154.13

Brusque Futebol Clube (e a publicidade nas camisas)

Para a Daiane Eccel

O Brusque Futebol Clube conquistou, há uma semana, o Campeonato Catarinense de Futebol, em segunda partida das finais jogadas contra o Camboriú Futebol Clube. Que ambos tenham desbancado os cinco “grandes” de Santa Catarina (Figueirense, Avaí, Chapecoense, Criciúma e Joinville), não deixa de ser um feito que, destaque-se, nada teve de casual. Foram os dois times com futebol mais consistente os que decidiram o título em jogos de ida e volta relativamente equilibrados, sempre terminados em empate (1x 1 e 0 x 0). Com melhor campanha, o Brusque tinha o benefício dos resultados similares.

Brusque
Brusque é campeão Catarinense de 2022. Foto: Divulgação | Brusque FC

Muito do sucesso do campeão deve ser creditado ao competente Waguinho Dias. Treinador com histórico comum no Brasil (passou por dezenas de empregos), parece ter encontrado no Brusque seu lugar ideal de trabalho. Além do título recente, salvou o clube do rebaixamento para a Série C do Brasileiro em 2021, e há três anos foi o comandante no título nacional da Série D. Naquele mesmo 2019, mas em seu início, Waguinho orientou o Marcílio Dias, de Itajaí, no Campeonato Catarinense. Lembro-me que, naquele já distante março, meu amigo Antonio Jorge Soares e eu fomos ao Estádio da Ressacada assistir à derrota do time frente ao Avaí, ficando impressionados com o padrão tático que a equipe, embora vencida, mostrava. Com um grupo de jogadores muito inferior ao do quadro da capital, o hoje técnico do Brusque equilibrou o jogo na maior parte do tempo.

O título estadual é o segundo da história da equipe do Vale do Itajaí, juntando-se ao conquistado há exatas três décadas. O Brusque nasceu, por assim dizer, em 1987, fruto da fusão do Clube Esportivo Paysandu com Clube Atlético Carlos Renaux, que formou uma agremiação a levar de forma unificada o nome da cidade. Havia exemplos a seguir. O Joinville Esporte Clube nascera da composição do Caxias com o América, em 1976, firmando-se com o mais vencedor de Santa Catarina durante tempo; o Criciúma Esporte Clube foi a nova denominação do Comerciário, antiga associação esportiva do Sul do estado, que mudou suas cores em 1984 (seis anos depois de sua fundação) para tentar agregar torcedores de seus concorrentes históricos, como o glorioso Metropol.[1] Os criciumenses têm uma considerável galeria de títulos, inclusive uma Copa do Brasil (1991). Comportar a rivalidade local entre dois adversários na mesma cidade parece ser coisa que só Florianópolis, por ser a capital do estado, é capaz.  

Rivalidades pacificadas? Nem tanto, já que muitos brusquenses não se conformaram com o fim das agremiações originais, uma levando o nome de uma cidade uruguaia conquistada por complicada aliança entre o Partido Colorado local e o Império Brasileiro, em 1864, o outro homenageando um fabricante de tecidos local. Paysandu e Carlos Renaux seguem se enfrentando em torneios amadores da região.

Brusque
Fonte: Wikipédia

Suponho que o Brusque seja uma das poucas equipes brasileiras que oficialmente ostenta quatro cores: vermelho, verde, branco e amarelo. Ao festival de tons das camisas oficiais, somam-se, como acontece com praticamente todos os times de futebol profissional, os nomes e símbolos de empresas patrocinadoras, o que contribui para a poluição visual e para certa falta de sobriedade do qual os uniformes hoje padecem. 

Foi nos anos 1980 que começou a conspurcação das camisetas dos clubes de futebol. A publicidade que passou a estampar a parte superior das costas e logo depois o tórax dos jogadores, por certo tornou o futebol profissional mais viável economicamente – não o bastante, ao que parece, se considerarmos as dívidas que abundam no meio futebolístico –, mas fez o espetáculo visual ficar mais pobre. Entre 1982 e 1983, o Corinthians Paulista levava na sua, entre outras mensagens, a inscrição diretas-já, em campanha para que voltássemos a ter eleições diretas para presidente da República, suspensas desde que o golpe civil-militar instalara uma fileira de generais ditadores que nos aterrorizaram por duas décadas – processo que consolidou, ademais, uma cultura autoritária da qual temos enormes dificuldades em nos desprender. Como sabemos, a emenda constitucional de Dante de Oliveira não foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1984, e apenas com a nova carta magna, em 1988, a escolha pública do presidente voltou a funcionar no Brasil. Antes disso, porém, a inscrição política da camiseta corintiana já fora proibida. Propaganda de refrigerante podia e pode, defesa da democracia, não.

Democracia Corinthiana
Reprodução: Twitter oficial do Corinthians

Pois bem. Não é incomum que fãs do futebol comprem camisas de clubes, em especial as do time do qual são torcedores. Muitos fazem questão das do ano em curso, com a respectiva publicidade no peito, mimetizando os jogadores. Que alguém queira se diluir na fantasia de ser mais um a jogar, portando a mesma roupa de quem está no campo, já é algo a causar curiosidade. Mas, que essa identificação chegue ao ponto de levar no peito o nome de uma empresa, comprando a camiseta com a publicidade, me parece um pouco demais. Talvez seja este mais um sintoma da redução de cada um à pura economia, dada a suspensão da política e a subjetivação quase que absoluta da forma mercadoria. Se isso vale para todos os patrocinadores, o do Brusque causa um pouco mais de repulsa. Que o Brusque avance e leve alegria aos seus torcedores e aos amantes do futebol. E que seu patrocinador caia no esquecimento.

Ilha de Santa Catarina, abril de 2022.

Notas

[1] Sobre o Metropol vale muito a leitura do agradável e informativo livro do cartunista, entre outros ofícios que tem, Zé Dassilva, cuja terceira edição saiu há pouco, Histórias que a bola esqueceu – a incrível trajetória do E. C. Metropol e de sua torcida (Carbo Editora).

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Brusque Futebol Clube (e a publicidade nas camisas). Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 13, 2022.
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