174.16

Pelo uso da 10, de Pelé (“Santos, Santos”)

Para o Otavio, porque me deu um livro;

Para a Danielle, porque foi conosco a um jogo do Santos.

Quando eu era uma criança pequena, gostava muito de jogar futebol de botão, fosse com meus amigos, fosse sozinho, quando então me ocupava dos dois times e, não raro, narrava as partidas conforme aprendia no rádio e, um pouco menos, na televisão. Entre os times que disputavam meus campeonatos, estava a equipe toda de branco, o Santos Futebol Clube, em um de seus momentos mais críticos, os anos que sucederam a aposentaria de Pelé. O maior de todos os jogadores voltaria ao futebol profissional em 1975, um ano depois de sua retirada, mas não mais pelo Peixe, senão pelo New York Cosmos. De qualquer forma, a última camiseta vestida por ele como jogador de futebol profissional foi a de seu time de origem, no segundo tempo da partida que marcou sua definitiva despedida, em 1º de outubro de 1977, no Giant Stadium. Na transição de um elenco estelar e supercampeão para uma equipe que tendia ao comum, eram poucos os que se sobressaiam entre os santistas, entre eles o meio-campista, campeão no México em 1970, Clodoaldo.

Não demorou muito, porém, para que o time da Baixada se reerguesse, lançando a primeira geração de Meninos da Vila. O ponto álgido daquele time de garotos foi a final vitoriosa do Paulistão de 1978, acontecida, no entanto, apenas em fins de junho de 1979. Na noite de quinta-feira, 28 daquele mês, eu chegava com a família na casa dos avós, em São Paulo. O avô, que eu adorava, era são-paulino devotado, mas eu torci pelo adversário, que me encantava pelo futebol rápido e de muitos gols, principalmente o de Juary, que a cada tento comemorava dando voltas na bandeirinha de escanteio. De fato, era um centroavante veloz e técnico, grande destaque do time, ele que seria ainda vencedor da Copa dos Campeões da Europa defendendo o Futebol Clube do Porto, em 1987. Saindo do banco, o carioca faria um dos gols da vitória, de virada por 2 x 1, contra o poderoso Bayern München, de Andreas Brehme, Lothar Matthäus, Dieter Hoeness e Michael Rummenigge, irmão do famoso Karl-Heinz, um dos grandes ídolos bávaros de todos os tempos. Mas ele não jogaria sozinho no Porto, onde estariam também Rabah Madjer, Paulo Futre e Walter Casagrande Jr., tampouco no Santos, em cujo ataque demolidor faziam-lhe companhia os pontas Nílton Batata e João Paulo, além do estilista Pita na ponta-de-lança. A lateral-direita era guarnecida pelo hoje experiente treinador Nelsinho Batista.

 

Santos
Fonte: Wikipédia

De lá para cá mantive minha simpatia pelo Santos e, tirando as vezes em que decidiu títulos contra o Corinthians – em 1984 e 2010, no Paulista, em 2002, no Brasileiro – torci para que vencessem os jogadores de branco que, no entanto, às vezes jogam em camisetas alvinegras listradas. Foi com uma delas, aliás, que Pelé atuou pela última vez no Pacaembu, exatamente contra o Timão, em partida pelo estadual de 1974. Antes de começar a partida, o Rei recebeu uma placa de agradecimento da Gaviões da Fiel, em gesto bonito e amistoso, de reconhecimento, mesmo tendo sido o Camisa 10 o grande responsável por uma invencibilidade, pelo campeonato estadual, de onze anos do Peixe frente ao time do Parque São Jorge. Os históricos 2 x 0 que romperam a escrita, em seis de março de 1968, com gols de Paulo Borges Flávio Minuano, são até hoje lembrados pelos corintianos. Para que se tenha uma ideia do respeito frente ao adversário, a torcida vencedora ao final do triunfo cantava que “Com Pelé, Com Edu, nós quebramos o tabu”.

Não vi aquele que foi o melhor time do mundo, em seu melhor momento, o dos anos Pelé e cia. José Miguel Wisnik conta, em seu Veneno Remédio (Companhia das Letras, 2008), que um amigo afirma que ele teria ficado com uma visão deformada sobre o futebol, visto ter crescido na vizinha São Vicente, admirando seu time do coração, o Santos, nos mágicos anos 1960. Mas eu testemunhei Pita, Giovanni, Diego, Paulo Henrique Ganso, Zé Roberto, todos excelentes jogadores, vestindo a 10 do Rei. Cada um honrou, à sua maneira, a camiseta incomum. A mesma que o presidente santista, Marcelo Teixeira, quer suspender o uso enquanto o Peixe estiver na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Sim, eis que o Santos, de tantas glórias e craques em profusão, terá que disputar a Segundona em 2024. Justo no ano em que se homenageia Pelé, morto nos últimos dias de 2022, o time fez péssima campanha na Série A. É um erro, no entanto, que não se use a 10 na segunda divisão. Não é vergonhoso ir para a B depois de tantas glórias, é apenas triste. Em seu belo livro Jogando com Pelé (José Olympio, 1974), o Rei sugere às crianças e jovens que praticam o futebol, que, quando não estiverem entre os titulares, tentem mostrar ao treinador que são a melhor opção do banco de reservas.  Este é o espírito que deve reger o time, o de buscar seu lugar na divisão superior. O grande Santos de Pelé não teria sido rebaixado, mas, caso acontecesse, ele seria o primeiro a chamar a responsabilidade pela tentativa de subir. Vestindo a 10, que sempre lhe caiu tão bem. Como reza o hino entoado na Vila Belmiro, “Santos, Santos”!

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Pelo uso da 10, de Pelé (“Santos, Santos”). Ludopédio, São Paulo, v. 174, n. 16, 2023.
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