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Walking Football como uma possibilidade de prática do futebol para mulheres 60+

O Brasil já ultrapassa 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e é estimado que em 2050 essa população supere a marca das 67 milhões de pessoas[1]. Embora a expectativa de vida tenha aumentado, ela não necessariamente tem sido acompanhada por uma melhora na qualidade de vida. Entre os aspectos alarmantes, se encontra o elevado índice de inatividade física. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostrou que menos de 30% da população com 60 anos ou mais pratica atividade física e esportiva regularmente (PNUD, 2017). Essa participação cai para 12% entre mulheres negras que recebem até meio salário-mínimo por mês (PNUD, 2017). Portanto, ao implementar políticas públicas e demais ações para reverter o cenário de sedentarismo entre essa população é importante levar em consideração a influência das intersecções entre gênero, raça e classe. 

Entre os principais desafios enfrentados no oferecimento de atividades físicas e esportivas se encontram o controle da intensidade do exercício e a redução do risco de lesão. Nesse contexto, o Walking Football (WF) tem sido proposto com uma prática segura e prazerosa para pessoas com 60 anos ou mais. O termo ainda não possui uma correspondência específica para o português, mas em uma tradução livre, significa futebol caminhando. Estudiosos e estudiosas sobre o tema argumentam que sua prática regular proporciona a melhora na condição física geral e a prevenção de doenças cardiovasculares (MURTAGH et al., 2010), a redução da resistência à insulina (KUMAR et al., 2019), a melhora na capacidade funcional e mobilidade dessa população (FIELDING et al., 2017) e o fortalecimento das conexões sociais (NIELSEN et al., 2014).

A modalidade foi inicialmente estruturada na Inglaterra no ano de 2011 e, desde 2019, é promovida no território nacional pela Walking Football Brasil (WFB). Embora essa proposta apresente características específicas que a diferencia de demais países do mundo, as principais regras, como não poder correr e ter contato físico durante o jogo, foram mantidas. Entre seus diferenciais está a preocupação com a promoção de uma prática diversa e inclusiva, que se aproxima do esporte de participação, e com a maior participação das mulheres. Em outros países, o esporte reproduz um modelo de rendimento e competição esportiva, sendo praticado principalmente por homens que tiveram diversas oportunidades  de prática esportiva ao longo da vida (COREPAL et al., 2020).

A proposta inclusiva e equalitária em solo brasileiro, reflete a preocupação do presidente da organização, Ricardo Leme, em romper com as barreiras que historicamente dificultaram a participação de meninas e mulheres na modalidade.

Hoje a gente tem 66% de mulheres praticando Walking Football no Brasil. Isto foi de propósito mesmo porque a mulher esteve proibida de jogar futebol até 1979. Por mais que isso pareça batido, a gente tem que repetir inúmeras vezes porque eu acho que historicamente a gente tem um compromisso de, primeiramente, introduzir esse esporte, trazer a mulher para esse esporte e tornar esse esporte de fato inclusivo (Ricardo Leme, Presidente da Walking Football Brasil).

No processo de planejamento e implementação da modalidade, a WFB poderia ter replicado o modelo adotado pela maioria das organizações esportivas que valoriza o esporte competitivo. Entretanto, seus idealizadores reconhecem que essa proposta fomentaria a participação de pessoas com ampla vivência no futebol e distanciaria ainda mais aquelas que não tiveram oportunidades ao longo da vida.

Se eu não introduzisse primeiro o que eu chamo de esporte para a vida, talvez a gente fosse muito semelhante ao resto do mundo. Eu teria muitos times de Walking Football pelo Brasil e mais uma vez a gente introduziria um esporte no país deixando de lado muita a gente, deixando de lado quem nunca jogou futebol, deixando de lado quem em algum momento foi segregado dentro do esporte.

Os esforços da organização refletiram na criação de uma metodologia específica que levasse em consideração os aspectos socioculturais da população brasileira e que oportunizassem a iniciação tardia na modalidade. A implementação dessa metodologia tem possibilitado que mulheres com mais de 60 anos tenham o contato com o futebol pela primeira vez e que se mantenham ativas no esporte. Esses esforços têm promovido cada vez mais a atração e manutenção das mulheres na modalidade, representando quase 70% da população praticante no território nacional.

 

Walking Football Brasil
Fonte: Imagem extraída do site oficial da Walking Football Brasil (https://www.wfb.org.br/).

A preocupação com a participação de mais mulheres também é ampliada para outros cargos esportivos, como professoras e gestoras. Segundo Leme, “A gente quer um recorte que tenham mais professoras de Walking Football pelo Brasil porque aí eu também consigo entender que essa dinâmica vai começar a se desenvolver de uma maneira fluida, não deixando ninguém para trás”. A fala do gestor reconhece a importância da representatividade das mulheres nas posições de professoras e treinadoras e seu impacto positivo na promoção do esporte para essa população.

O Walking Football Brasil representa uma organização comprometida com o esporte, com um envelhecimento ativo e saudável e com a mudança social. Essa entidade tem se consolidado como um exemplo para demais grupos que buscam promover um esporte com mais diversidade e inclusão. Sua prática nos ensina que reproduzir o sistema esportivo e competitivo é manter as desigualdades e perpetuar a exclusão, e nutre nossa esperança por uma gestão esportiva mais consciente e engajada capaz de promover a transformação.

Notas

[1] Projeção do Portal de Dados do Envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Referências

COREPAL, Rekesh et al. Walking soccer: A systematic review of a modified sportScandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 30, n. 12, p. 2282-2290, 2020.

FIELDING, Roger A. et al. Dose of physical activity, physical functioning and disability risk in mobility-limited older adults: Results from the LIFE study randomized trialPloS one, v. 12, n. 8, p. e0182155, 2017.

KUMAR, A. Sampath et al. Exercise and insulin resistance in type 2 diabetes mellitus: A systematic review and meta-analysisAnnals of physical and rehabilitation medicine, v. 62, n. 2, p. 98-103, 2019.

MURTAGH, Elaine M.; MURPHY, Marie H.; BOONE-HEINONEN, Janne. Walking – the first steps in cardiovascular disease preventionCurrent opinion in cardiology, v. 25, n. 5, p. 490, 2010.

NIELSEN, Glen et al. Health promotion: the impact of beliefs of health benefits, social relations and enjoyment on exercise continuationScandinavian journal of medicine & science in sports, v. 24, p. 66-75, 2014.

OMS. Organização Mundial da Saúde. Ageing country profile. Disponível em: https://platform.who.int/data/maternal-newborn-child-adolescent-ageing/static-visualizations/ageing-country-profile. Acesso em 26 de outubro 2023.

PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional – Movimento é Vida: Atividades Físicas e Esportivas para Todas as Pessoas: 2017. Brasília: PNUD, 2017.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Júlia Barreira

Professora na Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Desenvolve pesquisas relacionadas à participação e ao desempenho de mulheres no futebol. Recebeu o Prêmio Brasil de Teses e Dissertações sobre Futebol ao investigar o processo de desenvolvimento do futebol de mulheres em 11 países do mundo.

Como citar

BARREIRA, Júlia; GOMES, Mariana Simões Pimentel; LEME, Ricardo. Walking Football como uma possibilidade de prática do futebol para mulheres 60+. Ludopédio, São Paulo, v. 173, n. 6, 2023.
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