Em um programa de televisão há alguns anos, Flávio Prado coordenava uma mesa da qual fazia parte o então goleiro Sérgio, que fez história no Palmeiras dos anos 1990 e 2000. Em meio a tantos assuntos que são tratados – ou pelo menos abordados – em ocasiões como aquela, veio à tona a cor das camisas usadas pelos arqueiros. O antigo ídolo palestrino, que chegou à seleção brasileira e estava prestes a se apresentar no Santos, disse gostar de atuar com uniformes de cores escuras. O apresentador perguntou-lhe, então, pela cor preta, questionando se era proibida no Palestra Itália. O jogador desconversou, reafirmou o gosto pelas tonalidades escuras, citou o azul-marinho, mas nem mesmo frente à insistência de Flávio confirmou o veto que, no entanto, todos sabemos que existe: não se pode, no Alviverde, usar a cor do grande rival, o Corinthians.

Se o bom arqueiro palmeirense fugiu da polêmica, não foi o mesmo que aconteceu, mesmo que inadvertidamente, com o atacante Jô, do Timão, em junho do ano passado. Ele atuou em partida contra o Bahia, em Salvador, calçando chuteiras que muitos identificaram como verdes, cor proibida em Itaquera (pouco antes da inauguração no novo estádio, em 2014, toda uma vidraria teve que ser trocada porque, sob incidência de luz, tornava-se esverdeada). O jogador afirmou que o calçado era azul-turquesa, informação que também constava no site da empresa fabricante, mas, mesmo assim, e sem mencionar o motivo de por que se tratava de uma infração profissional o uso de tal equipamento, o Corinthians lançou nota afirmando ter multado o seu camisa 77. Pesou contra ele, há um ano, como há poucos dias, em outro episódio, a pressão exercida por parte da torcida corintiana.

Quando em 2003 Jô estreou no time profissional do Corinthians, muitos torcedores, inclusive eu, ficaram surpresos. Não eram tantos os que conheciam o menino de 16 anos que entrava em campo e não se intimidava em jogos com gente com mais do que o dobro da idade dele. Ao contrário, não demorou para que logo marcasse o primeiro gol da exitosa carreira que já dura quase duas décadas. No ano seguinte ao da estreia, ainda desceu para o time sub-20 para disputar e ser campeão da Copa São Paulo de Futebol Junior, quando fez dupla de ataque com Abuda, outro bom atacante, campeão mundial sub-17 na temporada anterior.

Foram poucos anos na base do futebol do Timão, depois de um período no futsal. Tampouco durou muito sua primeira experiência pelo time de cima: em 2005, empresariado por Kia Jorabchian, foi mostrar seu futebol de técnica, força, leitura de jogo, solidariedade na defesa, finalizações precisas e bom número de gols, no CSKA, em Moscou, Rússia. De lá transferiu-se para o Manchester City, antes de o time ser a potência que é hoje, mas que já era, claro, uma equipe de Premier League. Jô circulou pela China, Japão, Emirados Árabes Unidos e por times brasileiros, o que incluiu duas novas incursões no próprio Corinthians, a última recém-concluída, de forma abrupta e confusa. Em meio a isso, viveu uma tão rápida quanto conturbada passagem pelo Internacional, de Porto Alegre, e outra, de grande sucesso, pelo Atlético Mineiro. O desempenho pelo Galo na campanha do título da Libertadores em 2013 o credenciou para compor o grupo que disputou a Copa um ano depois, na reserva de Fred.

Jô sempre, ou quase sempre, jogou bem no Corinthians. Em sua segunda passagem, em 2017, foi campeão e artilheiro do Campeonato Brasileiro, e na volta em 2020 reestreou na final do Paulista, saindo do banco para empenhar-se em tentar o título na final contra o Palmeiras. Na disputa de pênaltis foi o primeiro cobrador e, mesmo convertendo sua tentativa, o campeão foi o adversário. De lá para cá, o atacante – que já não era mais, havia muito, o “Garoto Jô”, como a ele se referia, há quase vinte anos, Galvão Bueno – teve alguns altos e baixos, mas não deixou de apresentar bom desempenho em campo. Aos sumiços e descuidos (como os dias desfrutados em um resort, em plena pandemia, jogando vôlei em uma piscina, sem máscara), vieram a somar-se mal-entendidos, a exemplo da chuteira azul, e a participação em um pagode, há dez dias, tocando um tantan, enquanto o time perdia para o Cuiabá, pelo Brasileirão deste ano. O fato irritou torcedores, que passaram a exigir a demissão do jogador, posição que foi a mesma da diretoria e do treinador Vítor Pereira. Circulou pela internet a imagem do atleta de costas para uma televisão que mostrava a partida. Durante o dia, ele realizara tratamento no clube, mas na manhã seguinte, temeroso, não apareceu no departamento médico. Não demorou para a rescisão contratual ser assinada, em comum acordo entre as partes. Jô já tivera o carro vandalizado por torcedores enfurecidos, em outro momento, e não quis correr o risco de passar por situação semelhante ou ainda pior.

Finalmente, talvez por causa das muitas confusões em que está metido na vida pessoal, e que vieram a público nas últimas horas, o desfecho preferido por Jô foi, quem sabe, a separação amigável com o Corinthians, deslocando-se da zona de pressão máxima que é o time de Itaquera. Não julgo as ações do jogador fora do campo. Só espero que como homem adulto, João Alves de Assis Silva assuma a responsabilidade pelos seus atos. Quanto à sua história no Timão e com sua torcida, termina como muitos dos grandes amores: momentos plenos, eufóricos, que dão a impressão de que serão eternos, mas que amiúde encontram seu desiderato em desencontros, amarguras e incompreensões. De minha parte, tomo emprestadas as palavras que Milly Lacombe ao final de um belo texto dedicado ao ídolo. Depois das oportunas ponderações, ela foi precisa: “Vai com Deus, Jô. E obrigada por tudo”.

São Paulo, junho de 2022.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Jô e o Corinthians. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 20, 2022.
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