Gol da exclusão: o futebol brasileiro e a distância entre paixão e realidade
Diante dos processos históricos, podemos analisar que a estrutura social do Brasil foi marcada por uma política escravista, beneficiando o homem branco e rico. No entanto, tal característica social não obteve alterações significativas na sociedade brasileira contemporânea. Nesse sentido, como referenciado por Roberto da Matta, é totalmente possível obter uma compreensão desse cenário nacional por intermédio do futebol:
“Quando eu ganho uma certa compreensão sociológica do futebol praticado no Brasil, aumenta simultaneamente minhas possibilidades de melhor interpretar a sociedade brasileira” (DAMATTA, 1982).
Sendo assim, nesse texto discutiremos como o futebol vêm excluindo dos estádios o seu principal patrimônio: o povo periférico que possui baixo poder aquisitivo. Uma situação que é feita durante toda a história brasileira em vários aspectos!
Antes de esboçarmos as principais discussões desse texto, é importante fazermos breves apontamentos de como o futebol se estabeleceu no território brasileiro.
A priori, no Brasil, o futebol chegou por intermédio dos Ingleses, Holandeses e Franceses, tendo como principal transmissor o Charles W. Miller, um brasileiro de origem inglesa. De 1894, quando chega o esporte futebolístico no nosso país, até meados de 1920, momento que o esporte deixa de ser amador e torna-se profissional, o ludopédio era um esporte totalmente elitista, praticado apenas por jovens brancos e ricos, descendentes da aristocrática colônia inglesa no Brasil.
Diferente do futebol praticado atualmente,
“o futebol no Brasil era exclusivamente praticado pela elite. Isso porque apenas os jovens mais abastados, que estudaram na Europa, é que tiveram oportunidade de manter os primeiros contatos com esse esporte, hoje com milhões de adeptos em todo o mundo” (AFIF, 1997).
Dessa maneira, podemos identificar que o futebol já em seus momentos iniciais desenrolou-se de forma totalmente excludente. Entretanto, diante da sua consolidação no território do “país do futebol”, essas regras foram se perdendo. De modo que a cada estrela que encantava os olhos dos espectadores eram, quase em sua totalidade, pretos ou pobres.
“Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o estudante, o branco, tinha de competir, em igualdade de condições, com o pé rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto, para ver quem jogava melhor.” (FILHO, 2003).
Com isso, as condições de pertencer a classe alta para fazer parte dos onze dentro de campo se reverteram. Hoje, infelizmente, quem é, gradualmente excluído do esporte futebolístico é o torcedor. Sendo este impedido de fazer parte do melhor momento do torcer.
As arquibancadas dos estádios de futebol encontram-se cada vez mais vazias. Essa triste realidade é causada por diversos fatores, mas principalmente pelo aumento dos preços dos ingressos, que a propósito, não são encontrados com certa facilidade impressos, obstaculizando ainda mais para uma grande parcela da população que não são adeptos da tecnologia. Cria-se assim, nas arquibancadas, uma estrutura elitizada e branca que pouco exala sua paixão ao torcer. Possuindo uma característica mais formalizada, adeptos as novas “exigências” midiáticas. Com isso, pouco se vê a exatidão do torcer ao comemorar um gol nas arquibancadas hodiernamente.
A principal estratégia para esse futebol moderno, que exclui as pessoas de baixa renda, proíbe as festas, e encarecem os ingressos é política. A população rica de classe alta não necessita manifestar contra o sistema, pois, ele o beneficia. Entretanto, as camadas sociais menos favorecidas são obrigadas a protestar para obter o básico, o mínimo de dignidade na sociedade.
Nesse sentido, o futebol sendo o esporte mais populoso, com maior representatividade na mídia, tornou-se, também, uma ferramenta política para manifestações dos direitos humanos. Tendo como ilustração, a repercussão nas redes rociais e nas maiores emissoras do mundo, sendo tema de debate central, um dos atos de racismo que o jogador Vinicius Jr sofreu na competição La Liga (Campeonato Nacional da Espanha), em março de 2023. Além de outras centenas de manifestações políticas que torcedores já fizeram nos estádios, contrariando a idealização que o sistema tem para o Povo.
O processo de elitização e modernização sofrido no esporte brasileiro, cópia de uma cultura europeia, corrobora para a argumentação dos diretores dos clubes que o alto valor dos ingressos se dão pela estrutura que os times precisam manter se utilizando da bilheteria, sendo isto uma falácia. Tendo em vista que os clubes que possuem as maiores receitas no Brasil, Flamengo e Palmeiras, são adquiridas por meio de premiações das conquistas nas competições e transmissão de televisão.
Além disso, o aumento dos valores dos ingressos, processo que distancia o torcedor do seu clube, escancara um racismo e preconceito da sociedade para com o povo de classe baixa. Em uma entrevista para o jornal O Lance, em 2010, J. Hawilla, que já foi um dos maiores investidores do futebol brasileiro, relata:
“A turma que vai à geral agora, ficará assistindo só na tevê. É gente que não consome nada, depreda e mata no metrô. Não interessa mais ao futebol. Dá orgulho ver o público pagar R$ 300,00 pelo ingresso”.
Essa exposição de ideias mercenárias a cerca do futebol não é uma questão isolada, não à toa que torcedores com características iguais ao do Seu Expedito, torcedor “raiz” do Flamengo, dificilmente frequentam aos estádios para torcer e vibrar pelo seu time de coração.
A política de exclusão desses torcedores das arquibancadas atesta que as organizações do esporte no Brasil nada entendem sobre o que é o futebol e o amor que o torcedor tem para com este. Principalmente para com o seu clube. O futebol, atualmente, representa a elite branca que usufrui deste apenas como um mecanismo de investimento, diferente do torcedor raiz, que vive o Esporte Bretão.
Portanto, a inacessibilidade para o povo da periferia, demonstra um esporte não democrático e de total retrocesso da luta dos trabalhadores para com o acesso dessa arte que é o futebol. Além disso, um país desigual, tal qual é o Brasil, manter valores de ingressos absurdamente altos, destoando inteiramente da realidade do torcedor, não deveria permanecer sendo referenciado como o “país do futebol”, tampouco, uma representação e reivindicação deste como elemento da identidade brasileira.
Referências
AFIF, A; Brunoro, J. C. Futebol 100% profissional. São Paulo: Editora Gente, 1997.
FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
DAMATTA, Roberto. Universo do Futebol, Esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Pinakothese, 1982.