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Vê se volta

Leandro Marçal 17 de julho de 2018

Pô, eu sei que você veio com data certa para ir embora. Tudo bem que houve o aviso, estava tudo programado. Foram dias de insônia antes da sua chegada. Passei o endereço com um ponto de referência. As malas pesadas do táxi, a indicação do quarto de hóspedes.

Seria um mês inesquecível, ninguém duvidou.

Dias antes de tudo começar, diversos passeios nos pontos turísticos, explicações sobre características locais e como se comportavam os grandes personagens dessa história toda. Que não começou ontem, né?

Eu sei, eu sei. É maior que eu, mas não tenho como evitar. Não me envergonho dessa lágrima escorrendo pelo canto do rosto. Me recuso a enxugá-la. Tem que ser assim.

Quando tudo começou de fato, evitamos pensar no fim, na despedida, mas faz parte da vida, não é?

Ninguém conseguia parar de olhar para você. Houve quem torcesse o nariz e não admitisse a beleza estonteante, de parar o trânsito. O trânsito não, o mundo. Que foi seu por 30 dias. Ou mais que isso, mas nesses dias há algo diferente.

A Taça da Copa do Mundo. Foto: RFS RU.

Não me venha com essa falsa modéstia. Sei que tem muita gente querendo tirar uma vantagem, uns e outros já foram até para a cadeia por isso. Para quem pede otimismo e um pouco de esperança nos dias históricos, nada mal, não é?

E aí quando a gente já se acostuma com sua presença diária, com o povo falando o tempo todo nos bares, nas festas e nos programas de televisão, chega a hora de ir embora. Mania de adulto, de firmar compromissos, impor datas, deixar claro que tudo na vida tem um fim.

Podia ser assim o tempo todo, a vida toda. Ficaria com a gente aqui para sempre, andaríamos mais leves, com a expectativa de chegar em casa e dar de cara com esse monumento. Não custa sonhar.

Só espero mesmo é que cumpra a promessa de voltar daqui a quatro anos. Sei que todo mundo começa a se preparar para deixar a casa arrumadinha até sua volta, mas não é a mesma coisa. Não queria inflamar demais essa vaidade toda, mas a presença por aqui é um negócio inigualável, indescritível.

Deixa um bilhete ou uma lembrancinha para eu pendurar no retrovisor do carro, ou mesmo no chaveiro. Vou guardar com um carinho especial algumas fotos e recordações, prometo que farei de tudo para que não caia no esquecimento. Não precisa disso, eu sei, mas não custa.

Não esquece, hein? Aproveita esse tempo todo porque vai ser sempre assim: enquanto estiver por aqui, vamos consumi-la ao máximo, como quem suga as últimas energias por um sopro de vida. Não tem jeito, nem dá para ser diferente.

Vê se volta, Copa do Mundo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Vê se volta. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 23, 2018.
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