Estádio Municipal Dr. Novelli Júnior. Foto: Wikipédia

Eu sou um menino nascido em São Paulo em 1993 e mudei para Itu em 1997 junto com meus pais e irmã. Passamos por algumas casas de aluguel, até que nos mudamos para ao lado do Estádio Novelli Jr. e, coincidentemente, o Ituano vivia sua melhor fase. Então lá pra 2003 e 2004, eu comecei a acompanhar o Ituano com meu pai indo ao estádio e a minha presença lembrança vem logo da melhor temporada que eu vivi no Ituano.

Série B de 2004, subiam apenas 2 times e o Ituano já estava na segunda fase, que consistia em dois grupos de 4 times em que se classificavam dois para o grupo final. Penúltima rodada, o Ituano vencia o Santa Cruz lá em Pernambuco de 2 a 0 e quatro jogadores forçaram os cartões para entrar pra fase final com os cartões zerados. Em uma reviravolta gigante, o Santa Cruz empata o jogo no final, e o Ituano que estava até então classificado para a primeira divisão do país, dependia de um empate em casa para classificar, mas com 4 suspensos. Fortaleza saiu lá do Ceará e veio aqui precisando vencer pra continuar o seu sonho de voltar a elite nacional. O Fortaleza veio e ganhou da gente de 2 a 0. Eu estava lá e voltei triste. Aquele dia eu era um menino de 11 anos voltando pra casa triste com o Ituano.

Com essa história na minha bagagem, li o texto do colunista Lucas Giachetto sobre a Ponte Preta e lembrei de emoções que eu tinha estando ali próximo e no estádio com o Ituano. Essa emoção gera um identificação que eu não tenho com o São Paulo, por exemplo, mesmo sendo completamente apaixonado pelo time. Pensando nisso, comecei a avaliar a relação do futebol do interior paulista com as divisões territoriais do estado e como essa divisão não faz com times tenham poderes de valorizar pequenas regiões. Na época da quase subida do Ituano a série A do país, tínhamos um dos primeiros shoppings da região com a maior árvore de natal do país (Obrigado Simplício por esse turismo) e éramos uma das principais cidades da região. Após alguns anos estáveis, vieram anos de declínio (tanto no time quanto na cidade) ao mesmo tempo de brigas políticas na cidade que envolviam o prefeito e o vice-prefeito, que era o presidente do clube.

Mas quem diria que esse time daria retorno dos seus próprios frutos. Juninho Paulista depois de uma gloriosa carreira, lembrou da gente. Por isso que a gente cria essa identificação com o time da cidade. É um amor bairrista sim e é ótimo. Porque a gente sabe que se daquele time sair alguém da cidade e ganhar dinheiro na vida, ele não vai esquecer da gente. Aquela pessoa que ganhou muito dinheiro, fez mais gente pertinho da gente ganhar um dinheiro legal também.

Ituano FC. Foto: Wikipédia

Juninho Paulista veio para revitalizar o Ituano. Primeiro como jogador, nos salvando do rebaixamento, e depois como dirigente, começando com anos muito difíceis. Porque quem torce pro Ituano sabe de todas as situações que quase caímos. Em 2010, último ano do Juninho Paulista como jogador de futebol, ele escolheu voltar pra cá pra se aposentar. O Ituano teve um ano muito difícil, precisando empatar com a Portuguesa para não cair. O primeiro tempo foi muito sofrido pra gente e fomos ao intervalo perdendo de 2 a 0 e, além disso, o Paulista vencia o Palmeiras, resultado esse que nos rebaixava. Após uma palestra motivacional comandada pelo próprio Juninho Paulista, o Ituano vira o jogo pra cima da Portuguesa e se mantém na Série A. No fim do jogo, Juninho Paulista, chorando de emoção, demonstra sua identidade com o clube  e com a cidade.

Com Juninho aposentado e de dirigente do clube, chegamos em 2011 precisando vencer e dependendo da vitória da Portuguesa. O Ituano faz o dever de casa e o jogo da Portuguesa está empatado de uma maneira que ajudava tanto a Lusa quanto o São Bernardo. O nosso jogo acaba uns 5 minutos antes do jogo de lá, os jogadores cabisbaixos e derrotados pela situação vão ao vestiário. Eu lembro que ninguém foi embora do estádio, era ouvido nos radinhos próximos e o Vágner, do campo, ouvia em um radinho de uma jornalista. Milagrosamente, a Portuguesa faz um gol aos 49 do segundo tempo e salva a gente do rebaixamento. Lembro de estar no estádio e ver dezenas de torcedores invadirem o campo para comemorar a salvação com os jogadores, que haviam voltado do vestiário para comemorar com a torcida.

Em 2012 foi outro ano difícil, mas sem forte emoções, que se acumulariam para 2013. Novamente estávamos na última rodada com chances de cair, e dessa vez precisaríamos novamente vencer em casa, só que dessa vez do Palmeiras. Aos 23 do segundo tempo, Fernando Gabriel coloca uma falta na gaveta de muito longe para abrir o placar e nos deixar respirar aliviados, pena que apenas um minuto depois o Palmeiras empatou e voltamos a estar rebaixados para a segunda divisão do estadual. Aos 46 do segundo tempo, o Ituano encaixa um contra ataque e acerta um chute mascado, que o goleiro Bruno rebate mal, e Marcão, o reserva que sempre entrava a pedidos da torcida, faz o gol da salvação. Naquele momento, eu já via muitos no estádio chorando e esse gol, eu nunca mais vou esquecer.

Talvez muitos não conheçam o Vagner, o Fernando Gabriel e o Marcão, mas eles marcaram minha vida com momentos como esse. O Ituano que vai ver o jogo do Novelli transmite para os jogadores que a cidade torce por eles, pois sabem que se o time der certo, provavelmente vai trazer coisas boas na minha vida ou de pessoas próximas a mim. Esses anos difíceis, tanto pro Ituano como para os jogadores, pois no Novelli, se a torcida está insatisfeita com algum jogador, esse jogador está sabendo dessa insatisfação toda vez que joga em Itu. Os gritos e xingamentos são muito audíveis, fazendo os jogadores sofrerem com a gente.

Todavia, quem diria que dessa maré de anos difíceis tomaria a virada que tomou em 2014? Com um time sem grandes nomes, mas muito bem organizado pelo técnico Doriva, o Ituano faz uma das maiores campanhas de um time do interior no estadual no século. Entra no grupo do Corinthians e consegue a classificação eliminando o próprio Corinthians. Vai a Ribeirão Preto jogar e elimina o Botafogo nos pênaltis nas quartas de final. Vai a São Paulo e elimina o Palmeiras na semi final. A final de dois jogos contra o Santos, foram ambas sediadas em São Paulo (que sacanagem terem tirado esse jogo de Itu, hein?), vimos Christian Mendigo fazer o gol e ganharmos de 1 a 0. O jogo da volta foi inesquecível, já que não tinha um bom Ituano que não estava assistindo.

Essa final de estadual, insignificante para alguns, parou uma cidade por 2 horas e meia. Perdemos por 1 a 0 e fizemos uma gigante disputa de pênaltis que terminaram com o nosso título onde o Vagner, que em 2011 chorava conosco dentro de campo pela salvação do rebaixamento, pega o oitavo pênalti e dessa vez escalava o alambrado pra comemorar o título paulista. Título esse, extremamente importante para nossa grandeza, já que 12 anos antes quando ganhávamos o mesmo torneio, muitos invalidaram pela ausência com os grandes. Então agora ganhamos de novo, com os grandes aqui e ganhando deles. Ganhamos do São Paulo na 1ª fase, classificamos no grupo que o Corinthians ficou de fora, ganhamos do Palmeiras na semi final e do Santos na final. RESPEITA!

Torcida no Estádio Novelli Júnior. Foto: Divulgação / Facebook oficial do Ituano / CBF

Depois disso vieram anos difíceis com eliminações horríveis na Série D. Se você tem poucos amigos que vão a outro país pra acompanhar seus times, eu conheço poucos que cruzam o país para ver o Ituano jogar e respeito muito. Ano passado perdemos o Juninho, mas sabemos que ele foi seguir sua vida e merece tudo. Deixou a gente numa situação muito melhor, pois perdemos ele, mas conseguimos a vaga para a Série C.

No meio de uma pandemia mundial que derrubou tantos times, nosso Ituano está estável e com um bom time para a disputa da Série C. Torcemos antes e torcemos agora, pois sabemos que se esse time der certo e nos colocar cada vez mais alto na pirâmide social do futebol, muitas pessoas do nosso pico vão colher os frutos junto. Por que a gente trabalha se não é pra ganhar nosso dinheirinho e ajudar as pessoas do nosso pico? O Ituano está nessa luta pra ajudar a gente, e eu vou torcer muito pra sempre.


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Vitor Freire

Mestre em Educação Física na FEF-UNICAMP, amante de Esportes, são Paulino desde sempre.@vitordfreire@camisa012

Como citar

FREIRE, Vitor. Prazer, eu sou Ituano. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 45, 2020.
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