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Palhinha (Vanderlei Eustáquio de Oliveira) – 11/06/1950-17/07/2023

Em um domingo de março de 1977 eu acompanhava meu irmão em um campeonato de futebol de salão que ele disputava no bairro vizinho ao nosso quando, lá pelas tantas, começou a correr a notícia sobre uma estreia no então vice-campeão brasileiro, o Corinthians. Pelo Campeonato Paulista, que o time não vencia desde 1954, seria enfrentado o forte Guarani, de Campinas, em partida que começaria às 11 horas. Com o número nove às costas, entrava em campo o atacante Palhinha, vindo do Cruzeiro, pelo qual havia alcançado o título e a artilharia da Copa Libertadores do ano anterior.

Dizia-se que a première estava inicialmente prevista para o embate contra o Internacional, pela primeira fase da Libertadores de então, mas que a sequência de infortúnios do Alvinegro do Parque São Jorge obrigara à antecipação do atacante entre os titulares. A manobra, se é que ocorreu, não foi exitosa. O Bugre, com seu excepcional meio-campo, formado por Flamarion, Renato e Zenon, deu as cartas e, com gols dos dois últimos, fez 3 x 0 frente a mais de 60000 pessoas que compareceram ao Morumbi, onde costumeiramente o time da capital mandava seus jogos. O estreante foi, ademais, substituído por Luciano no segundo tempo. A derrota derrubou o técnico Duque, substituído por Oswaldo Brandão, ele mesmo havia pouco demitido da seleção brasileira depois de um empate sem abertura de placar contra os colombianos, em Bogotá.

Palhinha também frequentou o selecionado ao longo da carreira, mas não foi dos mais assíduos. Era época de grandes centroavantes e pontas-de-lança, e a disputa com César e Leivinha, do Palmeiras, Roberto, do Vasco, Reinaldo, do Galo, Zico, Cláudio Adão e Nunes, do Flamengo, Careca, do Guarani, entre tantos outros, não era das mais fáceis. O grande destaque ele experimentou mesmo em clubes, principalmente em três, onde alcançou, com razões de sobra, a condição de ídolo. Pelo Cruzeiro, muitos títulos mineiros, duas finais de Campeonato Brasileiro (1975 e 1976), além da citada conquista da Libertadores, com gols em duas das três partidas finais contra o River Plate. No Corinthians ele chegou para ser a estrela da histórica conquista do estadual de 1977, mesmo sem ter atuado na última das partidas decisivas contra a Ponte Preta, impedido por uma lesão que não o deixava dobrar o joelho. Finalmente, no Atlético, além de um bicampeonato em Minas, ficaram para a história as batalhas contra o Flamengo, principalmente as das finais do Brasileiro de 1980, decidido em dois embates equilibradíssimos, com vitória final do time liderado por Zico.

O sucesso de Palhinha se evidencia pelos gols e títulos, mas a eles se junta a capacidade técnica demostrada na formação de duplas e trios de ataque. No Cruzeiro de 1976, lá estava Jairzinho, o Furacão do tri mundial conquistado no México, em 1970, a compor a linha de frente com ele e Joãozinho; no Corinthians, foi ao lado de Sócrates, vindo o Botafogo de Ribeirão Preto, que em 1979 formou o ataque campeão paulista; no Galo, em 1980, o time atacava com ele na ponta-de-lança, Éder na esquerda e o craque Reinaldo no centro. Em nenhuma das situações Palhinha foi coadjuvante.

Palhinha seleção
Palhinha, agachado, ao centro, entre Rivellino e Geraldo, serviu à Seleção nos anos 1970. Foto: Reprodução/CBF.

Aliada à boa técnica, estava a habilidade do drible curto, aprendido no futebol de salão, e a disposição para o combate, com muita entrega. As escaramuças com adversários e árbitros não foram poucas, a mais famosa aconteceu contra o chileno Elias Figueroa, zagueiro e capitão do Internacional, bicampeão brasileiro em 1975 e 1976. No primeiro título, uma cotovelada do beque fraturou o nariz do atacante que, no ano seguinte, em jogo épico pela Libertadores (5 x 4 para os mineiros) devolveu a agressão, o que lhe fez ganhar o cartão vermelho. Com José Assis Aragão, que arbitrou a finalíssima do Brasileiro de 1980, o conflito não foi menor. O jogo, em que Flamengo venceu o Atlético por 3 x 2, recebeu uma bela narrativa de Marcelo Rezende. Sim, o apresentador de programas policiais na TV – e sobrinho de João Saldanha – revelou-se, durante anos, um ótimo repórter esportivo, dono de um dos bons textos da imprensa brasileira. Para a Placar[1], ele escreveu o relato de quem viu as coisas à beira do campo, no qual não faltou a reação de Palhinha, uma vez já consolidada a vitória rubro-negra:

– Tá satisfeito, seu juiz de merda? Você queria o Flamengo, não é mesmo? Foi, junto com o companheiro Chicão, novamente expulso.

Amanhã, 30 de julho, completa-se mais um aniversário da conquista da primeira Libertadores do Cruzeiro. A partida decisiva contra o River, há 47 anos, foi em Santiago, Chile, depois de uma vitória para cada lado, nos jogos de Belo Horizonte e Buenos Aires. Morto há duas semanas, um jogador não poderá relembrar a conquista. Que os mineiros não se esqueçam dela, tampouco de seu artilheiro. De minha parte, fica especialmente a lembrança de 1977, a das partidas finais do Paulista entre Corinthians e Ponte Preta. A vitória do Timão no primeiro jogo foi resultado de um gol de Palhinha que, a um chute seu, viu a bola rebatida pelo goleiro Carlos chocar-se com próprio rosto e morrer nas redes. No segundo encontro, ao se lesionar, deu lugar a Vaguinho, que fez o gol que poderia ser o do título, não tivessem sido os campinenses capazes, como foram, de virar para 2 x 1. Restou a última contenda, decidida pelo chute de Basílio, o novo substituto do ídolo fora de combate.

Dois anos depois, com Sócrates e Palhinha no ataque, o Corinthians sagrou-se outra vez campeão do estado de São Paulo, na antessala do que seriam os tempos da Democracia Corinthiana. A decisão foi novamente contra a Ponte Preta, derrotada com gols dos dois atacantes, em partida ocorrida apenas em fevereiro de 1980. Meu pai, meu irmão e eu, no entanto, os víramos atuar em uma tarde nublada de maio de 1979, no Morumbi, contra o São Paulo. Foi de trancar a respiração quando o Doutor desmontou a defesa adversário ao, de calcanhar, deixar o companheiro cara a cara com Toinho, o goleiro adversário. Havia, no entanto, impedimento. Não faz mal. Quem se deixa afetar por grandes artistas em ação não os esquece. Valeu, Sócrates, valeu, Palhinha.

[1] https://mundorubronegro.com/flamengo/marcelo-rezende-e-a-sua-genial-cronica-sobre-o-flamengo-x-atletico-mg-de-1980/

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Palhinha (Vanderlei Eustáquio de Oliveira) – 11/06/1950-17/07/2023. Ludopédio, São Paulo, v. 169, n. 29, 2023.
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