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Torcida Uniformizada Tira-Prosa de Sorocaba (TUTPS)

Museu do Futebol 7 de outubro de 2016
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As irmãs Ramalho: Rosa Maria, Maria José, Marina e Maria Helena

Em julho deste ano, a equipe do Centro de Referência do Futebol Brasileiro – CRFB foi a Sorocaba pesquisar um pouco mais da história desse esporte no interior do Estado São Paulo. Dentre as indicações de pesquisa levantadas previamente sobre o futebol sorocabano, a torcida Tira-Prosa foi uma das mapeadas e escolhida para ser divulgada aqui não apenas pela história marcante das irmãs fundadoras da agremiação, mas também pela intersecção com outro projeto do Museu do Futebol iniciado em 2015 e que busca dar voz às experiências protagonizadas por mulheres, seja no campo ou na arquibancada: o Visibilidade para o Futebol Feminino. O acervo da torcida foi digitalizado e suas histórias de vida foram gravadas e estão disponíveis para consulta no museu. A realização da pesquisa em Sorocaba ocorreu no âmbito do projeto Museu do Futebol Na Área, que prevê a itinerância da exposição de longa duração do Museu a municípios do Estado de São Paulo.

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Destaque para o adesivo da TUTPS durante a digitalização dos acervos.

Por estímulo da mãe, Lelé, as irmãs Ramalho (Rosa, Maria Helena, Marina, Maria José e Paula – já falecida) tiveram a ideia de inaugurar uma torcida que marcasse presença nos estádios paulistas com personalidade própria, oferecendo incentivo e apoio nos bons e maus momentos de seu clube predileto de futebol. O mascote oficial do Esporte Clube São Bento, o pássaro azul Tira Prosa, acabou por se tornar a principal inspiração para nomear a primeira torcida organizada do clube sorocabano, e, quiçá, uma das primeiras torcidas formadas por mulheres do Brasil. Fundada em 21 de Setembro de 1975, durante uma partida do São Bento contra a Portuguesa Santista no estádio Humberto Reale, com aproximadamente 50 torcedores, a Torcida Uniformizada Tira-Prosa de Sorocaba (TUTPS) foi pioneira numa época em que a presença feminina nos espaços dedicados ao futebol era por vezes mal vista. A torcida alvi-celeste se manteve ativa por 11 anos e era frequentada tanto por mulheres, quanto por homens, muito embora fosse considerada, por muitos, como sendo uma “torcida de mulher”.

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Detalhe da camisa usada pelas torcedoras nos dias de jogos.

 Em 2016, com participação ativa na diretoria do clube, as irmãs permaneciam atuantes no E.C. São Bento. Rosa Maria, por exemplo, foi uma das principais articuladoras do movimento “Vamos Subir, Bento!”, momento em que o time voltou a figurar entre os grandes do Estado de São Paulo. A casa, as roupas, as unhas ou mesmo a timeline do facebook de cada uma das irmãs Ramalho, não negam o tom de azul em homenagem ao amor pela equipe de Sorocaba. Maridos e filhas respondem pelas responsabilidades da casa, enquanto juntas, as irmãs, vestem o uniforme azul e vão empolgadas torcer para o São Bento de Sorocaba dentro do estádio. Rosa Maria Ramalho, a costureira.

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Dentre as Irmãs Ramalho, Rosa Maria é considerada a “mais esportiva” e, também, a “mais corintiana”. Além de ser aquela que herdou, de forma mais marcada, o corintianismo no pai, José Ramalho, Rosa também assumiu seu gosto por qualquer modalidade esportiva. Sempre que podia acompanhava os canais televisivos voltados à temática. A família se mudou da cidade de Piedade quando o pai abriu uma mercearia em Sorocaba, justamente durante um jogo do azulão. Mas se com o pai aprendeu a gostar dos esportes, foi da mãe que Rosa herdou as técnicas de costura. Ela foi a responsável pela costura do primeiro bandeirão do São Bento, que finalizou em apenas três dias. E foi justamente pela sua intenção em produzir uma bandeira para torcer pela equipe que surgiu a ideia de as irmãs não somente costurarem um apetrecho, mas montarem uma torcida uniformizada, a Tira-Prosa, da qual se tornou presidente oficial. É Rosa, aliás, quem fazia, até a data da pesquisa do Museu do Futebol (2016), todas as flâmulas que os jogadores trocavam no início das partidas. Rosa articulou, junto com as irmãs, a viagem da família para o Estádio do Maracanã, em 1976, na famosa “Invasão Corintiana” na cidade carioca. Personalizaram o uniforme azul com o brasão corintiano e entraram com uma faixa “O São Bento torce pelo Corinthians”. A torcida alvi-negra desatou a gritar o nome do clube sorocabano em coro. Contam ter chorado e até os dias atuais se arrepiam ao lembrar de tal episódio. Rosa é a que mais sofre quando assiste o confronto entre o E.C. São Bento e o S.C. Corinthians, mas não tem dúvidas: seu coração sempre bateu mais forte pela equipe sorocabana.

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Maria Ramalho durante a invasão Corintiana.

Foi na várzea da região que Rosa declarou datar o início do seu interesse pelo futebol: o pai a levava para assistir aos jogos do Princesa Isabel. Com 21 anos já atuava no departamento do clube São Bento e anos mais tarde fez o curso de arbitragem na Associação Sorocabana e apitou dezenas de jogos no ano de 1979 ao lado de Maria Helena e Marina. Rosa Maria também esteve ao lado das irmãs na final do campeonato paulista de 1977, que marcou o fim do jejum de 23 anos da equipe alvi-celeste. Maria Helena, bateria e arbitragem.

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Marina, Maria Helena e Rosa Maria como trio de arbitragem.

A mais nova das Irmãs Ramalho é, também, a principal liderança do grupo. Maria Helena foi ainda muito nova para Sorocaba: tinha somente três anos quando seu pai resolveu abrir a mercearia na cidade, trazendo toda a família junto. Maria Helena contou que aprendeu com o pai a “prestigiar as coisas da sua cidade” e, também por causa disso, sempre teve muito apego pela principal equipe sorocabana da época, o São Bento. Mas, como ela mesma disse, acabou herdando, junto de suas irmãs, o modo de torcer “corintianista” do pai. Não ia aos jogos somente para assistir, mas principalmente para apoiar a equipe, atuando sempre ativamente. Por isso acabou fundando, junto de suas irmãs, a Tira-Prosa. Elas coletaram dinheiro com os comerciantes locais, encomendaram as camisas oficiais da torcida, organizaram a carreata, picaram papel e foram ao jogo contra a Portuguesa Santista, que terminaria em empate. Maria Helena foi quem assumiu a bateria e, durante a existência da Tira-Prosa, foi a principal responsável por “fazer barulho” nos jogos do São Bento. Desde pequena Maria Helena jogava bola na rua com os amigos e, já nessa época, tinha espírito de liderança: era ela, junto da irmã Marina, que escolhia os times que disputariam as partidas ali na rua. Mais tarde formou-se árbitra e, acompanhada de Rosa e Marina, suas auxiliares, apitou algumas partidas de futebol amador pelo Estado. O trio das Irmãs Ramalho acabava sendo uma grande atração pelas cidades em que circulavam, servindo até como chamariz para essas partidas, em grandes cartazes que anunciavam a “arbitragem a cargo do trio de belíssimas moças”.

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Torcida Tira Prosa durante excursão no interior de São Paulo.

Ela era também a mais apegada ao pai, o qual considera ter sido detentor de uma postura extremamente avançada para a época. Ele e a mãe permitiam sua ida ao estádio junto das irmãs, assim como a excursões para shows em São Paulo, a participação nos blocos de carnaval da cidade, entre tantas outras experiências. As meninas faziam, em suas palavras, “tudo o que todo mundo queria fazer, mas ninguém podia” – mesmo que, nestas experiências, sofressem frequentemente com o assédio violento dos homens presentes nesses locais. As maiores emoções vividas por Maria Helena foram no estádio de futebol. “É inexplicável” – diz ela – “eu já fui mãe, eu fui avó e nenhuma emoção é maior do que essa, de conquistar um campeonato (…) é uma alegria que é reconfortante. Você volta pra casa, deita na cama e pensa ‘meu deus, eu não vivi tudo isso’”. É também por essa razão que a mais nova das Ramalho não conseguiu aceitar a situação extremamente precária do clube e ajudou na fundação da associação “Vamos Subir, Bento!”, onde, em 2016, fez parte do conselho gestor e teve papel fundamental na organização e atuação da diretoria. Marina Ramalho, a poeta.

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As irmãs Maria Helena e Marina Ramalho.
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Folhetim de comemoração dos cinco anos da Torcida Tira Prosa.

Assim como suas irmãs, Marina nasceu em Piedade e foi, ainda criança, para Sorocaba. Teve no pai a principal referência no gosto pelo futebol e logo cedo já ia aos jogos do São Bento, equipe que escolheu para torcer. Marina Maria esteve junto das irmãs Rosa e Maria Helena em todas as aventuras que viveram na Torcida Uniformizada Tira-Prosa. Foi uma das fundadoras da torcida, realizou curso de arbitragem e frequentou as arquibancadas do estádio Humberto Reale até a equipe passar a sediar os jogos no C.I.C. (Centro de Integração Comunitário Walter Ribeiro). Foi também uma das articuladoras do movimento “Vamos Subir, Bento!” e em 2016, ocupava posição na direção do clube. De perfil questionador e combativo, Marina se destacou, dentre as irmãs, por ser muito ligada à literatura, compondo poesias cujo principal tema, como não poderia deixar de ser, sempre foi o futebol. Por vezes escrevia mensagens aos torcedores da cidade ou mesmo traduzia letras de música com mensagens positivas no Diário de Sorocaba, dentre elas a letra de Imagine, de John Lennon. Trabalhou como operária e ligou-se ao Partido dos Trabalhadores, atuando politicamente por meio do Sindicato dos Metalúrgicos. Sua formação política se fez, portanto, desde cedo. Aos 19 anos já compreendia o mundo a partir de um olhar crítico, o que faz com que, em 2016, entendesse, com profundidade, a atuação política da Tira-Prosa por meio do futebol: tiveram de lidar com o machismo presente no ambiente futebolístico, sofrendo todos os tipos de preconceitos e injúrias no Estádio. “Até hoje eu sinto uma coisa [ruim] quando chego no estádio”, diz Marina, que rememora ter de ser, em sua juventude, junto das irmãs, sempre “a primeira a chegar e a última a sair”, por conta dos perigos que poderia viver, enquanto mulher, naquele ambiente absolutamente masculino. Assim como Maria José e Rosa, Marina se formou em filosofia. Sente-se feminista por ter sempre buscado uma posição respeitosa às mulheres no mundo do futebol. Maria José, a irmã mais velha.

A irmã mais velha das Ramalho trabalha desde cedo como professora. Por esta razão, não pôde acompanhar as irmãs em algumas de suas aventuras – como na final do campeonato paulista de 1977. Adora artesanato e futebol, ocupando grande parte de seu tempo desfrutando de partidas futebolísticas na televisão. Maria viu o São Bento no auge e pôde presenciar partidas importantes da equipe contra o Santos de Pelé, o Palmeiras de Ademir da Guia e o Corinthians de Rivelino. Seu marido, vizinho e amigo de infância, não frequentava os estádios – assim como todos os outros homens da família –, mas é são-bentista e gravava todos os jogos da equipe para que ela pudesse assistir aos melhores momentos quando chega em casa.

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Centro de Referência do Futebol Brasileiro/Museu do Futebol

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Como citar

FUTEBOL, Museu do. Torcida Uniformizada Tira-Prosa de Sorocaba (TUTPS). Ludopédio, São Paulo, v. 88, n. 3, 2016.
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