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A TJB e o Botafogo da Paraíba: eles estavam lá… de novo!

Aconteceu de novo.

Tal como em 2016 e 2018, o Botafogo-PB chegou à rodada final da Série C do Campeonato Brasileiro de 2021 com chances de acesso para a Série B, um objetivo que é prioridade máxima do clube desde 2014 – ano seguinte ao acesso da Série D para a Série C – e que pouco a pouco vai virando uma espécie de obsessão torcedora.

Mais uma vez, o jogo decisivo foi fora de casa, no Sudeste, muito distante de João Pessoa e do Estádio Almeidão, a sagrada casa dos torcedores botafoguenses.

Estádio Almeidão
Estádio Almeidão. Foto: Divulgação

Pela terceira vez em seis anos, o Belo viajou, jogou, perdeu, não subiu, seguiu amargamente na Série C.

Aconteceu de novo, eu já disse.

É uma espécie de “maldição”, conforme termo êmico solenemente proferido por interlocutores meus, todos botafoguenses.

Uma maldição que os relegam ao sofrimento, à dor, à incerteza, ao sufocamento, à incompreensão, aos pesadelos repetitivos, em que a ansiedade por um final diferente – e feliz – antecipa a decepção que, hoje em dia, já parece inevitável.

Uma maldição, em resumo, que os relegam indefinidamente à terceira divisão.

A propósito, como reles parênteses, eu acho curiosa essa relação entre expectativas e realidades que cerca os diferentes torcedores de futebol.

Enquanto alguns vivem o ápice da dor por jogarem a Série B, os torcedores do Belo vivenciam essa dor justamente por não conseguirem jogar a competição.

Mas, ao bem da verdade, eu gostaria mesmo era de falar aqui dos integrantes da Torcida Jovem do Botafogo-PB (TJB) e do orgulho deles de bater no peito e bradar… “eu estava lá”.

Torcida Jovem Botafogo-PB
Foto: reprodução Facebook/Torcida Jovem do Botafogo-PB
 

Aliás, é Toledo (1996) quem discute esse orgulho das torcidas organizadas de estarem lá, de se fazerem e de se mostrarem presentes, de darem certo status, maior grau de importância, àqueles torcedores que, afinal, estiveram lá.

No caso recente do Belo e da TJB, em Varginha em 2016, em Ribeirão Preto em 2018, em Itu agora em 2021.

Veja bem, a TJB é majoritariamente formada por torcedores pobres, moradores de bairros periféricos, que são criminalizados pelas forças de segurança e que vivem suas paixões torcedoras com pouquíssimo dinheiro.

“Estar lá” para eles, pois, é muito mais difícil do que para outros que também vão (de avião, por exemplo).

Eles, os integrantes da TJB, viajam de ônibus, num cálculo preciso para chegarem apenas no dia do jogo e para saírem logo após o apito final. E, assim, não precisar gastar com hospedagem. São dois dias para chegar ao local da partida, um dia na cidade do clube rival em meio a ansiedades e riscos, dois dias voltando para casa após a amarga e derradeira derrota.

Eu já vivi essa experiência em 2018. Já escrevi sobre ela (CARVALHO, 2019). É uma experiência cansativa, emocionalmente desgastante. E, justo por ser recorrente nas últimas temporadas, segue me impressionando e me impactando. Com a curiosidade de que, é cada vez mais cristalino em minhas pesquisas, o “estar lá” numa tragédia parece ter maior valor simbólico do que o “estar lá” num dia de glória.

Por mais paradoxal que possa parecer, é a presença repetida e resignada em dias de amargor e de derrota dolorosa que, ao menos a longo prazo, faz alguém ser reconhecido como sendo um “verdadeiro torcedor” pelos seus pares de arquibancada.

É óbvio que ninguém quer perder. Mas, tendo perdido, as testemunhas daquele momento trágico são ressignificadas com o tempo.

Sobreviventes de uma batalha perdida que se recuperam, rumam uma vez mais ao campo de batalha, tornam a perder, a se ferir, a sobreviver, voltam a se recuperar, voltam a estar prontos, destemidos, para a próxima jornada – e eventual derrota.

Caroço de Pinha
Caroço de Pinha na Arquibancada Sombra do Estádio Almeidão, em 2018 Foto: Phelipe Caldas

Inevitavelmente, com o tempo, essa testemunha ganha importância na torcida, na arquibancada, no entorno do estádio.

Olham para esse torcedor com espanto, incredulidade, admiração. Olham, e dizem solenemente:

“É preciso respeitar, afinal. Estava lá em 2016, estava lá em 2018, estava lá de novo em 2021”.

Isso, convenhamos, não é pouca coisa.

Afinal, haveremos de concordar com uma das principais máximas das arquibancadas. Aquela que diz que é fácil ir ao estádio para ser feliz. Difícil mesmo é ir, e continuar indo, mesmo quando o destino inescapável é o sofrimento impiedoso.

Referências

CARVALHO, Phelipe Caldas Pontes. O Belo e suas Torcidas: um estudo comparativo sobre as formas de pertencimento que cercam o Botafogo da Paraíba. Dissertação (Mestrado em Antropologia), UFPB, João Pessoa, 2019.

TOLEDO, Luiz Henrique de. Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas: Autores Associados/Anpocs, 1996.


Sobre o LELuS

Aqui é o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade. Mas pode nos chamar só de LELuS mesmo. Neste espaço, vamos refletir sobre torcidas, corporalidades, danças, performances, esportes. Sobre múltiplas formas de se torSER, porque olhar é também jogar.

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Phelipe Caldas

Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba, graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPB. É escritor e cronista, com quatro livros já publicados. Integra o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade (LELuS/UFSCar) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnografias Urbanas (Guetu/UFPB). É membro-fundador da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme).

Como citar

CALDAS, Phelipe. A TJB e o Botafogo da Paraíba: eles estavam lá… de novo!. Ludopédio, São Paulo, v. 149, n. 22, 2021.
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