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Um clube em busca de lar: a identidade itinerante do Nação Esportes

Albio Fabian Melchioretto 11 de janeiro de 2024

Os estaduais são competições controversas no cenário do futebol brasileiro no tempo presente. Apesar da qualidade técnica questionável, os torneios sustentam-se pelos interesses das federações locais, que possuem uma estrutura arcaica e centralizada. Os torneios representam uma tradição identitária na história do futebol nacional. Para além dos campos desvelam histórias interessantes e problemas crônicos. E o problema que se pretende abordar aqui são os endereços itinerários dos clubes, para a reflexão parte-se do caso do Nação Esportes, de Araquari, por ora, em Santa Catarina, que disputará a primeira divisão do estadual pela primeira vez em 2024. O Nação é apenas um exemplo, entre outros que repetem uma trajetória nômade. A questão que se mobiliza é a formação identitária territorial da comunidade ligada ao futebol.

Nação Esportes
Figura 1: Transformações do escudo do Nação Esporte. O primeiro escudo foi usado entre 2018 e 2021, na primeira fase em Joinville. O Segundo durante a passagem pelo clube em Canoinhas, 2022. O terceiro, foi adotado durante a segunda passagem por Joinville, em 2023. Desde dezembro de 2023, após o título da Série B, e o anúncio de “nova casa”, o último escudo, com a adição da estrela amarela representando a conquista e a mudança para Araquari. Fonte: pesquisador (2024).

O Nação Esportes é um clube novo, fundado em 2018, na cidade de Joinville. A primeira competição profissional disputada foi no ano de 2019, quando o clube comprou a vaga, na Série C do Catarinense, que pertencia ao Operário de Mafra. Na primeira disputa, conquistou o acesso para a Série B. No ano de 2021, em acordo com a prefeitura de Canoinhas, mandou os seus jogos na cidade do Planalto Norte, no Estádio Ditão. Na ocasião alterou o escudo, adicionando o nome da cidade, mantendo a sede em Joinville. Percorrida uma distância de 200 quilômetros para mandar os seus jogos. A parceria não rendeu os patrocínios planejados pela prefeitura de Canoinhas, algumas condições de contrato não foram cumpridas e o fã do futebol da cidade não abraçou o time. No ano seguinte, em 2022, o time retorna o mando dos jogos para Joinville, retirando a marca “Canoinhas” do escudo, alterando-o pela terceira vez.

No ano de 2023, o clube, em Joinville, conquistou o acesso à elite do campeonato estadual, quando levantou a primeira taça da história profissional, a Série B, superando o Internacional de Lages na final. No último dezembro, o clube anunciou a mudança de nome, passando a chamar-se, agora, Nação Araquari, e marcando a quarta troca de escudo em cinco anos. Em campo, o clube continuará com sede em Joinville e mandará seus jogos na Arena Joinville, acordo válido até dezembro de 2024. A prefeitura de Araquari trabalha para viabilizar a construção de um estádio para 2026.

Araquari é cidade polo-industrial limítrofe com Joinville. A mudança tem objetivo de atrair patrocinadores na cidade que tem um dos maiores crescimentos do estado. Araquari está num corredor entre Joinville e o Porto de São Francisco do Sul, possui uma localização econômica estratégica. A história recente do município é marcada pela instalação de uma montadora europeia de carros de luxo, em 2014. A partir dela, a cidade transformou-se, por exemplo, a soma dos bens e serviços finais produzidos pulou de R$ 474 milhões para R$ 4,4 bilhões, o que representa um crescimento de, 933%, segundo reportagem do Portal ND+ (2023).

Nação Esportes
Figura 2: Cidades envolvidas na trajetória itinerante do Nação Esportes. Fonte: pesquisador (2024).

A curta trajetória do Nação é marcada por dois acontecimentos. O primeiro deles é a rápida acessão à elite do estadual, o que não é inédito na história do futebol catarinense, e a segunda condição, a não territorialização do clube. A história do clube é marcada pelo envolvimento de quatro cidades, Mafra; Canoinhas; Joinville e agora Araquari. O que também não é inédito no futebol brasileiro. Qual a identidade de um clube itinerante?

O sentimento de pertencimento, ou identidade, se desenvolve a partir do encontro de indivíduos que compartilham valores culturais, se comunicam e interagem entre si, formando assim uma ideia de comunidade, como sugerido por Damo (2007). A identidade surge a partir de um sentido compartilhado no território, onde são construídas representações coletivas.

A consequência disso é que o sentimento de pertencimento fortalece os laços sociais e promove a coesão dentro da comunidade. Isso pode levar a um maior senso de solidariedade, cooperação e apoio mútuo entre os membros da comunidade. No caso do futebol, nem sempre, o senso de solidariedade representa uma condição moralmente aceitável de comunidade. O texto não entrará neste debate.

Além disso, a identidade compartilhada pode, em certo grau, servir como uma fonte de motivação e inspiração para ações coletivas, como a defesa dos interesses comuns ou a busca por melhorias em determinadas áreas. Por outro lado, a identidade também pode gerar exclusão e preconceito em relação a grupos que não compartilham dos mesmos valores ou características culturais, o que pode gerar conflitos e divisões sociais.

Como tudo isso pode ser gerado por um clube itinerante?

Evidente que o futebol do tempo presente atua num cenário globalizante e a razão da existência de muitos clubes é o valor comercial que possuem. Veja a metamorfose dos clubes – no sentido estrito da palavra – em sociedades anônimas do futebol, SAF. Esta transformação visa a atração de patrocinadores, parceiros de mídias e investidores. São elementos que estaria na base de uma mudança para Canoinhas, a volta a Joinville e agora, o olhar estratégico para Araquari.

A questão estética que envolve a torcida e a formação cultural com o torcedor tornar-se um elemento secundário. E isto é um grande problema. O torcedor é o maior defensor da entidade e assume uma posição secundário frente ao negócio. Patrocinadores e investidores vêm e vão, conforme as ondas do mercado. A formação da comunidade não está nas cifras, mas sim, nas pessoas. E aqui está o problema na formação itinerante do Nação e de tantos outros. Como o torcedor de Araquari receberá um clube itinerante? A experiência de Canoinhas, mesmo no durante-pós Covid-19, mostrou-se problemática.

Na questão torcida, há de se considerar que o município, nos últimos vinte anos, dobrou sua população. O crescimento é dado pela expansão econômica e oportunidade de empregos ofertados. A população, que sofre um processo de desterritorialização e nova formação identitária cultural, adotará as raízes de um clube de endereço fluído para torcer como “seu”?  A mobilidade do Nação não gera mobilidade de laços entre os torcedores.

O futebol do tempo presente é outro, quando comparado àquele surgimento dos estaduais. O negócio é o grande elemento mobilizador. A identidade cultural com o torcedor é uma perspectiva secundária. O caso do Nação é apenas um entre tantos outros. Veja por exemplo os clubes empresas formador de atletas, sem nenhuma intenção de profissionalizar-se. A capacidade do futebol de agregar identidade cultural em torno do pertencimento entre torcedores esvaísse-se nos processos de desterritorializações. E o novo território, do mercado, não comunica a perspectiva de um lar para chamar de seu.

Referências

PORTAL ND+. Araquari: a cidade que mais cresce em Santa Catarina | ND Mais. Florianópolis, 2023. Disponível em: https://ndmais.com.br/economia/araquari-a-cidade-que-mais-cresce-em-santa-catarina/. Acesso em: 5 jan. 2024.

DAMO, Arlei Sander. Do dom à profissão: formação de futebolistas no Brasil e na França.  São Paulo: Aderlado & Rothshild/ED. ANPOCS, 2007.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Albio Fabian Melchioretto

Doutor em Desenvolvimento Regional, pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Regional de Blumenau, (2023); Mestre em educação pela Universidade Regional de Blumenau (2016), com Pós-graduação lato sensu em Mídias e Educação (Universidade Federal do Rio Grande, 2012); Filosofia (Universidade Regional de Blumenau 2010) e Gestão Escolar (SENAC Florianópolis, 2007); graduado em Filosofia pelo Centro Universitário de Brusque (2006) e Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul, 2023. Atualmente, professor pesquisador ligado a Faculdade SENAC Blumenau e pesquisador líder do grupo ECOS (Estudo e Conhecimento SENAC)

Como citar

MELCHIORETTO, Albio Fabian. Um clube em busca de lar: a identidade itinerante do Nação Esportes. Ludopédio, São Paulo, v. 175, n. 11, 2024.
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