97.4

Manias estranhas

Leandro Marçal 4 de julho de 2017

Minha mãe diz que tenho umas manias estranhas, coisa de gente meio doida.

Meu pai também diz. Minhas irmãs também. Meus amigos também. Minhas ex-futuras-namoradas também. Meus conhecidos também. Meus desconhecidos também.

Meus leitores… não tenho tanta certeza.

Entre umas e outras, uma das que mais gosto é perder um bom tempo no YouTube vendo lances de jogos antigos. De preferência, com a narração original da época.

Já acompanhei os melhores momentos de TODAS as partidas das Copas de 70 e 82 pelo menos umas 17 vezes. Aquele jogo fantástico do gol do Ronaldo, as defesas épicas de Taffarel e os berros histéricos/desesperados/eternos de Galvão Bueno contra a Holanda na Copa de 98, depois da apresentação de William Bonner chamando os lances de um partidaço em algum bloco do Jornal Nacional, foram umas 78 vezes, no mínimo.

Pode ser alguma nostalgia de uma época que nem vivi ou um anseio por ver como foi aquela partida antiga daquele gol, daquele cara, naquele campeonato, que meu pai tanto contou em detalhes repetidas vezes deitado no sofá da sala, enquanto minha mãe ou pedia silêncio ou reclamava do “senta que lá vem história” do velho careca há algumas décadas.

Outros casos é mesmo a saudade de pensar que, naqueles gols do mundial de 2005, por exemplo, eu via o esporte de outra forma, com outra visão. Talvez fosse mais lúdico, mágico e romântico, bem diferente de hoje, com um ceticismo voraz.

Vai ficando cada vez mais difícil acompanhar uma partida inteira, sem interrupção, com o celular apitando a todo instante e, na maioria das vezes, sendo mais atrativo do que o baixo nível técnico dos campeonatos por aqui.

futyoutube
Futebol no Youtube. Foto: Youtube (reprodução).

E eu, como um daqueles velhos que criam uma imagem distorcida do passado, começo a pensar que antes tudo era melhor, meu mundo do YouTube parece ser mais confortável do que a mediocridade do que é apresentado no dia a dia, ao vivo na tela dos infinitos canais de TV por assinatura.

Elas também não escapam de meu garimpo de vídeos, quando vou à caça de programas antigos, debates memoráveis, momentos tão marcantes dos anos 90 e 2000. Porque parece mesmo que era tudo melhor. Naquele tempo, não havia um excesso de programas ao vivo repetindo debates sobre temas inúteis como tweets ou postagens dos boleiros, regados a piadinhas que nada acrescentam, penso eu.

Sei o que acontece do começo ao final de um vídeo antigo e vou atrás apenas do que era bom, ou do que quero. Aquele jogo, aquele lance, como foi mesmo? É fácil relembrar. Vai ver é a previsibilidade do que vai acontecer o que realmente me atrai por ali, ou um resgate histórico de quem tem na História um dos grandes vícios desde criança. A ânsia por contá-la é grande, rapaz.

Mas é mesmo uma mania estranha, talvez um pouco menos do que se conformar com os também estranhos costumes dos também estranhos agentes envolvidos nesse esporte nada estranho e das estranhas confederações e entidades. Estranho, muito estranho.

Não encontrei ninguém capaz de explicar o que nos leva a ter manias. Nem o que me atrai nos vídeos de jogos velhos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Manias estranhas. Ludopédio, São Paulo, v. 97, n. 4, 2017.
Leia também:
  • 154.1

    O clássico (da vez) da imprensa clubista

    Leandro Marçal
  • 135.69

    Donos da banca

    Leandro Marçal
  • 135.54

    Deixem o Cleber em paz

    Leandro Marçal