Paulo Roberto Falcão conta que no final de 1978 encontrou Mário Sérgio em uma partida festiva e lá o convidou para atuar com ele no Inter, que no ano seguinte chegaria ao tricampeonato nacional. Diferentemente dos dois títulos anteriores, em 1975 e 1976, agora de forma invicta. O Colorado tinha um timaço, começando pelo paraguaio Benitez no gol, passando por Mauro Galvão, a revelação da zaga e do campeonato, chegando a Jair, o Príncipe Jajá, na ponta-de-lança. E, claro, Falcão e Mário Sérgio, dois craques, o segundo chamado de “Vesgo”[1] pelo primeiro porque, como faria Ronaldinho Gaúcho anos depois, olhava para um lado, mas com facilidade passava a bola para o outro. Ganhou a Bola de Prata, da Placar, pela atuação no torneio, apenas uma das quatro que fez por merecer.

Poucos anos depois de ser campeão pelo Internacional, Mário Sérgio voltou ao Sul, desta vez para uma tão breve quanto exitosa passagem pelo Grêmio, pelo qual conquistou a Copa Intercontinental contra o alemão Hamburgo, em Tóquio. Em uma equipe em que o astro era Renato Portaluppi atacando pela direita – o que faz até hoje, ainda que não mais no campo, mas nas ideias políticas – destacavam-se também Paulo Cézar Lima e o próprio Mário, cujo regresso a Porto Alegre teve muito a ver com o treinador Valdir Espinosa, que dirigia o time azul, preto e branco, e com quem havia jogado no Vitória. Ao longo da carreira, foram várias as equipes em que atuou, no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia, vencendo torneios estaduais em cada um desses estados. Na capital carioca fez parte da primeira formação da Máquina Tricolor, campeã em 1975, cujo plantel contava ainda com os tricampeões mundiais Carlos Alberto, Félix, Marco Antônio e Rivellino, além do mesmo PC Caju com quem atuaria no Estádio Olímpico.

“Se você é craque, por que não joga na seleção?”, perguntava o filho de Mário Sérgio em 1981, quando ele atuava pelo São Paulo. Isso quem relatou, emocionado, foi o próprio meia-esquerda que finalmente vestiria camiseta amarela. Não foram mais que oito partidas em que se pôde vê-lo na seleção, que, portanto, desfrutou pouco do talento daquele que parecia esconder a bola ao conduzi-la no gramado, tal a dificuldade que era desarmá-lo. O treinador do escrete era Telê Santana, e as relações do habilidoso jogador com ele, que formou o time dos sonhos em 1982, jamais foram boas. Dissonâncias que só se agudizaram quando Telê passou a atuar como comentarista, enquanto Mário estreava como treinador. Houve escaramuças ao vivo, ao ser perguntado pelo antigo técnico do selecionado, com os fones que o repórter de campo lhe emprestara, por que a equipe por ele treinada, que era o Corinthians, fazia tantas faltas. A mesma reprimenda sobre o antijogo seria feita em um programa ao vivo, mas para Zé Elias, o jovem volante que Mário promovera das categorias de base a titular do Timão, aos 16 anos.

Mario Sérgio
Fonte: reprodução X / Inter

Mário Sérgio foi um ótimo treinador, mesmo atuando com pouca continuidade na função. Além do belo trabalho no Corinthians, em que preparou a equipe que sob o comando de Eduardo Amorim venceria a Copa do Brasil de 1995, teve destacada passagem pelo Figueirense, onde alcançou o vice-campeonato da mesma competição em 2007. Em uma e outra situação mostrou o quanto era solidário com seus comandados. Lembro-me do volante Bernardo destacando ainda no campo, no calor da vitória sobre o Grêmio, a importância que Mário tivera para o elenco corintiano; no Figueira, assumiu inteiramente a responsabilidade pela derrota na final frente ao Fluminense, poupando os atletas da voluntariosa equipe que formara. Anos antes, no Atlético Paranaense, deu consistência à equipe que venceria o Brasileirão nas mãos de Geninho. Como várias vezes aconteceu, deixou o cargo antes de colher os frutos mais maduros, ainda que desta vez tenha até ficado um pouco mais do que pretendia. Mesmo tendo dito publicamente que “Ou o Atlético acaba com a noite, ou a noite acaba com o Atlético”, foi bancado pelos jogadores.

Buscando o modelo do basquete, Mário armava suas equipes com muita compactação e imediata recomposição quando a bola era perdida. Foi dos melhores que vi fazer funcionar a transição entre defesa e ataque. Muito desse conhecimento ele aproveitou como comentarista na televisão. Nela, durante muito tempo fez par com os narradores Sílvio Luís e Luciano do Valle. Na Copa de 1994, um dia antes da final, disse em uma mesa-redonda com eles e outros parceiros que sua tarefa no torneio acabava ali, que no dia seguinte se tornaria apenas mais um torcedor do selecionado nacional. Foi uma pequena licença para alguém que nos comentários era muito técnico, sem deixar de fazer suas ironias, às vezes inadequadas, com colegas e desafetos do futebol. O temperamento rebelde do jogador de cabelos longos (que aos poucos foram ficando escassos) e roupas coloridas, dos anos 1970, nunca o deixou e houve um preço a ser pago. A isso se juntou um conjunto de episódios de doping, o porte (e uso) de arma de fogo, o individualismo em campo e as provocações ao treinador Cilinho, quando estavam ambos na Ponte Preta, forçando sua liberação para atuar no Grêmio, em 1983.

Inteligente e irreverente, sarcástico e imperfeito, excelente leitor do jogo quando fora do campo, excepcional jogador no interior das quatro linhas: este foi Mário Sérgio Pontes de Paiva, que, dizem, foi muito amigo de seus amigos. Sua força estava na coragem que, no entanto, podia derrapar para o deboche gratuito. Um personagem valioso do futebol, mas que tende a cair no esquecimento, longe das redes sociais, sem sucesso na seleção, notório por seu comportamento desobediente. Em poucos meses se completam sete anos do acidente que vitimou quase toda a delegação da Chapecoense, nos arredores de Medellín, Colômbia, para onde o clube viajava a fim de disputar o primeiro jogo da final da Copa Sul-americana contra o Atlético Nacional. Nele estavam também jornalistas, locutores e comentaristas, entre eles Mário Sérgio. Ele, que foi ótimo, não teve tempo de ser ainda melhor.

Notas

[1] A expressão é desrespeitosa e não deve ser repetida porque estigmatiza pessoas com certa limitação visual. Mantenho-a porque o contexto da época era outro e o emprego de todo tipo de insulto era, infelizmente, tolerado e até mesmo motivado. Isso vale também para quando ele era empregado como elogio, como o destinado a Mário Sérgio, o que representa, de qualquer forma, desrespeito a um grupo social.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Mário Sérgio (1950 – 2016). Ludopédio, São Paulo, v. 172, n. 21, 2023.
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