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O Santos é um milagre

Pedro Zan 24 de outubro de 2022

A temporada de 2022 do Santos já está praticamente encerrada – e foi mais uma temporada desapontante, como temos visto há alguns anos. Eliminações nos principais mata-matas, campanha ruim no Paulistão e mais um ano no G-Santos, nome que alguns torcedores do Peixe deram, nos anos de 2010, àquela zona do Brasileirão que nem briga por título ou Libertadores, nem briga contra o rebaixamento (posição que o clube ocupou e ocupa bastante depois de 2004). 

Muito do que tem para ser dito sobre este ano na história do Alvinegro já foi dito por aqui: caos no campo, inúmeras trocas de comando técnico e na gestão do futebol, desempenho medíocre no profissional, tanto masculino quanto feminino, mas com a “desculpa” de que as contas estão se acertando. E acredito que não há muito mais o que falar sobre. Por isso, este texto tem uma proposta diferente.

Coloco aqui algumas reflexões que vêm de algum tempo, de discussões com colegas, santistas e não-santistas, que me levaram à seguinte conclusão: o Santos é um milagre.

Digo isso por dois motivos: 1) o caos que vemos no clube atualmente não é exceção, mas regra no Santos desde a era Pelé, provavelmente. Mesmo assim, o Santos segue sendo um clube que em certos momentos briga por títulos, em outros não, mas que nunca chegou a uma crise do tamanho da que vemos em outros gigantes brasileiros, como Vasco, Botafogo e Cruzeiro: o Santos ainda nunca caiu; 2) o Santos contraria a própria história do futebol brasileiro.

O primeiro é mais simples de se ver. É difícil o torcedor lembrar de uma boa gestão do Santos. A mais recente foi a de Laor entre 2010 e 2012, que, apesar de muitos acertos, teve diversos equívocos nesse meio tempo, e contou com a “sorte” de ter no time o melhor jogador que vimos no futebol brasileiro neste século: Neymar. De lá para cá, o clube experienciou gestões terríveis que o endividaram e levaram até a um transfer ban. Mas mesmo antes de Laor, as gestões do Peixe não eram nem um pouco melhores. Recentemente foi revelado um balanço de dívidas do clube que envolvem milhões de reais, que vêm sendo pagos em parcelas todo mês, a jogadores e treinadores que não trabalham no clube há muitos anos, dentre os quais se destacam, por exemplo, o caso de Oswaldo de Oliveira, que comandou o time em 2014, e de Fabiano, ex-atacante que não veste a camisa do Santos desde 2008 (!!!)

Desde a era Pelé, também, a torcida do Santos encolheu, o clube tem dificuldade em faturar com as rendas nos seus jogos, não apenas por conta do tamanho da Vila Belmiro, e não atrai tantos patrocinadores quanto seus principais rivais da capital. Para completar, o Santos é ótimo em fazer investimentos no mínimo questionáveis, como Leandro Damião, Cueva, Bryan Ruíz e, mais recentemente, Ricardo Goulart. Mas isso não é só de hoje: o torcedor mais antigo do clube vai se lembrar de outros nomes, como Müller, Rincón, Marcelinho Carioca… O time não fatura e contrata mal, mas de alguma forma segue na elite do futebol brasileiro, e eventualmente briga por títulos importantíssimos. O torcedor que vê a situação atual do clube mal consegue entender como, há pouco menos de dois anos, o Santos era finalista da Libertadores.

Claro que esse primeiro ponto tem uma “explicação”: a base. Nesses momentos constantes de crise, de falta de recursos, o clube segue sempre por conta de algum adolescente muito bom de bola. Desde a geração de 2002, passando por Neymar, Ganso, Gabigol, Rodrygo, Kaio Jorge, Yuri Alberto e agora Ângelo, Marcos Leonardo e o extremamente promissor meia boliviano Miguel Terceros. Mas essa explicação também envolve acreditar em milagre. O trabalho de base do Santos não é exatamente o melhor do país. Nos últimos anos o Palmeiras, por exemplo, tem apresentado um trabalho exemplar na base, conquistando praticamente todos os títulos possíveis. O Corinthians e até o São Paulo têm, historicamente, resultados até melhores que o Santos na base. Porém, na Baixada Santista existe a famosa “água mágica da Vila”.

Santos
Fonte: Ivan Storti/Santos FC/Fotos Públicas

Mas mesmo sendo uma máquina de revelar jogadores que não são apenas bons, mas que assumem a responsabilidade nos momentos mais difíceis do clube e evitam um desastre, muitas vezes isso não se reverte em um retorno financeiro. O Santos é, de fato, o único brasileiro na lista dos dez clubes que mais faturaram com transferência de jogadores no mundo – mesmo assim, segue quebrado, por causa daqueles investimentos questionáveis que apontei anteriormente. Só que nos últimos anos nem isso o clube consegue fazer direito: Yuri Alberto foi liberado de graça para o Internacional porque não teve seu contrato renovado, Kaio Jorge e Kaiky foram vendidos por pechinchas para a Europa, também por conta de questões contratuais. Em suma, o Santos vende mal e contrata mal, a receita perfeita para o desastre. Mas nunca caiu.

Agora, sobre o segundo, acho interessante analisar um pouco a história do futebol brasileiro. Claro que não posso fazer isso de maneira extensa aqui, mas posso apontar um elemento principal: o futebol brasileiro sempre girou em torno das capitais. Dos famosos “doze grandes”, que hoje podem ser treze considerando o Athletico Paranaense (ou até quatorze, se o Bahia voltar à conta), apenas um não se localiza na capital de seu estado: o Santos. Existem inúmeros fatores para isso: as capitais são geralmente as cidades mais ricas de seus estados, centros culturais e industriais, e as sedes das federações estaduais de futebol. Em São Paulo, inclusive, o Campeonato Paulista era restrito, em sua origem, a clubes da cidade de São Paulo. O primeiro a quebrar essa barreira e, posteriormente, o primeiro clube campeão paulista sem estar sediado na capital? O Santos.

E para além disso: não é só uma questão de não estar em uma capital. A cidade de Santos tem menos de 500.000 habitantes. Poderíamos pensar sobre como, por exemplo, a dupla campineira, de uma cidade quase três vezes maior do que Santos, poderia ter condições financeiras melhores e talvez ser uma força no futebol paulista e nacional até os dias de hoje (ambos já foram, sem dúvida, mas hoje não conseguem se reerguer propriamente mesmo em uma cidade que têm mais oportunidades do que Santos). Não é fácil atrair investimentos, ser um clube grande por tanto tempo em uma cidade tão pequena e que, muitas vezes, fica às sombras de São Paulo (pra quê investir em Santos se estamos a menos de 100km da maior cidade do Brasil?).

Mesmo assim o Santos segue. Contrariando a lógica de um esporte que se torna cada vez mais um negócio e a própria lógica que levou à popularização e formação das principais agremiações e federações do país. O Santos é um milagre. Mas está chegando a hora de parar de depender disso e começar a fazer um trabalho sério.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Zan

Quase formado em Filosofia na Unicamp, mas bom mesmo é falar de futebol. Santista desde sempre, também tenho um podcast, "Os Acréscimos", e sou um dos administradores da página "Antigas Fotos do Futebol Brasileiro".

Como citar

ZAN, Pedro. O Santos é um milagre. Ludopédio, São Paulo, v. 160, n. 24, 2022.
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