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Das arquibancadas para a sala de aula: O Ensino de História pela voz da torcida popular cearense

O presente trabalho é um resumo da apresentação realizada no V SEMINÁRIO DO LAPHIS e tem como objetivo relacionar futebol, ensino de história e as músicas cantadas pela torcida popular cearense representada pelo Ferroviário Atlético Clube. Foi realizada a escolha do cântico “Os Operários”, cantado nas arquibancadas pela torcida coral, com o intuito de responder à pergunta de como usá-la como fonte de auxílio para o ensino de história. 

“O Ferrim tem seus amigos que são os trabalhadores ele é dos operários que são os seus fundadores, oh torcedores amigos eu estou sempre ao seu lado pois o ferroviário é do operariado” (Trecho da música Os Operários) 

A voz que estremesse as arquibancadas cearenses

A música  — composta por Zezé do Vale em 1981 — apresenta as origens do clube fundado por operários ferroviários  na cidade de Fortaleza em 1933. Ao escutar a música, percebe-se a ênfase na ligação do clube com a classe do operariado que estava participando de mudanças na conjuntura entre capital e trabalho com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

 Getúlio Vargas construiu o seu projeto de Modernização Nacional – Estatista com o intuito de  desenvolver o país a partir da  união de todos os indivíduos da nação , a partir de então o governo não aderiu há politicas que incentivassem ou que escancarassem as lutas de classes, gênero e/ou raça na sociedade. Dessa maneira,  Getúlio construiu a imagem do seu governo baseado na tentativa de domesticação das distintas classes sociais, principalmente a dos trabalhadores sua base eleitoral e futuramente de legitimação da ditadura do Estado Novo (1937 – 1945).

A partir de então, o Tubarão da Barra  formava o seu time em uma década que se discutia a profissionalização ou não do futebol no país,  esta discussão interessava muito às elites desportivas, pois a profissionalização significava a popularização do esporte e a entrada de jogadores oriundos da classe mais pobre nos times. Com isso, Vargas percebendo que o futebol caminhava para se tornar um esporte também dos trabalhadores, apoiou a profissionalização do futebol com um discurso baseado na integração nacional.

A partir dos anos 1930, o espaço de sociabilidade do futebol sofreu a intervenção direta do Estado Nacional. Mas, vale destacar, essa intervenção atendeu ao pedido dos clubes profissionais e às demandas sociais do trabalhador, que lutavam desde a Primeira República, por meio de variadas estratégias – seja usando pó de arroz, seja usando registros falsos de trabalho – para ingressar no campo esportivo (COUTINHO, 2021, p. 111)

Ferroviário
Time campeão cearense pela primeira vez em 1945. Fonte: reprodução Ferroviário

Pode ensinar também

O cântico pode ser apresentado em sala de aula como uma nova forma de abordagem sobre a história do Brasil ajudando  no entendimento do estudante através de fontes que possam associar com a realidade histórica da sua cidade, no caso a história de um clube que move memórias e identidades de pais e avós  fortalezenses. Dessa forma,  utiliza-se o futebol ”como objeto de pesquisa para a interpretação da classe trabalhadora” (PINTO, 2007, p.30) e o seu uso para a construção da identidade brasileira.

Para o ensino de história, a utilização de diferentes fontes  — isso desde recortes de jornais antigos, fotografias,  até vídeos e músicas — tem como  principais objetivos orientar o estudante no seu processo de interpretação histórica por meio da  leitura da fonte selecionada pelo professor (a). Com base nisso,  o contato do discente com as fontes pode ser essencial para a construção de uma análise crítica da sociedade e de seus momentos históricos.

Escolher uma metodologia mais dinâmica para lecionar, como o uso de fontes e documentos históricos em sala de aula, é uma
boa maneira de fazer com que os alunos tenham mais interesse pela História e que eles próprios sejam mais ativos na formulação do seu conhecimento histórico. (GODÓI, 2020, n.p)

 Em síntese, trabalhar com o Ferroviário  Atlético Clube é se deparar com o único clube cearense, e um dos poucos do Brasil que manteve a sua história ferroviária e popular em plenos vapores. Um clube com mais de 200 mil de torcedores com diferentes memórias e identidades construídas na cidade de Fortaleza,  e com uma longa história de luta frente as elites desportistas da capital cearense. Levar a história do ferrim para a sala de aula  é estudar parte da historia da cidade de Fortaleza e da classe trabalhadora fortalezense.

Ferroviário
Time do ferroviário em seu ultimo título: o bi-campeonato brasileiro da serie D em 2023. Fonte: reprodução CBF
Referências

GODÓI, Bianca Rezende. FONTES HISTÓRICAS E SUAS APLICAÇÕES EM SALA DE AULA: RESGATE DA HISTÓRIA E MEMÓRIA DA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR MORAIS. Resumo expandido. Encontro de Pesquisa em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2020.

PINTO, Rodrigo Márcio Souza. Do Passeio Público à ferrovia: o futebol proletário em Fortaleza (1904-1945). 2007. 156 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Ceará.

COUTINHO, Renato. O futebol no Rio de Janeiro e os projetos de modernização no Brasil Republicano (1902-1945). In: MAGALHÃES, Lívia Gonçalves; TEIXEIRA, Rosana da Câmara. (Orgs.). Futebol na sala de aula: Jogadas, dribles, passes, esquemas táticos e atuações para o ensino de Ciências Sociais e de História. Niterói: Eduff, 2021.

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Nathan Ferreira Conde

Graduando em história na Universidade Federal do Ceará (UFC),  nascido e criado na cidade de Fortaleza e principalmente apaixonado pelo Fortaleza Esporte Clube. Atualmente, sou membro do Grupo de Estudos História do Futebol (GEHF) e estou me encontrando como pesquisador  nas áreas referentes ao futebol e Brasil república.

Como citar

CONDE, Nathan Ferreira. Das arquibancadas para a sala de aula: O Ensino de História pela voz da torcida popular cearense. Ludopédio, São Paulo, v. 175, n. 10, 2024.
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