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Quando assisti um jogo no Stadion Maksimir

Gabriel Said 29 de março de 2021

Hora de contar a história por trás da foto publicada no Experiências Futebolísticas.

Eu poderia começar a história na tarde do dia 3 de agosto de 2018, algumas horas antes do jogo entre Dínamo Zagreb e NK Istra 1961, pela segunda rodada da primeira divisão do campeonato croata (Prva Hrvatska Nogometna Liga), mas se eu começar daí estaria pulando alguma parte importante.

Vou começar uns cinco dias antes. Estava começando um mochilão com meu irmão e estávamos na parte nordeste de Berlim, que fazia parte da antiga Alemanha Oriental. Essa parte nos subúrbios da cidade me lembrava bastante a Brasília, mas posso contar sobre os rolês na capital alemã em outro momento. Ficamos na casa de uma amiga e um dia de noite enquanto já pensávamos no que fazer em Zagreb alguns dias mais tarde, tive a ideia de procurar se teria algum jogo ou visita disponível ao estádio do Dínamo Zagreb. Foi aí que eu vi que teria uma partida pelo campeonato durante nossa estadia e enviei um e-mail ao clube perguntando como nós conseguiríamos ingressos para a partida. Para a minha surpresa, a resposta veio na manhã seguinte e com todas as informações sobre preço.

Em Zagreb, alguns dias após o vice-campeonato do país no Mundial, a cidade estava alegre, com vários turistas e crianças usavam camisas da seleção. Sem dúvidas era um bom momento para ser croata. Para completar, no dia 5 de agosto era Dia da Pátria, marcando a independência do país nos anos 1990. O futebol era motivo de orgulho para o país, mas mesmo assim, ainda causava espanto aos locais quando sabiam que brasileiros queriam assistir um jogo do campeonato local. A Copa do Mundo de certo fomentou minha curiosidade no futebol croata, que tinha tantos jogadores que eu achava – e ainda acho – brilhantes, como Kovačić, Rakitić e claro, Modrić. Mas a verdade é que eu ia querer assistir o jogo de qualquer forma, pois o futebol é a melhor forma que tenho de tentar entender o mundo. Nada melhor pra conhecer um país do que ir a um jogo de futebol!

Google Maps
Vista aérea do trajeto até o estádio. Imagem: Google Maps

Agora sim vamos para horas antes do jogo, que começava às 20h. Pegamos um tram em Draškovićeva, no centro de Zagreb por 4 kunas (cerca de 2 reais na época) e ele seguiu por 15 minutos pela Vlaška ulica (rua Vlaska) até chegar em frente ao Stadion Maksimir. Chegamos com antecedência desnecessária ao estádio, mas esse tempo de sobre deu para apreciar um pouco a vista desde o estacionamento do estádio para o Parque Maksimir, do outro lado da rua Vlaska.  

A bilheteria era no estacionamento e para comprar o ingresso era necessário de um documento de identificação. Nessa hora houve um movimento agitado entre as vendedoras, que se juntaram para ver se era verdade que tinham brasileiros comprando ingresso, mas também para falar como gostavam do Brasil e, óbvio, perguntar o quê fazíamos ali vendo um jogo do campeonato croata. Fui ver futebol no país vice-campeão mundial, oras! O ingresso custou 30 kunas, equivalente a R$17,50 na época.

No pré-jogo ainda deu tempo de comprar uma camisa do Dínamo na loja oficial e, num ambiente bem legal abaixo das arquibancadas principais, comer uns salgados e beber cerveja, que na verdade era nossa janta. Como é sempre bom saber como se diz “cerveja” nos outros idiomas, a quem se interessar, em croata é pivo e a mais vendida é a Ožujsko (se pronuncia “ojuisco”).

Vista aérea do Stadion Maksimir e seu entorno. Foto: 123rf.com

Gostaria de lembrar mais do jogo, mas lembro que o Dínamo jogava em um 4-3-3 bem organizado e o Istra no 5-3-2. O primeiro tempo foi muito bom, com o Dínamo marcando um gol no começo do tempo e outro bem no fim. Logo na volta do intervalo fizeram o 3×0 e então apenas administraram o placar. Lembro também do Dani Olmo, camisa 7 do Dínamo, que viria a ganhar campeonato europeu de base pela Espanha e joga hoje como titular no time de Leipzig, na Alemanha. Tinham outros bons jogadores naquela equipe, mas que não jogaram, tais como Livaković, goleiro da seleção; Nikola Moro, campeão mundial sub-17 em 2015 e hoje jogador do Dínamo Moscou; Joko Gvardiol, hoje já acertado para se juntar ao Olmo na Alemanha; Bruno Petković e Lovro Majer chegavam ao clube e ainda estão lá, etc. Aquele time do Dínamo ao longo da temporada seria campeão croata com incríveis 29 vitórias e apenas 2 derrotas ao longo das 36 rodadas, além de 74 gols marcados e 20 sofridos. Era um ótimo time que tive o prazer de ver de perto. Pela Liga dos Campeões seria eliminado logo antes da fase de grupos pelo Young Boys da Suíça, mas no ano seguinte conseguiria chegar lá e até vencer a Atalanta por 4×0 no Maksimir.

Ao fim do jogo, percebendo como o trajeto até o centro era curto, voltamos a pé em uma caminhada bem tranquila. Pelo caminho víamos alguns bares com pequenos grupos de torcedores do Dínamo e por mais que eu queira contar mais, mas minha memória me falha a partir daqui.

Há uma lista de músicas feitas pelos ultras Bad Blue Boys que o clube deixava tocando para ambientalizar enquanto a bola não rolava. O ambiente todo é muito agradável, seja por estar ao lado do parque, pelo estádio ser bem bonito, pelo entorno com outros campos… certamente deveria entrar na lista de qualquer guia turístico do que fazer em Zagreb, especialmente para quem gosta de futebol. Deixo aqui uma sugestão: passar o dia no parque Maksimir e à noite ir a um jogo do Dínamo.

Mas pensando bem, talvez a história na verdade tenha início alguns dias antes. Estávamos eu e meu irmão decidindo para onde fazer o mochilão e pensamos em 3 rotas diferentes. Zagreb era a terceira opção e mesmo assim ainda tivemos que modificá-la. Então foi assim, meio que por acaso que foi tomada a decisão que nos fez pegar um vôo baixo-custo de Berlim para Ljubljiana (escrevo como os eslovenos porque acho mais bonito, uma vez sabendo o alfabeto deles) e de lá um ônibus para Zagreb, que no fim me permitiu ir ao jogo e também resultou neste turista que se apaixonou pela Croácia.

Stadion Maksimir
Vista do parque Maksimir e do Stadion Maksimir a partir do Zagreb 360°, no centro da cidade, na noite anterior do jogo. Foto: acervo pessoal.
Stadion Maksimir
Stadion Maksimir visto de fora. Foto: acervo pessoal.
Stadion Maksimir
Stadion Maksimir e a loja do Dínamo Zagreb. Foto: acervo pessoal.
Acesso à arquibancada. Foto: acervo pessoal.
Lanchonete Plavi Korner
Lanchonete Plavi Korner (canto azul) no acesso à arquibancada do estádio. Foto: acervo pessoal.
Bad Blue Boys
Arquibancada norte, próxima do parque Maksimir e onde ficam os Bad Blue Boys. Foto: acervo pessoal.
Arquibancada sul. Foto: acervo pessoal.
Faixas em homenagem ao Dia da Pátria. Foto: acervo pessoal
Dínamo
Início do segundo tempo. Dínamo, de azul, dá a partida. Foto: acervo pessoal.


Curta: a língua croata, assim como outras similares podem parecer de difícil por causa dos sinais diacríticos como ž e š, ou pelos dígrafos como Lj – que na verdade é uma única letra – mas como cada letra tem apenas um som, uma vez que se sabe o som de cada uma das 30 letras no alfabeto, a pronúncia é muito fácil porque é quase como soletrar. Alguns sons de algumas letras mais difíceis são: Č (tch forte), Ć (tch fraco), Đ (dj fraco), Dž (dj forte), H (rr), J (i semivogal), Lj (Lh), Nj (Nh), R (r tremido), Š (ch) e Ž (j). Por isso Ožujsko virou “ojuisco” e Vlaška parece ser falado com um sotaque carioca bem forte.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

SAID, Gabriel. Quando assisti um jogo no Stadion Maksimir. Ludopédio, São Paulo, v. 141, n. 63, 2021.
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