A série “Práticas torcedoras em territórios palmeirenses” é baseada na dissertação de mestrado de Mariana Mandelli, intitulada “Allianz Parque e Rua Palestra Itália: práticas torcedoras em uma arena multiuso” (Antropologia-USP, 2018). A pesquisa de campo foi realizada entre 2015 e 2017 nos arredores do Allianz Parque com o objetivo de investigar os efeitos da modernização do estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras entre a torcida. Confira a série de textos aqui.
Foto: Mariana Mandelli
Nos últimos anos, tem sido cada vez mais comum as postagens de clubes de futebol nas redes sociais em datas que fazem alusão aos direitos da população LGBTQIA+. Em maio deste ano, não foi diferente: foram incontáveis as imagens publicadas no dia 17 por aqueles que são considerados os maiores clubes do Brasil, lembrando o Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia. O Palmeiras foi um dos que participou das homenagens.
Com a legenda “Amor, igualdade e respeito. São os valores que sempre guiarão nossa história por um futuro cada vez mais verde e um #PalmeirasDeTodos”, o Palmeiras divulgou a foto de um arco-íris com o escudo da instituição[1]. Esse tipo de posicionamento, apesar de não ser inédito, ainda é raro na comunicação do clube alviverde.
“O Palmeiras, assim como a maioria dos clubes brasileiros, demorou para olhar para a diversidade. No ano passado, foi a primeira vez que o clube se posicionou no Dia do Orgulho LGBT e incluiu em seus vídeos. Buscamos que essa inclusão também seja de forma concreta nos estádios para ser um lugar seguro para seus torcedores”, dizem integrantes da Palmeiras Livre[2], um coletivo de palmeirenses progressistas que luta pelo fim da LGBTfobia entre a torcida.
Ao lado da Porco-Íris[3], outro grupo movido pela inclusão e representavidade, a Palmeiras Livre é um exemplo de como os torcedores são os únicos atores no cenário do futebol espetacularizado realmente preocupados com essa discussão.
Isso porque, poucos dias antes da postagem do clube pedindo respeito a todos os torcedores, a atleta Francisleide dos Santos Barbosa, mais conhecida como Chú Santos, que atua pela Seleção Brasileira de futebol e também pelo Palmeiras, fez um comentário homofóbico e repleto de intolerância religiosa, ambas condutas criminosas, ao falar sobre a morte do ator Paulo Gustavo em uma rede social.
O clube, por sua vez, limitou-se a publicar a seguinte declaração em perfil no Twitter[4]:
“A atleta Chú se manifestou de maneira equivocada em sua rede social, reconheceu o erro e prontamente se desculpou. O assunto foi tratado internamente e a atleta foi orientada para adequação de seu comportamento.”
Em seus perfis nas mídias sociais, a Palmeiras Livre publicou uma nota sobre o caso, respondendo também ao pedido de desculpas da atleta. Segue um trecho do texto:
Pedimos à Chú Santos que entenda que, enquanto ela estiver representando o Palmeiras, não a acompanharemos apenas dentro de campo. A posição privilegiada de atuar por um clube gigante cobra respeito e bom senso. Quem não compactua com isso não nos serve e contribui para uma sociedade pior.
Esperamos um posicionamento cabível por parte do Palmeiras![5]
Foto: Reprodução redes sociais
A Palmeiras Livre nasceu em abril de 2013 e recorre ao ativismo pelas redes sociais desde o seu início, organizando ações, publicando conteúdo informativo e se manifestando sobre questões relativas ao clube, ao futebol e à sociedade brasileira como um todo.
Na ótima dissertação de mestrado de Maurício Rodrigues Pinto, defendida pela Universidade de São Paulo (USP) e intitulada “Pelo direito de torcer: das torcidas gays aos movimentos de torcedores contrários ao machismo e à homofobia no futebol”, os integrantes da Palmeiras Livre contam como foi o início do grupo:
2013 foi um ano em que aconteceram várias coisas. Nosso coletivo nasceu em abril, antes das jornadas de junho. Mas no ano anterior eu já tinha participado muito de movimentos políticos abordando questões de gênero. Aí eu vi a oportunidade de somar as duas coisas, ainda mais porque o Palmeiras tinha sido campeão e rebaixado, porque, como o Erick [outro integrante do coletivo] falou no começo, futebol está ligado com as pessoas, a sociedade e a política. Eu entrei, achei a ideia super bacana. (PINTO, 2017, p.79)
Conversei com integrantes da Palmeiras Livre por meio de uma rede social em abril. As respostas às minhas perguntas foram concedidas de forma coletiva. Segundo os torcedores e torcedoras, o coletivo conta hoje com 50 pessoas atuando pelo Brasil, com concentração maior em São Paulo, além dos milhares de seguidores e simpatizantes nas redes sociais.
“Somos um coletivo de esquerda que agrega anarquistas, comunistas e socialistas cuja principal pauta é o combate à LGBTfobia. Queremos ter o direito de existir e torcer pelo Palmeiras. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBT no mundo. Precisamos mudar esse cenário e só conseguiremos lutando, por isso buscamos nossa presença no estádio e nas ruas”, afirmam.
Foto: Reprodução redes sociais
Os torcedores e torcedoras destacam a importância de se sentirem seguros/as nos estádios e nas ruas do entorno em dias de jogo, o que mostra como a intolerância por grande parte da torcida ainda é um fator que amedronta e afasta a população LGBTQIA+ do futebol como um todo. É preciso lembrar que esse não é um problema apenas do Palmeiras, visto que existem coletivos do tipo em diversas torcidas em todo o Brasil, como mostra a pesquisa de Pinto (2017) — efeito claro da demanda desses grupos por inclusão e respeito. “Entendemos que essa luta não é só nossa e que para vencermos precisamos de toda a sociedade”, explicam os palmeirenses.
Para quem sofre diariamente no próprio corpo os mais diversos tipos de opressão, é impossível não enxergar como tudo é político. O futebol, um meio histórico e extremante heteronormativo e masculinizado, não está excluído disso.
“A política sempre está presente em nossa vida e em tudo que fazemos. O futebol não é diferente e sempre se misturou com política. A ditadura se utilizou no esporte como ópio do povo com objetivo de esconder toda corrupção e opressão daqueles anos de chumbo e foi no futebol que também houve resistência. A vitória da Argentina sobre a imperialista Inglaterra após a batalha das Malvinas também mostra isso, foi vitória além do campo. As lutas sociais são travadas nas ruas e dentro de campo”, reforçam os torcedores da Palmeiras Livre.
Doutoranda em Antropologia Social na USP, com mestrado na mesma área e instituição, com pesquisa que investigou o processo de "arenização" do Allianz Parque. É graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e em Ciências Sociais pela USP.
Como citar
MANDELLI, Mariana. Palmeiras Livre: contra a LGBTfobia dentro e fora de campo. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 45, 2021.
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