O último Clássico Alvinegro (Santos 1 x 1 Corinthians) realizado no Pacaembu no último domingo foi tão pífio quanto o desempenho da iluminação do estádio municipal. O quinto apagão do ano ocorreu na metade do segundo tempo da partida, paralisando o jogo por quase 45 minutos. Em oito jogos realizados em 2018 no velho Paca, problemas semelhantes ocorreram nos jogos Palmeiras e Portuguesa, pela Copa São Paulo de Juniores, São Caetano e Corinthians, Corinthians e Ferroviária, e Corinthians e São Paulo todas pelo Campeonato Paulista desse ano.
A disputa entre o alvinegro paulista que conseguia dominar o meio-campo mas tinha dificuldades de ir ao ataque e o alvinegro praiano que chegava com mais sucesso ao ataque mas rifava sucessivamente a bola na área do adversário foi maquiada pelos diversos narradores e cronistas esportivos que anunciavam o caráter dramático e parelho da partida.
Posição semelhante assumiu o prefeito-gestor da cidade de São Paulo ao se retirar do estádio logo após os refletores serem apagados. Se no momento do ocorrido, João Dória deixou o estádio sem sequer falar com os jornalistas, foi por meio das redes sociais que veio a público se manifestar sobre a situação.
Ação curiosa vinda de um homem público – para dizer o mínimo –, e responsável pela gestão da maior cidade do país. O que levaria um prefeito que estava justamente no local do incidente abandoná-lo às pressas e optar por se manifestar apenas por meio das redes sociais? Em tempos atuais isso indica tanto o tipo de figura que é escolhida pelo eleitorado paulistano quanto a ênfase dada à performance virtual por João Dória. Avesso a críticas, a iniciativa não deve ser vista como o melhor dos exemplos de coragem política.
https://www.youtube.com/watch?v=ZYoCHFuFgfU
Segundo sua assessoria, o prefeito, que há poucos dias alardeou ter tocado percussão pela Torcida Jovem do Santos, tem o hábito de sair mais cedo das partidas para participar de outros compromissos. Tivemos a curiosidade de consultar a agenda de João Dória no site da Prefeitura para verificar se havia alguma informação a respeito, no entanto não consta agendamento que envolva a sua função pública.
Embora não seja a intenção desse artigo avaliar o suposto grau de fidelidade torcedora do político tucano, não deixa de ser curioso que ele abandone um clássico – ação nem um pouco nobre segundo qualquer manual de ética torcedora. Mais curioso ainda é que a saída ocorreu exatamente no momento em que a ineficiência de sua gestão era anunciada para mais de 37 mil torcedores, e outros tantos milhares que acompanhavam a partida pela Rede Globo.
As bravatas prosseguem por meio das explicações que apenas comprovam, como ressaltou Juca Kfouri, “a incapacidade [da gestão de Dória] para administrar o mais acolhedor estádio da Pauliceia.”
Informa o prefeito que “o Pacaembu […] ficou pronto em 1940, tem 78 anos de vida. O estádio precisa ser modernizado, atualizado, precisa de tecnologia, precisa de muitos investimentos […] para evitar os apagões de luz, que infelizmente acontecem nesta região da cidade. Não é um problema da prefeitura [sic]. […] Não é razoável imaginar que as luzes precisam de aquecimento, na era do LED.[..] Isso é coisa do passado […]”

Cremos que cabe a pergunta então: Se o problema da gestão e da modernização dos espaços públicos da cidade de São Paulo não cabe à Prefeitura, a quem caberia então? Além do mais, na perspectiva de Dória ele deve responder apenas pela infraestrutura construída em sua gestão? A preservação do Estádio do Pacaembu tem que ser cobrada de quem? De Prestes Maia e Getúlio Vargas, respectivos interventor federal e presidente à época da inauguração?
A má gestão municipal tem uma finalidade clara – sucatear o patrimônio público para, sob o discurso da suposta eficiência privada, prosseguir com o projeto de privatização do estádio.
As contradições do discurso do prefeito e seus assessores caminham nessa direção. Em nota oficial a Prefeitura responsabiliza a Eletropaulo, fornecedora de energia pela ausência de energia na partida, o que é imediatamente refutado pela empresa uma vez que não houve suspensão do fornecimento de luz nos arredores.
Já uma funcionária da Secretaria de Esportes de São Paulo[1] responsabilizou o Santos Futebol Clube pelo apagão, pois na condição de mandante precisaria garantir o fornecimento de energia elétrica.
O malabarismo argumentativo que busca isentar a gestão de Dória a todo custo e implantar uma política pública excludente em relação ao esporte é sintetizada pela seguinte fala do prefeito-gestor.
“A solução definitiva para o Estádio do Pacaembu é sua concessão, é investimento privado. […] Eu não vou trocar dinheiro de remédio […] de educação e creche para investir no Pacaembu. […] É o setor privado que pode e deve fazer isso. […] Essa é a solução para o nosso querido Estádio Municipal do Pacaembu.”
A falácia argumentativa aponta como solução única a transferência do estádio para a iniciativa privada e hierarquiza as políticas públicas ao estabelecer que o esporte e o lazer devem ser preteridos diante das demais obrigações da prefeitura.

Mas se o Pacaembu é tão deficitário e atrasado, por qual motivo a iniciativa privada se interessaria pela concessão? Que eficiência é essa que transformará o estádio e por quais motivos a gestão de um político que se apresenta como um gestor oriundo da iniciativa privada não consegue colocar o mesmo projeto em prática? Segundo o político, já são ‘vários os candidatos, consórcios e empresas”[2] interessados na proposta que será encaminhada via edital em 24 de abril de 2018.
Se o futebol é tão lucrativo, não é no mínimo suspeito que a Prefeitura de São Paulo, a maior cidade do país, anuncie a sua incompetência em gerir de forma adequada o Pacaembu, patrimônio cultural de São Paulo e do Brasil, e defender sua privatização? Cadê o prefeito?
[1] http://www.lance.com.br/futebol-nacional/prefeito-joao-doria-assiste-classico-novo-apagao-pacaembu.html acessado em 06/03/2018.
[2] https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2018/03/apos-apagao-doria-nega-mais-verba-ao-pacaembu-e-defende-privatizacao.shtml acessado em 06/03/2018.