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Futebol Moderno: como ele invadiu a mentalidade dos torcedores

Diego Martins 3 de abril de 2024
Foto: Jornal O Tempo Staff Images/Divulgação

O Futebol é um esporte que consegue atingir várias camadas de adeptos. Há os mais e menos fanáticos. Há os que pouco  acompanham e os que não deixam de assistir a uma só partida. Alguns seguem somente o seu time e outros que ama futebol incondicionalmente a ponto de ver qualquer jogo aleatório que esteja passando na TV. No geral o brasileiro nasce com esse DNA. O Futebol nos acompanha desde o nascimento.

Como uma pessoa que acompanha o Galo desde criança, cresci vendo os programas esportivos para saber o que acontecia no dia a dia do time. Era uma forma bem leve, muito diferente de hoje. Os jornais vendidos nas bancas eram uma extensão do que acontecia nos clubes, com o intuito de transmitir a notícia de uma forma objetiva para os torcedores.

O processo de modernização no futebol brasileiro começou no final dos anos 2000. Os clubes passaram a enxergar o jogo como um produto para fazer mais dinheiro. As camisas ficaram mais caras e os ingressos também. Quer ver um jogo? Mostre sua paixão e seja sócio do clube. Veio a arenização com seus estádios quadrados sem identidade alguma com a essência de suas torcidas e arquibancadas cada vez mais genéricas.

O torcedor sempre foi o maior afetado nesse processo, sendo ele positivo ou não. Por causa das redes sociais a proximidade entre clube e torcida aumentou. Isso gerou a possibilidade de saber ainda mais o dia a dia da instituição, dentro e fora de campo, como: transações, balanço financeiro, assuntos internos, entre outros. Dessa forma, o jogo se torna um mero detalhe. Na rede social aparecem todos os tipos de “especialistas”: em tática, em jornalismo, em finanças, com o intuito de informar qualquer assunto sobre o clube diariamente.

Funciona assim: quer um time competitivo? É preciso pagar mais pelo ingresso. As patrocinadoras tem o direito de desrespeitar a camisa do clube, pois estão pagando. Futebol feminino ou outra modalidade esportiva? Só se der lucro, se não nem é necessário ter. Atualmente, a importância de uma competição se dá pelo valor da premiação e não por seu simbolismo. A Copa do Brasil é um exemplo disso: ela deixou de ser o ‘caminho mais curto para a Libertadores’ para o título que dá mais dinheiro.

Infelizmente, muitos torcedores são tomados pelo egoísmo em pensar que o clube não pode ser uma referência no futebol atuando em favor das classes sociais de sua massa. Como atleticano que defende um preço de ingresso mais justo,  sempre me deparo com falas do tipo: “Quer o Hulk no time e pagar 10 reais no ingresso?”. Acredito que o papel do torcedor é contribuir dentro e fora de campo para que seu time seja mais forte, mas também acredito que o relacionamento entre essas partes não pode ser uma via de mão única.

Consequentemente isso faz que alguns torcedores com mais condições se sintam mais importantes do que outros. Há um atrito constante sobre o um indivíduo fazer mais pelo seu clube, independente de sua situação financeira e social. Quem não pode pagar R$300,00 em uma camisa não é menos fanático por quem pode. O torcedor moderno se tornou resultadista, pois se acha no direito de cobrar coisas que vão além da arquibancada. Prova disso é que se tornaram comuns os ataques e ameaças a atletas, treinadores e seus familiares na internet.

Fato é que o público se acostumou e normalizou pagar caro para consumir futebol em nome da tal da experiência, mesmo que esta seja bem inferior do que um jogo da Premiere League, que inclusive estão estudando maneiras de deixar o produto mais popular, como por exemplo retirar cadeiras dos setores mais baratos. A arenização segregou o público que se tornou consumidor. As arenas são todas setorizadas. Portanto, o apoio que havia em todo um estádio se limitou a uma área onde fica a torcida organizada, sendo a única parte vibrante do jogo. Atualmente, estádios mais antigos passaram a ser chamados de raiz provocando um saudosismo até em quem defende a modernização. Mas por que uma arena mais moderna não pode ser um estádio pulsante para seus torcedores locais e hostil para os rivais?

Cartolas, empresários, banqueiros, pessoas que hoje organizam e cuidam do futebol nunca tiveram intimidade e nem a noção do que o jogo representa para as pessoas. Para eles não importa se a partida vai ter ingresso mais caro, ou se um clássico terá 10% de visitante ou torcida única, ou se o horário é o mais inviável possível. O futebol é um produto para gerar lucro e nada mais que isso. Mas a questão disso é que tudo respinga no torcedor, o ponto mais fraco dessa briga de egos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Diego Felizardo Martins

Atleticano, fotógrafo e pesquisador de história. Graduado em Design Gráfico no UniBH. Frequentador assíduo da arquibancada que já viveu ela de várias formas. Amante de buteco como todo belo-horizontino. Administrador do projeto Galo Memória e BH no Tempo.

Como citar

MARTINS, Diego. Futebol Moderno: como ele invadiu a mentalidade dos torcedores. Ludopédio, São Paulo, v. 178, n. 3, 2024.
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