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Geografia e regionalização do Campeonato Paulista de futebol: uma proposta para fórmula de disputa baseada no critério de proximidade geográfica

O futebol no Brasil não é apenas um esporte. É com toda certeza, umas das mais importantes manifestações culturais do país. Além de despertar paixões diversas, influencia o comportamento de milhões de pessoas (incluindo o fluxo de torcedores) e suas diferentes manifestações, origina a produção e o consumo de diversas mercadorias e, logicamente, movimenta grandes somas de dinheiro. É tema de inúmeras discussões, principalmente devido ao fato de apresentar muitos problemas de organização. Problemas como os de infraestrutura (condições precárias das instalações futebolísticas), público escasso, violência, pequena renda, falência de clubes, entre outros. Estes são apenas alguns dos problemas mais evidentes que ocorrem no futebol brasileiro de forma geral e, mais especificamente, no futebol paulista.

Após muitas discussões sobre a realidade do futebol paulista, pensou-se em contribuir com uma proposta que envolvesse o conhecimento adquirido na universidade, ou seja, integrar a Geografia e o Futebol, apresentando uma proposta simples aos interessados em futebol (torcedores, imprensa, dirigentes) e envolver as Instituições de Ensino Superior nestas discussões. A proposta está baseada também na experiência dos autores como torcedores, seja dos clubes de suas cidades no interior, seja dos clubes da capital. Alguns dos problemas existentes foram vivenciados pelos autores no interior e na capital, principalmente no que se refere à má acomodação nos estádios e a escassez de público.

Espera-se também que esta proposta venha a estimular e reavivar as rivalidades regionais entre os clubes do interior, ou seja, estimular os chamados ”derbys”, atrair maior público aos estádios dos clubes pequenos e que, com a diminuição dos custos aos clubes, estes possam investir na qualidade de infraestrutura, preparação física e na formação de base (e que aqueles que estão fechados ou licenciados possam retornar a disputar o campeonato, valorizando e fortalecendo o caráter regional (e regionalista) do Campeonato Paulista.

A PROPOSTA

O Brasil é um país de dimensões continentais e muitos de seus estados, possuem área maior do que a de muitos países. O estado de São Paulo, com uma área de 248.209 km², tem um campeonato de futebol no qual as equipes têm que percorrer grandes distâncias durante o período de competição, o que onera excessivamente os mesmos com todos os custos decorrentes de extensos deslocamentos (gastos com combustível na ida e no retorno, hospedagem e alimentação da equipe e comissão técnica, etc.), além do cansaço e outros inconvenientes causados por viagens de longa duração, já que a maioria dos clubes paulistas utiliza ônibus para o deslocamento de suas equipes.

Pelos mesmos motivos, é muito difícil também que os torcedores dos clubes visitantes possam acompanhá-los nos jogos fora de casa. A proposta de reformular as divisões, de modo que os clubes gastem menos com as despesas citadas anteriormente, está baseada principalmente no critério da proximidade geográfica entre os municípios, mas também considerou-se a facilidade de acesso (disponibilidade de estradas e rodovias) e a regionalização administrativa.

Nas tabelas a seguir, fez-se o cálculo da distância percorrida e do tempo aproximado de viagem de um clube do interior durante a primeira fase do campeonato paulista da série A3, para realizar os jogos “fora de casa” no ano de 2011. Do mesmo modo, calculou-se a distância percorrida e o tempo de viagem para a realização dos jogos do mesmo clube na disputa de um campeonato baseado na proposta apresentada no artigo.

Tabela 1. Distância percorrida em 2011 pelo EC Taubaté na disputa da série A3 (considerando apenas a primeira fase do campeonato). Clique na tabela para ampliar.

Dessa forma, um pequeno clube do interior paulista, como o EC Taubaté, com infraestrutura modesta e recursos limitados, percorreu em ônibus no ano de 2011, para disputar apenas nove jogos, uma distância quase equivalente à distância entre Taubaté-SP e Macapá-AP, que é de aproximadamente 3516 km.

Tabela 2. Distância que seria percorrida de acordo com a proposta do artigo. Clique na tabela para ampliar.

Embora, na tabela 2 (de acordo com a proposta), o número de jogos seja menor do que na primeira situação (tabela 1), ainda assim, mesmo que fosse realizado o dobro de partidas (10 jogos), a distância percorrida seria muito menor do que no primeiro caso. Isso significa que os 3694 km percorridos em 9 jogos na tabela do campeonato de 2011, seriam diminuídos para 982 km, o que significaria uma economia de 2712 km percorridos. Além disso, seguindo-se a proposta da tabela 2, seria desnecessária a saída com muitas horas de antecedência para os jogos, bem como hospedagem e alimentação em hoteis. O desgaste seria menor e um número muito maior de torcedores poderia acompanhar o seu time nos jogos “fora de casa”.

Caso seja considerada a tabela de 2012, com um grupo único de 20 times, a distância a ser percorrida se torna muito maior, trazendo mais desgaste e ônus financeiro, totalizando absurdos 6346 km percorridos nas 9 rodadas da primeira fase em que o “Burro da Central” jogará “fora de casa”, além de aproximadamente 76h50min de viagens. Mesmo que ocorra auxílio financeiro para o custeio das despesas com viagens, o desgaste físico e mental dos atletas ainda será muito intenso.

Tabela 3. Distância que será percorrida na tabela de 2012 – série A3. Clique na tabela para ampliar.


A mesma projeção pode ser generalizada para os outros clubes que disputam o campeonato paulista, principalmente aqueles que integram as séries A2 e A3 e a Segunda Divisão.

As séries A1, A2, A3 e a Segunda Divisão do Campeonato Paulista de Futebol, correspondem a 4 divisões. Qualquer clube que venha a ingressar na última divisão do campeonato levaria no mínimo quatro anos para disputar a primeira divisão, isso no caso de conseguir acessos consecutivos. Isso se deve, no entender dos autores, ao número excessivo de divisões. Esse número de divisões mantém clubes rivais da mesma região afastados por muitos anos, impossibilitados, portanto, de disputar partidas válidas pelo campeonato paulista até que consigam os acessos necessários para enfrentar seus maiores rivais. Ex.: Taubaté e São José, Rio Claro e Velo Clube, Internacional e Independente, etc.

Vista noturna do Estádio Martins Pereira, no dia 14 de abril de 2010, durante a partida dentre o São José Esporte Clube e o Guaratinguetá. Foto: Nadelschwein – Wikipédia.

A principal alteração na estrutura do campeonato seria a diminuição do número de divisões de quatro para duas. Dessa forma o tempo que um clube levaria para chegar à primeira divisão diminuiria para no mínimo um ano de disputa. O campeonato apresentaria duas divisões principais, e nas regiões com muitos clubes haveria subdivisões em grupos. A primeira divisão seria como nos moldes atuais, com um número de clubes definido pelos critérios da FPF. A grande mudança estaria nas outras divisões. Haveria uma grande segunda divisão estadual (seriam extintas a série A3 e a Segunda Divisão), disputada por todos os outros clubes que não estivessem na primeira divisão. Estes seriam divididos em subdivisões regionais fixas. Ex.: Região do Vale do Paraíba, da Grande São Paulo e Baixada Santista, de Campinas, etc.

Os clubes se enfrentariam dentro de suas respectivas divisões em uma primeira fase sem rebaixamento (como já ocorre de forma semelhante na Copa FPF e em campeonatos regionais amadores do estado de São Paulo). Os campeões (e, talvez, também os vices) de cada uma das oito regiões se enfrentariam na segunda fase (em mata-mata ou outra fórmula) até que o campeão e o vice (a critério da FPF) conseguissem o acesso à primeira divisão. A primeira divisão manteria a fórmula de disputa atual. No caso de um, dois ou mais rebaixados, estes teriam que tentar o regresso após disputarem a Segunda divisão em sua respectiva subdivisão regional. Ex.: no caso de Botafogo e Portuguesa de Desportos serem rebaixados, teriam que disputar no ano seguinte o campeonato da Segunda divisão respectivamente nas regiões de Ribeirão Preto e da Grande São Paulo. Isto diminuiria sensivelmente os custos dos clubes com viagens e faria do campeonato paulista um campeonato de clássicos, tanto no interior do estado, como na Grande São Paulo. A rivalidade sadia entre municípios próximos e clubes da mesma cidade seria estimulada, já que se enfrentariam em seus grupos regionais.

A Séria A1 ou Primeira Divisão ficaria como é atualmente, sem grandes alterações, composta por 20 clubes. Já a grande Série A2, seria dividida regionalmente em oito campeonatos menores e com uma fase final entre os campeões (e possivelmente os vices) de cada região. Cada região, de acordo com o número de clubes e de acordo com a organização local, teria entre 10 e 15 clubes, com remanejamentos necessários para a Região do Vale do Paraíba ou formação de dois grupos no caso de regiões com muitos clubes, como nas Regiões 1 e 2, logo abaixo.

• 1. Região da Grande São Paulo e Baixada Santista (dividida em dois grupos devido ao grande número de times).
• 2. Região de Campinas (dividida em dois grupos devido ao grande número de times).
• 3. Região de Sorocaba.
• 4. Região de Ribeirão Preto.
• 5. Região Central.
• 6. Região Noroeste.
• 7. Região Oeste.
• 8. Região do Vale do Paraíba.

A fórmula de disputa da segunda divisão teria que ser modificada eventualmente, já que seria possível que em determinadas regiões, o número de clubes mudasse de um ano para o outro. Isso poderia ocorrer quando os clubes que conseguissem o acesso para a Primeira Divisão não fossem da mesma região daqueles que fossem rebaixados. A fórmula de disputa das finais também poderia ter pequenas diferenças de uma região para a outra (mata-mata, quadrangular, semi-finais, apenas um turno, turno e returno, etc.), devido ao número de clubes não ser igual em todas as regiões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso salientar que a proposta contida neste texto está aberta a modificações, de acordo com o interesse das partes envolvidas. Encontrou-se algumas divergências nas fontes utilizadas no que se refere ao exato número de clubes em atividade, filiados ou que estão licenciados. No entanto, acredita-se que esse fato não chegou a alterar de forma significativa o levantamento de dados e a compreensão dos leitores.

De acordo com o exposto, pode-se pensar no campeonato paulista da segunda divisão como um campeonato formado por campeonatos menores, de abrangência regional. Espera-se que com essa proposta, tenha-se traçado uma alternativa para que os clubes do interior possam recuperar suas finanças, diminuindo gastos com viagens, hospedagens, alimentação, entre outros.

Esta fórmula de regionalização dos campeonatos de futebol é semelhante às já praticadas nos Jogos Regionais de São Paulo, em campeonatos de futebol de divisões inferiores da Europa, bem como em esportes praticados nos EUA (neste caso, quando não há rebaixamento e as divisões são fixas). Dessa forma, o objetivo não foi propor algo novo, mas, sim, colocar em discussão, de forma simples e direta, propostas que possam beneficiar os clubes do estado de São Paulo, principalmente os do interior.

BENEFÍCIOS ESPERADOS

• Diminuição dos gastos com viagens (incluindo necessidade de hospedagem).
• Diminuição do tempo de viagens (ida e retorno no mesmo dia).
• Menor desgaste (físico e mental dos atletas).
• Diminuição do tempo de concentração.
• Aumento do número de clássicos.
• Possibilidade de transmissão pelas TV’s regionais.
• Possibilidade de elaboração de pacotes de ingressos para os jogos.
• Aumento na arrecadação e no público nos estádios.
• Incentivo à rivalidade regional.
• Aumento do número de “caravanas” para acompanhar os times nos jogos “fora de casa”, devido à proximidade entre os municípios, ao menor custo de viagem e à possibilidade rápido retorno.
• Disputa de “títulos regionais”, que estimulariam a rivalidade entre clubes da mesma região. Ex.: Campeão do Vale do Paraíba, Campeão da Região Central, etc.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

FREITAS JUNIOR, Gerson de; CAETANO, Vinícius Duarte. Geografia e regionalização do Campeonato Paulista de futebol: uma proposta para fórmula de disputa baseada no critério de proximidade geográfica. Ludopédio, São Paulo, v. 65, n. 8, 2014.
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