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Esperanças e frustrações: futebol (ou o que poderia ter sido)

Em uma noite fria de agosto de 2010, assisti à uma partida entre Avaí e Santos, no estádio da Ressacada, em Florianópolis. A contenda era o jogo de volta da Copa do Brasil e o modesto time da capital catarinense foi valente para, mesmo perdendo por um gol frente ao alvinegro praiano, confirmar a classificação para a fase seguinte da competição. A equipe azurra vencera o primeiro confronto, na Vila Belmiro, por três a um. Foi péssima a apresentação do astro Neymar Jr. que, irritado com a dura marcação, pouco fez pelo time, assim como a de Marquinhos, ídolo local que atuava pelos paulistas e que foi ovacionado pelas arquibancadas. Em compensação, Paulo Henrique Ganso me impressionou muito. Passes de primeira, viradas de jogo, fintas, parecia que o camisa 10 (a do Santos não é qualquer camisa 10) flutuava em campo, etéreo, mas muito efetivo.

Naquele mesmo ano, três meses antes, eu vira pela TV Paulo Henrique comandar a conquista do título paulista, partida em que se recusou a ser substituído nos últimos minutos do segundo tempo, quando Dorival Júnior pretendia colocar mais um jogador de marcação. O Santos – que perdia, mas com resultado que lhe dava o título – jogava com dois a menos, e o meia-atacante segurava a bola no ataque. Inteligente, chegou mesmo a cobrar um escanteio para ninguém, apenas tocando a bola e deixando-a para que o adversário se deslocasse até o corner para buscá-la.

Ganso e Neymar treinam pela seleção brasileira em 2011. Foto: Bruno Domingos/Mowa Press.

Eu imaginava que Ganso se tornaria um grande craque, que chegaria mais longe do que Neymar. Não foi o que aconteceu, como todos sabemos. Enquanto o primeiro há tempos não deslancha, o segundo é um dos jogadores mais importantes em atividade no mundo. Ainda que do principal futebolista brasileiro em atividade sempre se espere mais, talvez injustamente, é inegável sua trajetória de sucesso, com brilho no Santos, no Barcelona e no Paris Saint-Germain. Depois do time da Baixada, Paulo Henrique encontrou algum brilho no São Paulo e tem fracassado redondamente na Europa.

Ganso faz parte de uma estirpe de jogadores que me fazem lamentar que não tenham mostrado tudo aquilo que, suponho, poderiam. Questões pessoais, falta de apoio do corpo técnico, dificuldades contratuais, problemas pessoais, soberba, enfim, são muitas as possíveis razões para que, quem pintava como craque, não tenha sido mais que bom jogador ou às vezes nem isso. Também é possível que fosse um engano, que não houvesse tanto talento no garoto vindo do Pará.

O caso mais desconcertante de êxito que não aconteceu, dos que conheço, foi o de Carlos Alberto, formado no Fluminense, com passagens por Vasco, Figueirense, São Paulo, Atlético Paranaense, Werder Bremen, Corinthians, Goiás, Al Dhafra, Bahia, Grêmio, Botafogo, Boavista. Ainda com dezenove anos o atacante se transferiu para o Futebol Clube do Porto, onde, treinado por José Mourinho e jogando ao lado de Deco, Maniche, Ricardo Carvalho, McCarthy e Vítor Baía, foi campeão da Champions League de 2003/2004. O tento que marcou no jogo decisivo contra o Mônaco, à época dirigido por Didier Deschamps, o coloca ainda hoje como o jogador mais jovem da história a ter sido goleador em uma final dessa competição. Certamente foi no Torneio Sub-20 da Malásia, em 2003, que o jogador chamou a atenção do corpo técnico da equipe, quando pela seleção brasileira fez um dos gols na partida final contra Portugal, na vitória, de virada, por três a um. No final de 2004, saindo do banco de reservas, foi um dos cobradores na disputa de pênaltis que deu o título da Copa Intercontinental ao time do norte de Portugal, contra a Corporación Deportiva Once Caldas. A equipe colombiana vencera a Libertadores enfrentando, também nos pênaltis, o Boca Juniors.

Acompanhei com prazer o jogo de Carlos Alberto no Porto, assim como a partir de sua contratação pelo Corinthians, quando ao lado de Carlitos Tevez foi campeão brasileiro em 2005. Jogou bem no Timão, mas os altos e baixos já começavam. O mesmo aconteceu nos outros clubes, mas com bons momentos em nova passagem pelo Fluminense, conquistando a Copa do Brasil em 2007, e no Vasco, quando chegou ao título da Série B, em 2009. Na única temporada pelo Figueira, em 2015, pude vê-lo em ação ao vivo, no estádio Orlando Scarpelli, já não era o mesmo de dez ou doze anos antes.

José Mourinho teria dito que Carlos Alberto foi o caso mais agudo de talento desperdiçado que conheceu. Para ele, o brasileiro foi espetacular. Não sei bem em que termos, de fato, ele se referiu ao jogador. Mas, concordo com ele.

Ganso em 2012 pela seleção brasileira. Foto: Mowa Press.

No rol dos que não chegaram a ser o que prometiam, está também Lulinha, astro das divisões de base do Corinthians. Lançado à equipe profissional com dezessete anos, caiu junto com time para a Segunda Divisão em 2007, embora tenha atuado com destaque no torneio em que o time naufragou. No ano seguinte, não teve com o técnico Mano Menezes as chances que talvez precisasse para se firmar. Em 2009, ao ser emprestado para o pequeno Estoril, de Portugal, recebeu uma homenagem como poucas. Depois de marcar um golaço contra o Vitória da Bahia, após passe de Ronaldo Fenômeno, o atacante Dentinho, do Corinthians, correu para a torcida e, tirando a camiseta, braços abertos, mostrou a inscrição “100% Lulinha” na térmica que vestia por baixo do uniforme. Como por certo previra, levou um cartão amarelo, do qual não reclamou, já que o gesto pelo amigo de tanto tempo valia muito mais. O então treinador do Corinthians não gostou nada da surpresa, lembro-me de sua cara fechada ao comentar o episódio, ao final do jogo. Eu, que assistia ao espetáculo, fiquei emocionado.

Glasgow, janeiro de 2019.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Esperanças e frustrações: futebol (ou o que poderia ter sido). Ludopédio, São Paulo, v. 115, n. 15, 2019.
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