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Memórias de Arquibancada: Flamengo x Indepediente del Valle

Há mais de um ano não vou ao Maracanã. A última vez que pus os pés no icônico estádio foi na partida de volta da Recopa Sul-americana entre Flamengo e Independiente del Valle, dia 26 de fevereiro de 2020. O rubro-negro venceu os equatorianos por 3 a 0, com um a menos, diante de uma arquibancada lotada. Desde que a pandemia se instalou e nos privamos do contato uns com outros, tenho me lembrado, cada vez mais, com carinho e saudade de todas as vezes que pude ir a arquibancada.

Maracanã Flamengo
Pequena torcedora no Maracanã. Foto: Leila de Melo

Noite de quarta-feira de fevereiro, mais um jogo decisivo para o Flamengo de Jorge Jesus. Os torcedores esgotaram os ingressos e compareceram com a inabalável confiança de que o time não iria decepcioná-los. A escalação do time titular já estava na ponta da língua, nem precisava ser anunciada no telão, assim como eu já sabia de cor o melhor assento para ver a partida. Munida da minha cerveja de qualidade duvidosa e cara, sentei-me no setor superior norte e acompanhei o movimento das pessoas enquanto o jogo não começava.

Descrever o jogo seria tolice, vou focar no que importa de verdade, a arquibancada. A torcida. Nem parecia que era dia de semana, o Maracanã estava lotado, eu era apenas uma entre os 64 mil presentes, para ver o Flamengo conquistar o inédito título da Recopa Sul-americana.

Maracanã Recopa Sul-americana
Torcida lota Maracanã na Recopa Sul-americana. Foto: Leila de Melo

Intervalo da partida, vitória parcial por um a zero não inspirava grande confiança, principalmente com um jogador a menos, Arão havia sido expulso, enquanto a torcida se dispersava entre ir a lanchonete e ao banheiro, eu permaneci sentada. O fluxo contínuo de torcedores seguia passando a minha frente, os analistas futebolísticos de arquibancada sinalizavam as possíveis modificações que JJ deveria fazer para garantir o resultado.

Olho para um lado e rio com o espanto de um grupo de turistas europeus que fotografava absolutamente tudo que conseguia e quando eu olho para o outro, de repente, um pedido de casamento! E se eu tinha alguma dúvida sobre a vitória, vendo aquela declaração de amor, eu tinha certeza de que tudo findaria bem, ao menos para o Flamengo. Foi uma dessas cenas que só a torcida do Flamengo, em lua de mel com o time, é capaz de te proporcionar.

Sem camisa, com o cabelo descolorido, o rapaz se ajoelhou e mostrou a aliança. A menina que trajava camisa do time do coração (aquela em homenagem ao outubro rosa) se debulhou em lágrimas e alguém puxou o coro: “Ih, vai casar! Ih vai casar!”. Em retrospectiva, não sei se foi uma sentença de morte ou uma comemoração pelos noivos.

A bola rolou para o segundo tempo e não tinha mais cerveja para beber, os bares tinham acabado seu estoque. Já em campo o time voltou a ser a máquina de eficiência, apesar de estar com dez e Gerson foi o herói improvável do jogo. O volante fez dois gols, fechando o placar em 3 a 0. Vapo! O Flamengo fez a alegria dos noivos, dos gringos e de todos os flamenguistas mundo afora. Aquela fora a primeira vez que eu vi os rubro-negros levantando um caneco.

No caminho da volta a torcida era só festejos, a saída do estádio parecia aquecimento de bloco de carnaval, tamanha a agitação. Peguei uma van branca, discreta e levemente decrépita, além de não autorizada, com destino ao terminal de Niterói, para quem mora na região metropolitana do Rio de Janeiro, essa é uma das alternativas mais rápidas de se chegar em casa. O motorista tinha o apelido de Mamãe e o cobrador de Peleco. Sentado ao meu lado está Raul. Raul, um morador do bairro de Pendotiba, está vestido de Flamengo dos pés à cabeça: bandana, camisa, calção, meias e uma bandeira enrolada no pescoço. Embriagado, ele chorava cantando o hino e fazia uma vídeo-chamada com um outro flamenguista, esse em Nova Jersey. Raul narrou o jogo todo e sua emoção em ver um troféu sendo erguido, e o amigo, do outro lado da tela, chorava copiosamente, e eu esporadicamente balançava a cabeça confirmando a narrativa por ele contada.

A euforia era maior que o cansaço e os presentes na van não se cansavam de rememorar os lances da partida, reclamar da imprudência de Arão e de reafirmar que estávamos, como diria Bruno Henrique, em “outro patamar”. Ninguém imaginava o que estava por vir e lembrar disso agora, me bate uma tremenda saudade da aglomeração e da imprudência de um mundo que parece tão distante.

Há que se ter paciência, há que se respeitar as limitações impostas por esse vírus. Não sei quando irei ao estádio de forma plena novamente, mas aguardarei. Quem sabe novos pedidos de casamento, chamadas de vídeos emocionadas entre amigos e taças sejam levantadas quando pisar no Maracanã de novo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leila de Melo

Ex-atleta frustrada e jornalista por vocação. Fã de Kobe Bryant e de esquema 4-4-2. Escreve sobre esporte, porque a vida não  é o bastante. Jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Como citar

MELO, Leila de. Memórias de Arquibancada: Flamengo x Indepediente del Valle. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 40, 2021.
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