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Nossos treinadores, assim como todos nós, podem melhorar (contra o racismo e a xenofobia)

Na tarde de domingo de 25 de julho de 2010 eu estava no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, quando Mano Meneses fez sua última partida como treinador do Corinthians, em sua primeira passagem pelo clube, então já contratado como técnico da seleção nacional. O jogo contra o Guarani terminaria com vitória do time anfitrião por 3 a 1, emoldurada pela boa partida do astro Roberto Carlos e pela atuação decisiva de Bruno César. Concluída a peleja, com os refletores já acesos, o treinador que se despedia deu uma volta olímpica, sendo ovacionado pela torcida. Foi um momento emocionante que serviu para confirmar, em meu registro pessoal, a ambiguidade de meus sentimentos em relação a Mano, de admiração, mas também de contínuo desapontamento.

Responsável por montar e dirigir a forte equipe que o Timão levou a campo em 2008 para, sem sustos, vencer a Série B e voltar à elite do futebol brasileiro, ele vinha de trabalhos que causavam boa impressão. Chegara à semifinal da Copa do Brasil com o 15 de Novembro, de Campo Bom, Rio Grande do Sul, em 2004, e vencera a Segunda Divisão Nacional com o Grêmio, na épica Batalha dos Aflitos, em 2006, quando o Tricolor derrotou o Náutico com poucos jogadores em campo, duas cobranças de pênalti defendidas pelo goleiro Galatto e um gol incrível do jovem Anderson ao final do jogo. Além disso, um ano depois levara o time à final da Copa Libertadores da América, perdendo para o forte Boca Juniors de Riquelme, Palacio e Palermo. Com o Corinthians, vencera um Paulista e uma Copa do Brasil, aliás, os dois últimos títulos conquistados de Ronaldo, o Fenômeno, como jogador. Era o campeão também no Twitter, onde tinha milhares de seguidores que continuamente eram alimentados por informações sobre o time e o trabalho no dia a dia.

Na seleção, Mano não teve tanto sucesso, tendo sido despedido em seu melhor momento, quando já tinha um time e um esquema. Quando do Superclássico das Américas, a Copa Roca, contra a seleção argentina, reclamou do regulamento que permitia que apenas futebolistas que jogassem nos dois países participassem do torneio. O fato é que havia argentinos atuando no Brasil e que jogariam, como jogaram, por sua seleção, o que o treinador brasileiro achava injusto, já que não havia brasileiros de destaque no campeonato argentino. Ele entendia que os futebolistas deveriam atuar em seus próprios países para que pudessem ser convocados.

Não foi a primeira vez que Mano evocou um detalhe tornando-o, em seu discurso, superlativo. Foram várias as críticas públicas a jogadores, direta ou indiretamente, como ao jovem Lulinha, a joia da base do Corinthians, que foi desprezado, ou a Dentinho, que homenageou a este último quando ele deixou o clube, ou ainda a Douglas e a André Santos, que falharam decisivamente na seleção em amistosos, sem receber uma segunda chance.

A carreira de treinador levou Mano ao Flamengo, clube que surpreendentemente abandonou, justificando que já não tinha como ajudar o time naquele segundo semestre de 2013. Foi o melhor que aconteceu com o rubro-negro que, sob o comando de Jayme de Almeida, levantou o título da Copa do Brasil e, no início do ano seguinte, do Carioca.

Mano Menezes quando assumiu o Bahia em setembro de 2020. Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia.

Há poucos dias, agora no Bahia, e enfrentando justamente o time da Gávea, Mano protagonizou mais um episódio triste, desta vez no contexto de uma suspeita de racismo. Como foi amplamente divulgado, Gerson, o talentoso volante do Flamengo, teria sido insultado por Ramírez, um ótimo jogador que atua pelos baianos. Mano duvidou da acusação e, ainda no calor do jogo, classificou de malandragem a atitude do flamenguista, lembrando, ademais, que ele não reclamara ao perder o duelo e ser anulado por Daniel Alves, nas partidas contra o São Paulo pela Copa do Brasil deste ano. Gerson respondeu que com ex-lateral do Barcelona havia sido jogo limpo. Aliás, que Fernando Diniz tenha escalado seu melhor jogador para, deixando de lado sua força na articulação do time, marcar o volante adversário, já mostra que não se trata de qualquer jogador em ação.

A constrangedora manifestação de Mano ganhou um complemento na coletiva de Rogério Ceni, treinador do Flamengo, que lembrou a condição de estrangeiro de Ramírez, que é colombiano, como se isso agravasse o insulto possivelmente proferido por ele. Por sua vez, Rodrigo Dunshee de Abranches, vice-presidente jurídico do Fla, referindo-se à acusação de que Bruno Henrique teria sido xenofóbico em relação a Ramírez em outro lance do jogo (este teria cometido racismo contra ele), declarou o seguinte ao SportTV: “Está muito no campo da especulação. Acho que é mais um desejo do Bahia de ver a situação que não tem a ver com xenofobia como xenofobia. ‘Gringo’, ‘gringo louco’, já conheci várias pessoas com esse apelido e ninguém se ofendeu. É dizer que a pessoa é estrangeira”. Lamentável.

Não está claro se houve ou não insultos racistas e xenofóbicos. Admiro Gerson como jogador, assim como por suas posições: rejeitou ficar calado quando se sentiu agredido, enfrentou a CBF ao pedir dispensa da seleção olímpica, há um ano, porque vinha de uma temporada e meia sem férias e precisava descansar. Seria muito bom que seguíssemos seu exemplo e nos indignássemos frente a todo tipo de preconceito ou desconsideração de direitos, mesmo quando isso não nos afeta diretamente.

Mano, Rogério e Dunschee de Abranches, infelizmente, não estão sozinhos. Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo já minimizaram atos com conteúdo racista, dizendo que são da cultura do futebol as provocações diversas. O que acontece do alambrado para dentro deveria lá permanecer. Difícil concordar com eles.

Ilha de Santa Catarina, dezembro de 2020.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Nossos treinadores, assim como todos nós, podem melhorar (contra o racismo e a xenofobia). Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 50, 2020.
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