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O eterno retorno do “faz-me rir”

A expressão “eterno retorno do mesmo” (die ewige Wiederkunft des Gleichen) é central no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, resultante do entendimento de que o tempo seria cíclico, e de que todos os acontecimentos se repetiriam frequente e infinitamente. Todavia, nas linhas que se seguem, trataremos de algo, por assim dizer, mais “terreno”, do cotidiano daqueles que vivenciam ou, pelo menos, se interessam por futebol. Apenas nos apropriamos da expressão “eterno retorno” para salientar que, de tempos em tempos, no futebol parecem ocorrer ressonâncias com o passado de maneira recorrente e cíclica, conforme o caso específico abordado neste artigo.

Na era das redes sociais e da veiculação do chamado “meme”, “uma mensagem quase sempre de tom jocoso ou irônico que pode ou não ser acompanhada por uma imagem ou vídeo e que é intensamente compartilhada por usuários nas mídias sociais” (TORRES, 2016), que viraliza na internet, escrevemos aqui sobre algo que, guardadas as devidas proporções, se assemelharia a um meme, mas que é de outros tempos: “Faz-me rir”, o título de uma canção que se tornou emblemática para a campanha do time do Sport Club Corinthians Paulista na edição do Campeonato Paulista em 1961. Já fazem mais de 60 anos que essa canção, interpretada na voz magistral de Edith Veiga, se tornaria epíteto jocoso para o desempenho pífio de um clube de futebol. Aliás, não é novidade a relação entre música e futebol no Brasil e em outras partes do mundo. Entretanto, neste caso ela é pelo menos peculiar: ao invés de ser inspirada no futebol ou se relacionar tematicamente com ele, “Faz-me rir”, por assim dizer, inspirou torcedores de times rivais a adotarem o título como modo de caçoar do glorioso alvinegro do Parque São Jorge, que não vivia lá seus dias de glória no final da década de 1950 e início da década de 1960. O que não se sabia em 1961, é que o clube mais popular de São Paulo levaria mais de uma década e meia para voltar a se sagrar campeão, amargando uma fila de 23 anos desde o último campeonato conquistado, em 1954, sob a batuta do técnico Oswaldo Brandão: o honroso título de Campeão do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, fundada em 1554 por jesuítas, entre eles Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Na verdade, aquela edição comemorativa do Campeonato Paulista só foi encerrada no início de 1955. Segundo Mario Marinho e Silvio Natacci, “[o] jogo decisivo, valendo o Troféu do IV Centenário, foi contra o Palmeiras, no dia 06 de fevereiro, com o Pacaembu lotado” (MARINHO; NATACCI, 2012, p. 68). O Corinthians conquistou o título uma rodada antes do encerramento do torneio, ao empatar com o Palmeiras pelo placar de 1×1. E a longa fila de títulos só seria rompida com o gol redentor de “São Basílio”, em 13 de outubro de 1977, na partida final do Campeonato Paulista, disputada contra a Associação Atlética Ponte Preta no Estádio do Morumbi: “Naquela noite sagrada, os corintianos de todos os cantos do mundo puderam respirar aliviados e explodiram como só os corintianos sabem fazer” (MARINHO; NATACCI, 2012, p. 80).

Voltando à canção, conforme podemos observar, o sentido de “Faz-me rir” empregado pelos torcedores rivais para ridicularizar o adversário alvinegro se desloca ligeiramente daquele da letra:

Como podes pensar que te quero?

Como podes sonhar com o meu amor?

Se uma vez eu te dei meu carinho

E a tua ilusão, encheu-me de dor

 

Não é dizer que eu sou vaidosa

Mas, estou orgulhosa de ser.

A mulher que outros homens pretendem

E a ti já não quero voltar a querer.

 

Faz-me rir o que andas dizendo

Que te adoro, que morro por ti

Não te enganes dizendo mentiras

Não te enganes, não te faças rir

 

Até parece impossível que um dia

Foste o homem sonhado por mim

Esta cínica farsa de agora

Faz-me rir, ai… faz-me rir… (VEIGA, 1961)

Conforme podemos constatar, originalmente, o título e os versos dessa canção se referiam à relação passional entre um homem e uma mulher, em que ela parece desdenhar do outrora amado, que “Foste o homem sonhado por mim”, mas “Esta cínica farsa de agora/ Faz-me rir, ai… faz-me rir…” (VEIGA, 1961). Aliás, segundo o jornalista e crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio, esse “bolerão alvinegro” fora composto originalmente em espanhol por Edmundo Arias e Francisco Yoni (nome artístico de Francisco Fortunato da Silva) com o título “Me dá riza”, vertido para o português pelo compositor Teixeira Filho e gravado por Edith Veiga em 1961 (ORICCHIO, 2007).

Não obstante o sentido passional de “Faz-me rir”, bem apropriado ao gênero bolero, vejamos como foi o desempenho daquele Corinthians de 1961, para tentar entender o porquê da apropriação desse epíteto para rotulá-lo. Aquele ano parecia começar bem para o Timão, pois batera o Flamengo pelo placar de 7×2 em partida histórica, por ocasião da inauguração do sistema de iluminação da “Fazendinha”. Conforme aponta Celso Unzelte no verbete “Noite iluminada”, da Bíblia do Corintiano,

[j]ogo à noite, no parque São Jorge, só a partir de 25/2/1961, data da inauguração dos primeiros refletores do estádio. Para instalá-los, o então presidente Vicente Matheus gastou cerca de seis milhões de cruzeiros antigos pagos à Phillips do Brasil, que forneceu o equipamento. E a festa foi completa, com goleada por 7×2 no amistoso contra o respeitável Flamengo de Gérson, Henrique, Dida e Babá. (UNZELTE, 2010, p. 119)

Todavia, com luz ou sem luz, fato é que o rendimento da equipe corinthiana na edição do Campeonato Paulista de 1961 deixou muito a desejar. Ao todo, foram disputadas pelo clube 30 partidas, com 12 vitórias, 09 empates e 09 derrotas, conforme consta no banco de dados da Rec.Sport.Soccer Statistics Foundation (RSSSF):

02/07/1961 Corinthians 1 x 2 Guarani

09/07/1961 Esportiva 3 x 0 Corinthians

16/07/1961 Corinthians 2 x 2 Botafogo

19/07/1961 São Paulo 1 x 0 Corinthians

23/07/1961 Jabaquara 2 x 1 Corinthians

30/07/1961 Corinthians 2 x 1 XV de Piracicaba

06/08/1961 Ferroviária 2 x 1 Corinthians

12/08/1961 Corinthians 1 x 1 Juventus

16/08/1961 Corinthians 1 x 5 Santos

19/08/1961 Corinthians 1 x 0 Taubaté

27/08/1961 Comercial (RP) 3 x 2 Corinthians

10/09/1961 Noroeste 1 x 2 Corinthians

13/09/1961 Palmeiras 1 x 1 Corinthians

20/09/1961 Port. Santista 2 x 3 Corinthians

23/09/1961 Corinthians 3 x 1 Portuguesa

01/10/1961 Corinthians 2 x 1 Jabaquara

07/10/1961 Corinthians 1 x 0 Port. Santista

11/10/1961 Corinthians 6 x 0 Esportiva

15/10/1961 Taubaté 2 x 2 Corinthians

22/10/1961 Corinthians 1 x 0 Juventus

26/10/1961 Corinthians 1 x 1 Palmeiras

29/10/1961 Corinthians 1 x 2 Ferroviária

05/11/1961 XV de Piracicaba 2 x 2 Corinthians

08/11/1961 São Paulo 0 x 0 Corinthians

15/11/1961 Portuguesa 7 x 0 Corinthians

25/11/1961 Botafogo 2 x 2 Corinthians

03/12/1961 Santos 1 x 1 Corinthians

06/12/1961 Corinthians 2 x 1 Comercial (RP)

10/12/1961 Guarani 2 x 3 Corinthians

17/12/1961 Corinthians 4 x 0 Noroeste (RSSSF, s/d)

Corinthians 1961
Corinthians de 1961: Oreco, Valmir, Jaime, Sidnei, Ari Clemente e Gilmar. Agachados: Miranda, Abib, Joaquinzinho, Da Silva e Neves. Fonte: reprodução

Esses dados revelam, por exemplo, que o Corinthians não venceu nenhum clássico contra seus principais rivais: foram 02 empates contra o Palmeiras, 01 empate e 01 derrota contra o São Paulo, 01 derrota e 01 empate contra o Santos. Mas o vexame maior foi a derrota contundente pelo placar de 7×0 para a Portuguesa de Desportos. De acordo com o jornalista Mario Marinho, o clube teve três técnicos em 1961:

Com a posse de Wadih Helou, o técnico João Lima pediu demissão. Sua carreira corintiana limitou-se a 15 jogos (6 vitórias, 1 empate e 8 derrotas). Assumiu em seu lugar Alfredo Ramos, ex-zagueiro do próprio Corinthians e que dirigiu [o clube] por 43 jogos (22 vitórias, 10 empates, 11 derrotas). […] Depois de perder para a Esportiva de Guaratinguetá, 3 a 0, e empatar com Botafogo (Ribeirão Preto) em 2 a 2, o técnico Alfredo Ramos caiu. Era o mês de julho de 1961. Para o seu lugar, veio o estrategista Martin Francisco. (MARINHO, 2017)

Na verdade, cinco técnicos dirigiram o time em 1961: João Lima (15 jogos), Dino Pavão (Oswaldo Rodolpho da Silva; interino; 02 jogos), Alfredo Ramos (22 jogos), Rato (José Castelli; interino; 02 jogos) e Martin Francisco (36 jogos em 1961/1962). A sucessiva troca de técnico em pouco tempo e o recurso de lançar mão de ex-jogadores como técnicos interinos são fortes indícios do “eterno retorno”, se estabelecermos ressonâncias com os dias atuais no Parque São Jorge.

Talvez, hoje, para as gerações mais jovens, não faça tanto sentido falar de um campeonato regional como o Paulista, “a primeira competição oficial de futebol do Brasil” (DAMATO, 2004, p. 42), e de seu impacto em termos de torcida, uma vez que, pelo menos desde a década de 1990, vivemos em uma era do futebol globalizado, em que o alcance geográfico e a perspectiva de torneios almejados se ampliaram significativamente. Hoje, as torcidas dos principais clubes do país com gestão profissional e elevado desempenho técnico e tático pensam no Campeonato Brasileiro, no âmbito nacional, na Copa Libertadores da América e na Copa Sul-americana, no âmbito continental, e no Campeonato Mundial de Clubes da FIFA, no âmbito global. Mas, naquela época em que não havia sequer o Campeonato Brasileiro, os campeonatos regionais tinham um enorme significado para os torcedores.

Voltando a 1961, as referências ao Campeonato Paulista e, respectivamente, ao péssimo desempenho do Corinthians são insuficientes para justificar o porquê de o clube tornar-se risível aos olhos dos torcedores adversários, que cantavam versos da canção “Faz-me rir” a cada jogo do clube. Isso só se torna plausível quando relembramos o desempenho da equipe do Parque São Jorge em edições anteriores da competição. Para isso, mais uma vez, a Bíblia do Corintiano, de Celso Unzelte, é uma preciosa fonte de pesquisa, pois, desde a primeira edição disputada e vencida pelo clube em 1914 até a edição de 1960, o Corinthians não esteve entre os quatro primeiros colocados apenas em quatro edições: de 1931 (6º), 1932 (6º), 1949 (6º) e 1950 (5º) (UNZELTE, 2010, p. 288-289). Além disso, o clube já contabilizava a conquista do Campeonato Paulista em 15 edições.

Portanto, não é de se estranhar que o Corinthians tenha se tornado objeto de piada em 1961, uma vez que possuía um desempenho de certa regularidade, quebrada naquele ano com uma série de derrotas iniciais, que demandou uma luta por recuperação, conquistando 33 pontos e culminando com o 7º lugar na competição, ficando atrás do campeão Santos (1º; 53 pontos), do Palmeiras (2º; 50 pontos), do São Paulo (3º; 41 pontos), da Portuguesa (4º; 40 pontos), da Ferroviária (5º; 38 pontos) e do Guarani (6º; 33 pontos) (RSSSF, s/d). Mario Marinho, em seu texto intitulado “Faz-me rir novamente?”, havia uma relação diametralmente oposta entre sucesso musical e fracasso futebolístico: “Enquanto Edith Veiga fazia sucesso com o ‘Faz-me rir’ o corintiano era zoado pelos adversários” (MARINHO, 2017).

Mas, afinal, qual era o plantel do alvinegro do Parque São Jorge à época? A começar pelo goleiro, o Corinthians contava com nada mais, nada menos do que Gilmar dos Santos Neves, arqueiro titular da Seleção Brasileira campeã mundial de 1958, que se sagraria bicampeão mundial em 1962, quando não mais jogava pelo alvinegro. Isso mesmo: o ano do “Faz-me rir” foi demais para Gilmar, que tratou de deixar o Parque São Jorge e rumar para a Baixada Santista, precisamente à Vila Belmiro, onde o Santos formava uma equipe vitoriosa, a mais vitoriosa de sua história, em que estrelas giravam em torno do astro maior, Pelé, cuja carreira lhe outorgaria o merecido título de “Rei do Futebol”. De acordo com informações que constam no portal Todo Poderoso Timão, “[c]ansado das gozações e da má administração, o goleiro Gilmar dos Santos Neves decide sair do Corinthians. O presidente Wadih Helu (sic), eleito no início do ano [de 1962], não conseguiu segurá-lo, já que o Santos ofereceu 10 milhões de cruzeiros, uma fortuna para a época” (TODO PODEROSO TIMÃO, 2007). Sem dúvida, foi providencial a saída de Gilmar, pois, além das conquistas com a Seleção, também se sagrou bicampeão da Copa Libertadores da América e bicampeão mundial de clubes com o Santos, em 1962 e 1963.

Gilmar dos Santos Neves
Gilmar dos Santos Neves. Fonte: reprodução

Ainda sobre o plantel, é interessante notar que havia uma variação de técnico para técnico. De acordo com Mario Marinho, com o técnico João Lima o time titular era “Gilmar, Egídio, Olavo e Ari Clemente; Benedito e Oreco; Lanzoninho, Almir, Joaquinzinho, Rafael (Lopes) e Felício” (MARINHO, 2017). Já com o técnico Alfredo Ramos, os titulares eram “Cabeção, Jaime, Walmir e Ari Clemente; Sidnei e Oreco; Bataglia (Zague), Joaquinzinho (Paulinho), Miranda, Rafael e Neves” (MARINHO, 2017). E com o técnico Martin Francisco, os onze eram esses: “Aldo, Jaime, Walmir e Augusto; Da Silva e Oreco; Espanhol, Adilson, Beirute, Rafael e Neves” (MARINHO, 2017). Nota-se que o goleiro Gilmar tinha sido substituído por Cabeção e, posteriormente, por Aldo. Todavia, segundo Paulo Guilherme, a ausência do goleiro em várias partidas se devia a uma séria contusão, que contribuiu para que sua situação no clube se tornasse insustentável:

A coisa piorou depois que Gilmar ficou fora de várias partidas por causa de uma lesão no braço. O médico do clube dizia que não era nada, que o goleiro estava fazendo corpo mole porque queria ir embora do Corinthians. Depois de cair de mau jeito durante um treino no campo do Nacional Atlético Clube, Gilmar chutou o balde. Arrancou a camisa e correu em direção ao presidente do clube, Wadih Helou, para mostrar o braço inchado.

“Olha aqui o corpo mole. Mas não se preocupe que eu vou operar por conta própria”, esbravejou o goleiro. Gilmar estava com ruptura total do tendão do braço direito. Passou dois dias fazendo compressa com água e sal e foi para a mesa de operação. A cirurgia durou quase duas horas, Gilmar sabia que dificilmente voltaria a jogar no Corinthians. (GUILHERME, 2006, p. 140-141)

E outro nome nessas escalações chama à atenção, o de Almir, sim, Almir Pernambuquinho, “o mais controvertido jogador de sua época” (DAMATO, 2004, p. 234), que tinha sido contratado junto ao Vasco da Gama em 1960, entre os titulares sob o comando de João Lima, no início de 1961: “Almir acabou não jogando bem e foi vendido no ano seguinte [i.e., em 1961] para o Boca Juniors, da Argentina. Justamente em sua estreia por lá, fez dois gols em cima do Corinthians, na goleada de 5 a 0 no estádio La Bombonera, em Buenos Aires” (TODO PODEROSO TIMÃO, 2007). Além disso, a variação constante na escalação de titulares evidencia que as tentativas de mudança do plantel não surtiram o efeito esperado: “Os reforços que chegaram do Flamengo, Espanhol, Manoelzinho, Ferreira e Beirute, não convenceram e ainda fizeram com que o Corinthians virasse motivo de risos” (TODO PODEROSO TIMÃO, 2007). Mais uma vez, o presente estabelece ressonâncias com o passado.

Podemos pensar que esse “eterno retorno do faz-me rir” deve muito à crônica esportiva, não em termos futebolísticos, é evidente, mas em termos discursivos, em que campanhas medíocres ou péssimas do Corinthians despertam a lembrança de alguns cronistas e profissionais de imprensa. Um bom exemplo disso é o jornalista Juca Kfouri, que publicou recentemente uma crônica em seu blog, no site do Universo Online (UOL), intitulada “Corinthians, o Faz-me Chorar, só empata com o Cuiabá”, referindo-se à partida disputada na Neo Química Arena pela edição atual do Campeonato Brasileiro, em 10 de junho de 2023. Segundo Kfouri, ilustre torcedor do alvinegro, que não riria de seu clube de coração, haveria algo no desempenho lastimável da equipe atual que desperta fantasmas do passado: “Você se lembra do tempo em que o Corinthians era chamado de Timão? Pois saiba que anos 1960, de tão ruim, o Corinthians ganhou o apelido de Faz-me Rir, música que fazia sucesso à época, na voz de Edith Veiga. 60 anos depois, é o Faz-me Chorar. De tristeza, de indignação, de raiva.” (KFOURI, 2023).

Todavia, nesse “eterno retorno”, o desempenho crítico do Corinthians em anos anteriores também evoca os fadados tempos do “faz-me rir”. Exemplo disso é o texto que o jornalista Milton Neves publicou em seu Blog no Universo Online (UOL), em 18 de fevereiro de 2021, intitulado “O Corinthians está voltando para a era do ‘Faz-me Rir’!”. Embora reconheça que “[a]s últimas décadas foram espetaculares para o Corinthians”, Milton Neves aponta para questões de ordem financeira que comprometeriam o desempenho do clube nesta década: “o Timão precisará de muitos anos para se reestruturar financeiramente” (NEVES, 2021). O jornalista foi categórico ao afirmar, já no início de 2021, que o Corinthians enfrentaria anos difíceis: “Por tudo isso, o Timão tem dado pinta de que está voltando para os anos 60. Está voltando para a era do ‘Faz-me rir’.” (NEVES, 2021) A campanha atual do clube no Campeonato Brasileiro e na Copa Libertadores da América demonstra que o prognóstico foi acertado.

Algo semelhante se observa no texto publicado por Wladimir Miranda em 19 de outubro de 2020 no Blog do Terceiro Tempo, no Universo Online (UOL), intitulado “O Corinthians voltou a ser o Faz-me rir”, por ocasião da derrota do time no dia anterior para a equipe do Flamengo pelo placar de 5×1, no Campeonato Brasileiro:

O Corinthians de agora, comandado por Vagner Mancini que, é bom que se diga, não tem currículo para dirigir o alvinegro da Neo Química Arena, é de dar pena. Faz lembrar o Corinthians dos anos 60 que, por não ganhar de ninguém, colecionar vexames e amargar décadas sem títulos, era chamado de faz me rir. Em campo, o time fazia por merecer o apelido, dado em forma de piada, por causa da música que fez um sucesso estrondoso na voz de Edith Veiga. (MIRANDA, 2020)

Portanto, em todos esses exemplos reverbera o mito do “Faz-me rir”, entendido aqui como uma narrativa que, por sua recorrência, cristalizou-se como tal. Que o Corinthians não é o único clube cujo desempenho oscila nas diversas competições ao longo do tempo é evidente. Nas últimas décadas, nota-se que clubes tradicionais têm frequentado a Série B do Campeonato Brasileiro, alguns quase fazendo dela seu “habitat natural”, tornando-se “iô-iô”, sobe e desce. Mesmo em uma década vencedora, como a última, em que o alvinegro do Parque São Jorge, quer dizer, da Neo Química Arena, foi um dos protagonistas do Campeonato Brasileiro, conquistando o título em 2011, 2015 e 2017 (CORNELSEN, 2021) e também o título da Copa Libertadores da América e do Mundial de Clubes em 2012 (aliás, o último clube latino-americano a ser campeão mundial desde então), o discurso do “Faz-me rir” já se fazia presente na imprensa esportiva, sobretudo a partir de 2017.

Desde 2020, o clube tem perdido o protagonismo nas principais competições, o que nos faz pressupor que, se o desempenho medíocre continuar, o “Faz-me rir”, lá do início da década de 1960, continuará a reverberar no presente daquele que é apontado por Wladimir Miranda como o “Clube mais popular da capital econômica do país, o Corinthians clama por uma administração condizente com a sua força” (MIRANDA, 2020). Se, como bem aponta Mario Marinho (2017), “[d]efinitivamente, 1961 não foi um ano corintiano”, há indícios de que 2023, mais uma vez, tem tudo para não ser um ano corintiano.

Referências

CORNELSEN, Elcio Loureiro. Protagonistas e coadjuvantes – um olhar para o desempenho de clubes no Campeonato Brasileiro da Série A (2010-2019). Arquibancada. São Paulo, 143.30, 17 maio 2021. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/protagonistas-e-coadjuvantes-um-olhar-para-o-desempenho-de-clubes-no-campeonato-brasileiro-da-serie-a-2010-2019/. Acesso em: 03 jul. 2023.

DAMATO, Marcelo. Mini-Enciclopédia do Futebol Brasileiro. São Paulo: Lance! Editorial, 2004.

GUILHERME, Paulo. Goleiros: heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda, 2006.

KFOURI, Juca. Corinthians, o Faz-me Chorar, só empata com o Cuiabá. Blog do Juca Kfouri (UOL). 10 jun. 2023. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/juca-kfouri/2023/06/10/corinthians-o-faz-me-chorar-so-empata-com-o-cuiaba.htm. Acesso em: 03 jul. 2023.

MARINHO, Mario. Faz-me rir novamente? Chumbo Gordo (Blog). 01 fev. 2017. Disponível em: https://www.chumbogordo.com.br/10875-faz-me-rir-novamente-coluna-mario-marinho/. Acesso em: 03 jul. 2023.

MARINHO, Mario; NATACCI, Silvio. Corinthians: Sala de Troféus. São Paulo: Nova Leitura, 2012.

MIRANDA, Wladimir. O Corinthians voltou a ser o Faz-me rir. Blog do Terceiro Tempo (UOL). 19 out. 2020. Disponível em: https://terceirotempo.uol.com.br/noticias/o-corinthians-voltou-a-ser-o-faz-me-rir-por-wladimir-miranda. Acesso em: 03 jul. 2023.

NEVES, Milton. O Corinthians está voltando para a era do ‘Faz-me Rir’! Blog do Milton Neves (UOL). 18 fev. 2021. Disponível em: https://blogmiltonneves.uol.com.br/blog/2021/02/18/o-corinthians-esta-voltando-para-a-era-do-faz-me-rir/. Acesso em: 03 jul. 2023.

ORICCHIO, Luis Zanin. Faz-me Rir. O Estado de São Paulo. Caderno de Cultura. 27 set. 2007. Disponível em: https://www.estadao.com.br/cultura/luiz-zanin/faz-me-rir/. Acesso em: 03 jul. 2023.

RSSSF. Campeonato Paulista 1961 – Divisão Especial. s/d. Disponível em: https://www.rsssfbrasil.com/tablessz/sp1961.htm. Acesso em: 03 jul. 2023.

TODO PODEROSO TIMÃO. 1955 à 1976 – O Jejum e a Invasão. 2007. Disponível em: https://todopoderosotimao.com.br/p_historia/h_1955_1976.php. Acesso em: 03 jul. 2023.

TORRES, Ton. O fenômeno dos memes. Ciência e Cultura. São Paulo, v. 68, n. 3, jul./set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300018. Acesso em: 03 jul. 2023.

UNZELTE, Celso. Bíblia do Corintiano. São Paulo: Panda Books, 2010.

VEIGA, Edith. Faz-me rir (1961). Trad. Teixeira Filho. Original: Me dá riza (1961), de Edmundo Arias e Francisco Yoni. Disponível em: https://www.letras.mus.br/edith-veiga/624793/. Acesso em: 12 jun. 2023.

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Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Como citar

CORNELSEN, Elcio Loureiro. O eterno retorno do “faz-me rir”. Ludopédio, São Paulo, v. 169, n. 5, 2023.
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