto, a Futebolização apresenta ainda mais uma condição marcante. Há seguidores, aficionados, torcedores e futebolizados de celebridades e não de clubes. Quando seu ídolo de preferência troca de equipe ele migra conjuntamente para a nova agremiação. Este fato explica o grande número de seguidores de Real Madrid CF e Barcelona FC quando CR7, Messi e Neymar ainda estavam por lá e os dois clubes espanhóis dominavam as competições na Europa, bem como o rápido crescimento de seguidores do Paris Saint Germain FC e em menor medida da Juventus FC quando os astros se transferiram para lá e, agora a recente emergência do Inter Miami CF e dos times árabes. Não há dúvidas que uma celebridade futebolística tem um peso enorme no circuito do futebol pós-moderno. Os dados comprovam tal afirmação, pois há estrelas do futebol que para a juventude gaúcha representam mais que alguns clubes. Em uma comparação, com as médias dos três anos de coleta, Messi fica atrás somente de Grêmio FBPA, SC Internacional e Ral Madrid CF. Neymar Jr, com exceção da dupla Gre-Nal, está à frente de qualquer clube brasileiro e, Cristiano Ronaldo que oscilou nos últimos anos quando passou por Juventus FC e Manchester United FC – vem novamente recuperando seu espaço de preferência mesmo aos 38 anos de idade e próximo do fim da carreira. Os ídolos atuais de Grêmio FBPA (Suarez) e SC Internacional (Valencia) estão em destaque na tabela, bem como alguns que tiveram períodos profícuos recentemente em ambas as equipes.

Fonte: KOCH (2023)
Fonte: KOCH (2023)

Considerações Finais

Conforme indiquei ao final da minha tese (KOCH 2018), há a necessidade de uma agenda de pesquisa de longo prazo para continuar a conhecer como se expressam as identidades juvenis a partir de processos culturais globais e locais – como é o caso da Futebolização –;  descrevendo as condições locais e aspectos midiáticos e como estes influenciam as identidades juvenis na contemporaneidade; ou seja, monitorar constantemente as produtividades da Futebolização na (des)(re)construção das identidades juvenis e como estas são transformadas e veiculadas nos espaços sociais. Os futebolizados apresentam interações com o futebol através da mídia; buscando uma multiplicidade de experiências no futebol; adotando postura afastada aos clubes; e trocando as lealdades com base no sucesso competitivo ou na identificação mediada com grandes celebridades. O habitat natural deste torcedor pós-moderno é a “arena virtual”, onde busca sensações do futebol representadas pela televisão, internet e, também pelos games e fantasy leagues. Há ocasiões em que se congregam, simulando a paixão pelo clube de futebol parecendo fanáticos. As identidades, ou melhor, as fragmentações identitárias, são baseadas no movimento constante, cada vez mais em termos virtuais, mudando de clube como se muda de canal de televisão, em busca de sensações, excitação, e assim observam diversas agremiações, jogadores e nações. Acredito que a maioria dos jovens sejam flanadores, mas também há fãs, fanáticos e seguidores, em processos identitários nos quais condições modernas se mesclam com as socialidades pós-modernas.

Referências

KOCH, Rodrigo. Identidades em construção: um olhar sobre a Futebolização da juventude no Ensino Médio. Tese (Doutorado em Educação). UFSM, Programa de Pós-Graduação em Educação, Santa Maria/RS, 2018.

KOCH, Rodrigo. Futebolização: identidades torcedoras da juventude pós-moderna. Brasília, DF: Trampolim Editora/Ministério da Cidadania, 2020.

KOCH, Rodrigo. Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 1): consolidações, oscilações e liquidez comportamentaisLudopédio, São Paulo, v. 172, n. 20, 2023.

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Como citar

KOCH, Rodrigo. Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 2): competições, clubes, celebridades e fidelidade. Ludopédio, São Paulo, v. 173, n. 1, 2023.
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