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Novas perspectivas sobre o Museu Brasileiro do Futebol

Este texto possui a proposta de fazer uma breve apresentação das salas do Museu Brasileiro do Futebol (MBF), localizado em Belo Horizonte. Além disso, serão feitas algumas reflexões a respeito da troca administrativa do MBF em que a Minas Experience Eventos LTDA passa a assumir a administração no lugar da Minas Arena Gestão de Instalações Esportivas S/A.

Inserido no Estádio Mineirão, a partir da reforma voltada para os jogos das Copas das Confederações de 2013 e, sobretudo da Copa do Mundo de 2014, o Museu Brasileiro do Futebol foi projetado para ser um dos legados desses eventos esportivos. Neste contexto, o principal propósito do MBF era de trazer ao público, histórias do Estádio Mineirão, do futebol mineiro, além do futebol no Brasil (COSTA, 2016). Compreendendo o futebol como um fenômeno sociocultural, o MBF possui a potencialidade, a partir do seu acervo, de proporcionar diversas experiências de aprendizado ao expor, pesquisar e preservar artefatos do futebol brasileiro.

Ao todo, o museu possui 15 salas interativas que buscam apresentar e problematizar como o futebol se tornou um dos elementos centrais da cultura brasileira, incluindo um auditório voltado para a realização de reuniões, seminários e palestras. A seguir, farei uma apresentação das referidas salas que possuem as seguintes denominações: “Intervalo da Leitura”; “Belo Horizonte e a Era Pré-Mineirão”; “Cinema”; “Mineirão: Construção e Inauguração”; “Sala das Fichas”; “Mineirão em Atividade”; “O Novo Mineirão”; “Sala das Confederações”; “Sala da Memória”; “Os Imortais do Futebol”; “ABC do Futebol”; “De Olho na Bola”; “Campos Gerais”; “Futebol e Outras Artes”; e por fim o auditório. 

Intervalo da Leitura

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Esse espaço explora a relação entre futebol e literatura. Foi planejado para ser um ambiente aberto para o público, que poderia ter acesso a esse local de forma gratuita (com as novas dinâmicas de visitação no museu, implementadas pela atual administradora, Minas Experience Eventos LTDA, o acesso a essa sala só é possível por meio da compra de ingresso. Essas alterações no funcionamento do MBF ocorridas por meio da mudança de administração, serão melhores exploradas mais adiante nesse artigo). Nessa sala, os visitantes podem interagir com os livros e revistas que ficam expostos no local.

 No acervo do “Intervalo da Leitura”, há em torno de 70 obras literárias, incluindo crônicas, romances, contos, biografias, poesias e, principalmente uma literatura voltada para o público infanto-juvenil, todas com a temática do futebol. 

Alguns eventos interessantes foram realizados nesse espaço como lançamento de livros e projetos educativos efetuados pela equipe do MBF. Pode-se destacar o lançamento do livro O Gol de Budi da autora Maíra Lemos, assim como o projeto de “Contação de Histórias” executado pelos Educadores do museu, que em algumas ocasiões interpretavam histórias de autoria própria.

Certamente, o “Intervalo da Leitura” possui a potencialidade de ser um espaço capaz de estimular a formação de novos leitores, da mesma maneira que pode proporcionar a difusão e preservação da história do futebol por meio das diversas obras literárias. 

Belo Horizonte e a Era Pré-Mineirão

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

A proposta dessa sala é apresentar a construção de Belo Horizonte entre 1894 e 1897, assim como o surgimento dos primeiros clubes de futebol na cidade. Nesse contexto, é mencionado o Sport Club Foot-Ball como o primeiro time futebolístico da cidade belorizontina, fundado em 10 de junho de 1904. Dando seguimento às primeiras décadas do século XX, a sala apresenta como a ocupação e o crescimento da cidade acompanhou a consolidação dos primeiros estádios da capital mineira. Nesse cenário, há o nascimento e a consolidação de três clubes: Atlético, América e Cruzeiro.  Outro importante momento histórico explorado nesse ambiente do MBF é a apresentação do Estádio Independência, palco de três jogos da Copa do Mundo de 1950, e que foi o maior estádio da cidade até a construção do Mineirão em 1965. Assim sendo, o percurso por essa sala do museu proporciona ao visitante uma reflexão sobre os tempos que antecederam e influenciaram a construção do Estádio Mineirão (COSTA, 2016). 

Na linha temporal abordada nessa sala, o visitante pode se inteirar do contexto que apresenta o surgimento do Prado Mineiro, primeira edificação com a natureza de stadium na cidade de Belo Horizonte. Uma importante observação, é que a construção do Prado Mineiro, à época representou, emblematicamente, o intuito de uma “cidade esportiva” (SOUZA NETO, 2017).

Na década de 1920, houve a construção de novos estádios em curto espaço de tempo. Explorando esse contexto, essa sala do museu apresenta imagens do Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira (inaugurado em setembro de 1923, sendo o Estádio que o Cruzeiro mandava os seus jogos); do Estádio Otacílio Negrão de Lima, mais conhecido como Estádio da Alameda, foi a casa do América durante mais de 40 anos, de 1929 a 1972; e do Estádio Presidente Antônio Carlos (pertenceu ao Clube Atlético Mineiro, que mandou seus jogos no local de 1929 a 1968).

Como mencionado anteriormente, na exposição da sala “Belo Horizonte e a Era Pré-Mineirão”, o Estádio Independência também é contextualizado. Para se refletir a respeito da história desse palco futebolístico da capital mineira, a citação a seguir traz importantes ponderações:

O Estádio Independência, oficialmente denominado Estádio Raimundo Sampaio, é uma das mais importantes praças esportivas do país, tendo sido inaugurado em 1950, servindo de sede mineira para a realização da Copa do Mundo de Futebol daquele ano. A sua construção é cercada de muitas perspectivas (econômicas, políticas, culturais), o que motiva uma mirada mais apurada sobre todo este processo. Ao contrário do que é comumente difundido pelo senso comum e por alguns materiais bibliográficos, são apresentados um conjunto de fatos históricos que nos permitem apontar que o estádio não foi edificado para atender à pretensão de sediamento da capital mineira, mas para atender ao antigo anseio de um clube da cidade, o Sete de Setembro, de possuir seu próprio espaço (SOUZA NETO; SOUTTO MAYOR; SILVA, 2022, p. 3).

Para a proposta desse artigo, buscou-se realizar uma breve descrição dessa sala do MBF e a sua potencialidade em apresentar a história da capital de Minas Gerais atrelada com a história do futebol na cidade. No entanto, não é o intuito desse texto aprofundar nas minuciosidades desse contexto histórico. Para este propósito, indica-se a leitura da tese intitulada Do Prado ao Mineirão: a história dos estádios na capital inventada, do autor Georgino Jorge de Souza Neto (2017), apresentada no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta obra, objetivou-se investigar o movimento e o contexto que permitiu a construção dos principais estádios de futebol na cidade de Belo Horizonte, e como esses se legitimam a partir do diálogo que estabelecem com o seu entorno social em diversos aspectos, sejam eles econômicos, políticos, culturais, dentre outros (SOUZA NETO, 2017). O artigo intitulado O Gigante do Horto: narrativas sobre a construção do Estádio Independência (1948-1950), também de autoria de Georgino Jorge de Souza Neto, juntamente com os pesquisadores Sarah Teixeira Soutto Mayor e Sílvio Ricardo da Silva (2022), certamente é outra leitura que contribui para se refletir sobre o futebol em Belo Horizonte, a partir de um recorte temporal que antecedeu a construção e a inauguração do Estádio Mineirão.

Cinema

Como o próprio nome diz, é um ambiente de um pequeno cinema dentro do museu. Nesse local, eram apresentados curtas-metragens com a temática do futebol. Uma apresentação audiovisual que era comumente apresentada nesse local, era um curta-metragem produzido pelo MBF que trazia vários relatos memorialísticos de torcedores e torcedoras a respeito das suas vivências no Estádio Mineirão. 

Mineirão: Construção e Inauguração[1]

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Nesse local, a exposição do museu é direcionada para a construção e inauguração do Estádio Mineirão, momento marcante para transformação do futebol no estado de Minas Gerais. Nesse ambiente, são apresentados fotografias e vídeos da construção, imagens da festa de inauguração, além de objetos relativos à abertura do Estádio que futuramente também ficaria conhecido carinhosamente como o Gigante da Pampulha.

A partir das exposições desse espaço do museu, é possível se apropriar de informações interessantes a respeito da história da construção do Mineirão. O projeto para a construção desse estádio de futebol foi iniciado em 1959 e a sua inauguração ocorreu no ano de 1965. A sua construção foi efetivada por meio de um convênio firmado entre o Ministério da Educação e Cultura, a Universidade de Minas Gerais (que cedeu uma parte do seu terreno para a viabilização da obra do estádio), o Conselho de Administração do Estádio Minas Gerais e a Diretoria de Esportes do Estado de Minas Gerais (SANTOS, 2005).

Em 5 de setembro de 1965, o Mineirão foi inaugurado. Na época, foi considerado o segundo maior estádio coberto do mundo, ficando atrás apenas do Maracanã, possuindo a capacidade para 130 mil pessoas. A inauguração aconteceu em meio a festividades e uma partida entre a Seleção Mineira e o River Plate, da Argentina. Na ocasião, a Seleção Mineira venceu por 1 a 0, com gol do jogador do Atlético Mineiro, José Alberto Bougleux, mais conhecido como Buglê.

Outro artefato interessante presente nesse espaço do museu, é uma placa de homenagem que faz menção a Sociedade Esportiva Palmeiras. Tal homenagem faz referência a primeira partida da seleção brasileira ocorrida no Mineirão, no dia 7 de setembro de 1965. Na ocasião, toda a equipe palmeirense, incluindo a comissão técnica e os reservas, vestiram a camisa da seleção, para jogar um amistoso contra a seleção do Uruguai. Os brasileiros venceram por 3 a 0.

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

De certo, essa sala do MBF possibilita ao público visitante, uma imersão nos primeiros anos do Estádio Mineirão, que traria uma nova perspectiva para o futebol em Minas Gerais.

Sala das Fichas

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Nesse ambiente, o público visitante do MBF explora a história do Mineirão por meio de fichas técnicas dos jogos realizados no estádio desde a sua inauguração até o fechamento para a reforma que ocorreu em junho de 2010. Nessas fichas há o registro de quase 4 mil jogos, onde os visitantes podem, a partir de totens interativos e das fichas fixadas na parede, pesquisar jogadores, clubes, partidas, número de público dos jogos e arbitragens, explorando personagens e elementos que foram participantes da história do estádio. A catalogação de todas essas fichas técnicas foi feita por José da Silva França Sobrinho, funcionário do estádio desde março de 1961, que na ocasião, trabalhou na construção do Mineirão.

Mineirão em Atividade

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

A proposta dessa sala do MBF é apresentar um acervo de objetos que contemplam os primeiros anos de atividade do Mineirão. Nesse local são encontrados objetos como a maca do departamento médico utilizada nas primeiras partidas, a antiga catraca que liberava e controlava o acesso dos torcedores e torcedoras para entrada no estádio, recipientes utilizados para a venda de chá mate nas arquibancadas, além de fotografias de diversos jogos e eventos que ocorreram no estádio (shows, festivais, provas para vestibular, entre outros). Também se destaca nessa sala uma exposição de bandeiras doadas por clubes de fora da capital.

O Novo Mineirão

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Nesse ambiente, é documentado o processo de remodelação pelo qual o estádio do Mineirão passou entre os anos de 2010 e 2012, com o objetivo de sediar partidas da Copa do Mundo FIFA de 2014. Diversas fotografias apresentadas nesse espaço do museu, retratam as etapas da obra durante os dois anos da reforma.

Destacam-se alguns elementos, como a instalação de um sistema de armazenamento de água da chuva que é reaproveitada no estádio. Esse sistema possui a capacidade de armazenamento de 5 milhões de litros de água. O líquido armazenado passa por tratamento e é utilizado nas descargas dos banheiros e para irrigar o gramado. Outro destaque, foi a instalação de uma Usina Solar Fotovoltaica. Com essa estrutura, o Mineirão foi o primeiro estádio que sediou uma partida de Copa do Mundo operando uma usina solar. Outro aspecto que também é bastante abordado, no que diz respeito a essa marcante reforma do Mineirão, refere-se à esplanada, um espaço apropriado pela população belo-horizontina em seu cotidiano, sendo mais um espaço de lazer na capital.

Para maiores reflexões sobre o contexto da reforma do Mineirão, uma interessante referência bibliográfica, é o artigo produzido pela autora Priscila Augusta Ferreira Campos, denominado Reforma e reformulação do Mineirão:  planejamento, conceitos e inspirações, publicado em 2020.

Sala das Confederações

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Nesse espaço, apresenta-se uma maquete do Mineirão já reformado, ou seja, uma representação do estádio com a estrutura finalizada para receber os eventos esportivos internacionais que iria sediar, iniciando pela Copa das Confederações de 2013 (uma espécie de ensaio para a Copa do Mundo FIFA de 2014).

O Mineirão sediou três partidas deste evento teste, e como legado recebeu de doação duas camisas de seleções que aturam no estádio, uma da seleção do Taiti e outra da seleção do Japão, ambas expostas nesse ambiente do museu. Na Copa das Confederações de 2013, o Mineirão foi palco do jogo em que se confrontaram a seleção do Taiti contra a seleção da Nigéria, no dia 17 de junho (na ocasião, a seleção taitiana fez história ao marcar o seu primeiro gol oficial fora do seu continente. O autor do gol, que teve uma comemoração bastante efusiva dos jogadores e do público presente, foi o jogador Jonathan Tehau); da partida entre seleção do Japão contra a seleção do México, no dia 22 de junho, com vitória para o time mexicano por 2 a 1; e do jogo válido pela semifinal da competição entre a seleção brasileira e a seleção uruguaia, no dia 26 de junho, que garantiria a vaga da seleção do Brasil na final realizada no Maracanã, uma vez que o time da casa saiu vitorioso pelo o placar de 2 a 1. Em 30 de junho de 2013, a seleção brasileira se sagrou campeã da competição, vencendo a seleção espanhola por 3 a 0.

Juntamente com a maquete do estádio e a exposição das camisas que foram doadas, essa sala do MBF também apresenta fotografias que foram produzidas ao longo da Copa das Confederações de 2013.  

Sala da Memória

Na “Sala da Memória” encontra-se uma mesa multimídia com um sistema automatizado no qual o visitante pode registrar um depoimento memorável sobre o Estádio Mineirão. Nessa dinâmica, a gravação do depoimento realizado pelo visitante pode ser veiculada dentro da exposição nesse ambiente do museu, a partir de uma televisão fixada na parede dessa sala, tornando esse material uma integração ao acervo do MBF. A constituição de um acervo de depoimentos desses visitantes, possui a potencialidade de servir de insumo para um projeto de história oral e um banco de depoimentos para pesquisas temáticas ou consulta para pesquisadores e ou o público geral do museu (COSTA, 2016).

Os Imortais do Futebol

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Nessa sala é demarcada uma divisão temporal do futebol, na qual há a denominação de “Era pré-Pelé”, que vai de 1900 até 1970 e a “Era pós-Pelé”. A partir dessa dinâmica são dispostas cerca de 200 notas biográficas de diferentes personagens marcantes do futebol brasileiro. Outro destaque dessa sala é a exposição de 3 times imaginários, a partir de ilustrações de personagens consagrados do futebol brasileiro, representados por meio de hologramas.

ABC do Futebol

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

A sala denominada “ABC do Futebol”, possui um caráter enciclopédico. No início desse espaço, encontra-se um corredor em que o público visitante pode explorar diversos modos de jogos ancestrais de bola ao longo da história da humanidade. Nesse ponto, se faz importante a seguinte reflexão:

As informações sobre práticas com bola (ou material similar) na Antiguidade e na Idade Média são muito imprecisas. Há pouca bibliografia disponível, o que pode interferir na confiabilidade do conjunto de dados disponibilizados em diversos materiais sobre a temática. O que se pode dizer, com certa precisão, é que o ato de jogar é parte integrante da cultura humana desde seus primórdios e que jogos com diversos tipos de bola, envolvendo chutes, arremessos e corridas já se faziam presentes em várias localidades, como América Central, Grécia, Roma, China, Japão, França, Itália e Inglaterra, desde a Antiguidade (SOUTTO MAYOR; SOUZA NETO, 2016, p.26).

Ao explorar esse espaço do museu, é possível se realizar uma reflexão sobre a dificuldade em estabelecer um marco espacial e temporal para o surgimento do que hoje compreendemos como futebol. Nesse aspecto, o historiador e curador do Museu Brasileiro do Futebol, Thiago Carlos Costa, apresenta a seguinte ponderação: 

[…} precisamos estabelecer uma diferenciação entre o jogo de bola realizado por diferentes povos desde a Antiguidade, na Ásia, América Central e Europa em torno de 3000 a.C., passando pela Idade Média, por volta de 1500 a.C., e o futebol que conhecemos hoje, originário da Inglaterra do século XIX, o football association. Portanto, não podemos afirmar que o tsu-chu, o tlachtli, o episkyros, o harpastum, o kemari, o soule e o calcio fiorentino sejam ancestrais diretos do futebol moderno que conhecemos hoje. A proposta da exposição, é o de apresentar o caráter antropológico do jogo de bola ao futebol e pensar as características simbólicos e bélicos desses jogos, além de como e onde se passaram (COSTA, 2016, p. 286).

Continuando o percurso por esse espaço do MBF, há a apresentação do Football Association, praticado na Inglaterra na segunda metade do século XIX, assim como propõe-se contextualizar a difusão dessa prática esportiva pelo mundo. Mais adiante, procura-se trazer para o público visitante algumas reflexões de como o futebol chegou ao Brasil, com suas transformações simbólicas, sociais e possibilidades de interpretação (COSTA, 2016).

Ao término do percurso por este corredor que traz informações a respeito de características históricas, sociológicas, linguísticas e antropológicas do futebol no mundo e no Brasil, os visitantes possuem acesso a um espaço no qual podem explorar glossários do futebol que possibilitam relembrar e aprender gírias e expressões desse fenômeno sociocultural. Os visitantes interagem com esses glossários a partir de telas touch screen, dessa maneira, é proporcionado ao público o contato com o universo linguístico do futebol.

Além disso, a sala “ABC do Futebol” também aborda as regras e alguns esquemas táticos do futebol que foram utilizados ao longo da história. Em uma das paredes desse espaço do MBF, está descrita as dezessete regras do futebol. Certamente, outra estrutura desse ambiente que merece destaque é uma videoinstalação batizada de Ludopédio. Essa estrutura faz referência a um jogo de futebol de botão, e por meio de um projetor de vídeo, é apresentada uma produção audiovisual onde se é narrada informações sobre regras, táticas e as funções e os posicionamentos dos jogadores de futebol em campo.

De Olho na Bola

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Considerando que, junto com o rádio e a televisão, a imprensa escrita também ocupava um importante papel na divulgação dos acontecimentos relacionados ao futebol para todas as regiões do país e foram capazes de difundir um conjunto de ideias e também sensações e sentimentos à sociedade, a sala “De Olho na Bola” destaca essas mídias como as principais responsáveis pela potencialização da popularização e consolidação do futebol no Brasil. Esse espaço apresenta objetos como rádios, mesas de sons usadas na antiga estrutura do estádio, microfones dos mais diversos, marcando a evolução no design e na tecnologia dessas ferramentas, revistas, fotografias e também diversos livros cujos temas exploravam o esporte. A exposição intenta homenagear a memória da crônica esportiva tanto brasileira quanto internacional e evidencia a sua importância no construto do futebol como fenômeno de massas.

Campos Gerais

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

A sala “Campos Gerais” apresenta ao visitante, a partir de uma exposição lúdica e interativa, a relevância do futebol na vida social de Minas Gerais e a sua permanência no cotidiano das cidades mineiras, evidenciando a sua consolidação por meio da criação de clubes e do crescimento das rivalidades, bem como a construção de estádios e a notável presença do esporte na imprensa.

Esse espaço é dedicado à memória histórica e descritiva do futebol mineiro e apresenta os clubes, os jogadores, técnicos e outros personagens importantes para o futebol local. Por meio de um banco de dados fixado na área central da sala, é permitido ao visitante acessar um sistema que possibilita a busca pelos clubes de aproximadamente 70 municípios de Minas Gerais, tanto os profissionais como os amadores, totalizando 110 times, assim como conhecer os uniformes, escudos e informações históricas sobre os municípios e acerca da criação dos times.

Além da base de dados, o visitante tem a oportunidade de conhecer uma coleção de camisas dos principais times de Minas Gerais, troféus, fotografias e uma instalação com vistas a trazer à memória do visitante, o antigo Hall da Fama do Estádio Mineirão, no qual era possível encontrar as marcas de pés e mãos de mais de 20 jogadores que, em algum momento, marcaram história no Gigante da Pampulha. As placas instaladas na parede da sala, são acompanhadas por vídeos dos momentos impactantes e gols importantes denominados “Gols de Placa” que também fizeram parte da construção histórica do esporte em Minas Gerais, dentre outros objetos significativos para a história e memória do futebol mineiro.

Futebol e Outras Artes

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Entendendo o futebol como uma prática cultural que engloba não apenas o jogo, mas tudo o mais que se relaciona à sociedade e que possui valores estéticos, o Museu Brasileiro do Futebol apresenta sala expositiva denominada “Futebol e Outras Artes”. Nesse espaço o visitante é convidado a interagir com as mais variadas manifestações artísticas expressadas por meio das incontáveis experiências que se pode ter com o futebol enquanto expectador, jogador e consumidor do esporte, desde o futebol amador, de várzea, até o futebol profissional e contemporâneo. Constitui-se uma sala cujos objetos e interatividades remetem às representações do futebol na cultura brasileira e integrado às mais variadas linguagens artísticas, possibilitando o diálogo desse fenômeno sociocultural com a música, com a dança, com a literatura, esculturas, fotografias e outros, visando promover a sensibilização do esporte para além das quatro linhas. O acervo apresenta videoinstalações sobre literatura e futebol, sobre dança e coreografias inspiradas no esporte, aproximadamente 150 produções musicais e de gêneros diversos que apresentam o futebol como o seu tema principal, exposição de caricaturas de jogadores marcantes na história do futebol mineiro, poesias e peças de esculturas.

Auditório

Museu Brasileiro do Futebol
Fonte: Acervo do Museu Brasileiro do Futebol

Esse local é utilizado para reuniões, palestras, seminários, cursos e debates voltados para a temática do futebol e as especificidades do Mineirão. Tal auditório, possui a capacidade para 96 pessoas e um conjunto de equipamentos multimídia. Pode-se destacar importantes eventos que já ocorreram nesse espaço, tais como, o Simpósio Internacional Futebol, Linguagem, Artes, Cultura e Lazer; o Seminário Futebol nas Gerais; o Encontro das Mulheres de Arquibancada, entre outros.

Certamente, o Museu Brasileiro do Futebol é um ambiente capaz de aguçar e estimular um pensamento crítico e emancipatório sobre esse fenômeno esportivo fortemente presente na cultura do nosso país. No entanto, a seguir será apresentada uma análise, tecendo algumas críticas, a respeito de significativas mudanças ocorridas a partir da troca de administração do MBF. 

O Museu Brasileiro do Futebol sob a administração da Minas Experience Eventos

Em agosto de 2019, a Minas Arena Gestão de Instalações Esportivas S/A deixaria de administrar o museu, dando lugar para a Minas Experience Eventos LTDA. Em pouco tempo, mudanças bruscas ocorreram, tanto no grupo de trabalho que compunha o MBF, como na forma de funcionamento das visitações e na perspectiva de pensar o museu e suas potencialidades educacionais por meio de reflexões críticas e emancipatórias em torno do futebol (tal perspectiva, passou ser pouco explorada por meio da nova administração).

Com a ocorrência da pandemia da COVID-19, pouco tempo após a troca de administração, o MBF fechou as portas em março de 2020 e só foi reabrir novamente em janeiro de 2021. Esse fato corroborou para a dispensa de diversos funcionários do museu, no entanto, uma reformulação da equipe já havia ocorrido assim que a Minas Experience Eventos LTDA assumiu a administração do local (em agosto de 2019 um número significativo de funcionários do museu já havia sido dispensado).

Após essa mudança administrativa, ficou evidenciada uma perspectiva mercadológica, onde o interesse por maiores lucros financeiros sobrepõe o teor voltado para práticas didáticas e educativas possíveis de serem realizadas nesse espaço. Para melhor ilustrar tais críticas, trarei alguns exemplos de ações que ocorrem atualmente no MBF.

A começar pelo aumento do valor dos ingressos. Em 2019, o preço para a visitação no museu (que também dava direito ao passeio guiado nos bastidores do Estádio Mineirão), era de 20 reais e 10 reais a meia-entrada. Atualmente existem dois pacotes para a visitação no estádio, um pacote que só possibilita o visitante conhecer os bastidores do Mineirão (camarotes, sala de aquecimento, vestiários e área de imprensa e competição, indo até o banco de reservas) no valor de 40 reais e 20 reais a meia entrada, e o pacote chamado de Tour Bastidores + Museu Brasileiro do Futebol que custa o valor de 50 reais e 25 a meia-entrada.

Um ponto primordial nessa análise, diz respeito ao tempo da visitação. Nos moldes antigos do funcionamento do museu, o público visitante ao adquirir o seu ingresso, poderia explorar o museu sem um tempo pré-estabelecido (considerando apenas o momento de fechamento do museu pelo término de expediente). Somente na visita aos bastidores havia controle do tempo da visita, que girava em torno de 1 hora.

Já nos moldes atuais, além de haver uma divisão de dois pacotes de ingresso, do qual um deles não possibilita o direito à visitação no espaço museal (denominado de Tour MeuMineirão Bastidores, com a durabilidade próxima a 1 hora de visita), o Tour Bastidores + Museu Brasileiro do Futebol tem a durabilidade de 1 hora e 30 minutos, sendo que o percurso pelos espaços do museu deve respeitar o tempo máximo de 30 minutos. Além disso, os responsáveis em guiar as visitas são orientados a não percorrer o museu junto com os visitantes, não havendo dessa forma, nenhuma dinâmica, orientação ou mediação dentro do espaço do museu. Nessa perspectiva, a partir dessa organização implementada pela Minas Experience Eventos, já é possível notar uma desvalorização do espaço museal, além do intuito de fazer circular o maior número possível de visitantes no menor período de tempo, visando desse modo maiores lucros financeiros.

Outra estratégia mercadológica implementada pela nova gestão é a venda exclusiva de fotografias das visitas. Um fotografo acompanha as visitas guiadas e, em determinados espaços, os visitantes são proibidos de tirarem fotos dos seus aparelhos fotográficos pessoais. Nesse caso, se os visitantes quiserem ter uma lembrança da visita registrada por meio de fotos, devem comprar os retratos realizados pelo fotógrafo oficial da equipe do MBF.

Um ponto definitivo para se avaliar o atual descaso com o museu, diz respeito a falta de zelo com a estrutura e o acervo desse espaço. Isso fica nítido quando se observa a grande presença de goteiras, infiltrações nas paredes, mofo e plotagens de fotografias da exposição que se encontram rasgadas.

Atualmente a recepção do museu (local onde é possível adquirir os ingressos para as visitações), está estabelecida na esplanada do Mineirão, ou seja, houve um deslocamento que afetou o percurso das visitas. Por meio dessa nova organização, é impossibilitado para o público visitante o acesso gratuito à sala “Intervalo da Leitura”, que nos moldes anteriores, onde a área de entrada e recepção do museu se estabelecia na Avenida Coronel Oscar Paschoal, em frente ao Centro Esportivo Universitário, esse ambiente era aberta para o público geral (onde houve inclusive, como já mencionado anteriormente nesse texto,  contações de histórias, também gratuitas, para os visitantes desse espaço). 

Também é possível observar que atualmente não há nenhum desenvolvimento de projetos educacionais temáticos que venham explorar o futebol a partir de uma abordagem mais ampla, compreendo que esse fenômeno dialoga com diversos campos, como a política, as artes, a sociologia, etc. Infelizmente, oficinas educativas como eram realizadas anteriormente, deixaram de ser feitas sob a nova gestão.

Considerações Finais

Entende-se que os espaços museais podem ser uma alternativa com enorme potencialidade educacional, didática e emancipatória, capaz de colaborar com a formação dos indivíduos. Segundo Costa e Wazenkeski (2016), o museu se estabelece como um espaço de fruição para além da estética e passa a ser um importante espaço de interpretação de culturas e de educação dos cidadãos, fortalecendo a cidadania e o respeito às diferenças culturais. Nesse seguimento, pode-se considerar a seguinte ponderação:

Trabalhar a poética do museu e a poética do patrimônio. Eis um desafio que importa encarar. Para além de suas possíveis serventias políticas e científicas, museu e patrimônio são dispositivos narrativos, servem para contar histórias, para fazer a mediação entre diferentes tempos, pessoas e grupos. É nesse sentido que se pode dizer que eles são pontes, janelas ou portas poéticas que servem para comunicar e, portanto, para nos humanizar (CHAGAS, 2006, p. 5).

Desse modo, o Museu Brasileiro do Futebol possui uma grandiosa potencialidade educacional, capaz de instigar valiosos aprendizados e partilhas de conhecimento. No entanto, infelizmente a partir de uma nova organização administrativa e a implementação de novos moldes de visitação desse espaço, a ambição por adquirir lucros financeiros por meio do MBF tem se sobressaído comparado com o seu potencial em desenvolver dinâmicas que promovam reflexões em torno do futebol de maneira ampla, educativa, crítica e emancipatória.  

Notas

[1] Novamente é válido ressaltar que a proposta aqui apresentada é de realizar uma breve descrição desse espaço do MBF, assim como a sua potencialidade em mostrar um pouco da história do planejamento, do processo de construção e da inauguração do Mineirão.  Para uma leitura mais aprofundada do contexto histórico referido nessa sala do museu, reitero que a leitura da tese do autor Georgino Jorge de Souza Neto (2017) proporciona importantes colaborações a partir de uma abordagem mais detalhada.

Referências Bibliográficas

CAMPOS, P. A. F. Reforma e reformulação do Mineirão: planejamento, conceitos e inspirações. FuLiA/UFMG, v. 5, p. 182-202, 2020.

CHAGAS, M. Educação, museu e patrimônio: tensão, devoração e adjetivaçãoDossiê Educação Patrimonial, n. 3, Iphan, jan./fev. 2006.

COSTA, H.  F. G. DA; WAZENKESKI, V. F. A importância das ações educativas nos museusÁgora, v. 17, n. 2, p. 64-73, 2016.

COSTA, T. C. A exposição do museu brasileiro do futebol: escrita da história e cultura do esporte. In: II Simpósio Internacional Futebol, Linguagem, Artes, Cultura e Lazer, 2016, Belo Horizonte. Anais do II Simpósio Internacional Futebol, Linguagem, Artes, Cultura e Lazer.

SANTOS, André Carazza dos. Estádio Mineirão: orgulho e redenção do futebol mineiro. Efdeportes Revista Digital, Buenos Aires, año 10, n.87, 2005

SOUTTO MAYOR, S. T. S.; SOUZA NETO, G. J. História do futebol. In: SILVA, S. R.; CORDEIRO, L. B.; CAMPOS, P. A. F. (Orgs.). O Ensino do Futebol: para além da bola rolando. I ed. Rio de Janeiro. Jaguatirica, 2016.

SOUZA NETO, G. J. Do Prado ao Mineirão: a história dos estádios na capital inventada. Tese (Doutorado em Estudos do Lazer) – Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da UFMG, 2017.

SOUZA NETO, G. J.; SOUTTO MAYOR, S. T.; SILVA, S. R. O Gigante do Horto: narrativas sobre a construção do Estádio Independência (1948-1950). Motrivivência, Florianópolis, v. 34, n. 65, p. 01-22, 2022.

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Anderton Taynan Rocha Fonseca

Licenciado em Educação Física pela Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (2017). Foi membro do Programa Rede de Museus e espaços de ciência e cultura da UFMG, vinculado ao Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer, no período de 2015 a 2017. Foi integrante do Programa Educativo do Museu Brasileiro do Futebol de 2017 a 2019. Atua como professor da educação básica na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais. Integrante do grupo de pesquisa FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes. Doutorando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da UFMG.

Stephanie de Oliveira Souza

Pedagoga, especializada em Alfabetização e Letramentos e Psicopedagogia Clínica e Institucional, e mestranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer pela EEFFTO/UFMG. Atua como supervisora do Ensino Fundamental e EJA de uma escola pública do municipio de Contagem/MG. É fã de música, cultura Geek, literatura, linguagens e gatos.

Como citar

FONSECA, Anderton Taynan Rocha; SOUZA, Stephanie de Oliveira. Novas perspectivas sobre o Museu Brasileiro do Futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 158, n. 32, 2022.
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